Correio dos Açores – Como foi o seu percurso até chegar a São Miguel?
Orlando Vieira (Proprietário do Bar do PI) – Sempre fui bom aluno e sempre tirei boas notas, apesar de não estudar muito. Aprendia bem rápido a matéria. Quando conclui o nono ano na Graciosa estive para vir para São Miguel estudar, queria tirar um curso profissional. Infelizmente, por várias razões, isto não foi possível. Acabei por chegar à maior ilha dos Açores quando entrei no curso de Gestão em 2007.
Quando começou a trabalhar no Bar do Pi, nas Portas do Mar?
Eu vim para são Miguel em 2007 e o bar abriu um ano depois, no início do Verão de 2008. Como gostava do ambiente e queria conhecer melhor São Miguel entrei em contacto com o dono do bar, que era meu conhecido, e comecei por ficar a recolher copos neste Verão. Terminada a época fiquei a part-time no bar onde, basicamente, fazia folgas de outros colegas. Foram gostando do meu serviço e comecei a ser chamado para trabalhar com mais frequência acabando por ficar a full-time.
Como foi o processo até chega a barman?
Sempre fui uma pessoa curiosa. Via os outros barmans a preparar bebidas e ia reparando como é que as bebidas eram misturadas e que ingredientes eram utilizados. Nunca fiquei parado, nem me limitava ao meu serviço. Sempre tive gosto em aprender e, muitas vezes, fui questionando os meus colegas como preparavam as diversas bebidas. Assim fui subindo gradualmente, tendo mais responsabilidades no bar.
Já tive formações de cocktails, algumas pouco intensivas. A formação mais intensiva que tive durou cerca de uma semana. Fui, e ainda vou, aprendendo mais através da partilha de contactos com outras pessoas do mesmo ramo, bem como através de vídeos no Youtube.
Actualmente é o proprietário do bar onde sempre trabalhou. Como surgiu esta oportunidade?
Quando surgiu a oportunidade, a princípio, pensava que se tratava de uma brincadeira do antigo dono. Um dia, no meio do trabalho, ele perguntou-me se eu queria ficar com o bar. Achei que ele estava a brincar e uma semana depois ele voltou a insistir. Na altura, em termos de capital, não tinha grandes possibilidades fiquei reticente. Depois de chegar a acordo com ele sobre o método de pagamento, e depois de analisar as contas do bar, decidi que estava na altura de dar o passo em frente.
Este é um estilo de vida que cansa. Não é o serviço em si, mas sim o lidar com as pessoas. Acho que foi este cansaço que levou o Pedro Vieira, o antigo dono que é conhecido por Pi, a vender o bar.
Em sua opinião, é difícil ser-se empreendedor nos Açores?
É um pouco difícil, principalmente na área em que estou. Ainda é um negócio sazonal. De Verão temos uma grande afluência de movimento e, no Inverno, há uma clara quebra. Sentimos sempre que as coisas se complicam um pouco no Inverno.
Referiu que a afluência é sazonal. Refere-se a mais turistas?
No Verão temos muita afluência de turistas. Se calhar nós, Açores, não estamos preparados para a quantidade de turismo que temos recebido.
Nesta altura, (Verão) há sempre falta de mão-de-obra. Acho que todas as pessoas deveriam trabalhar na restauração uma vez na vida, porque, na minha opinião, as pessoas não dão o devido respeito a quem trabalha na restauração.
No Inverno, como há uma quebra no turismo, temos mais clientes locais. Enquanto havia voos da Ryanair no Inverno, havia uma certa afluência de turistas, mas depois sentimos mesmo uma grande diferença.
Como é que consegue combater esta sazonalidade?
Temos que aproveitar o local. Por exemplo, é um local de referência para os universitários e como a Universidade está a funcionar na época baixa, tentamos fazer alguns eventos com a Universidade. Agora, durante esta semana, estamos com a praxe, só para referir um.
Se tivesse que escolher um cocktail com a sua assinatura como seria?
Nunca pensei muito nisso sinceramente. Temos alguns cocktails únicos no bar, onde existe um cocktail chamado ‘bar do pi’, mas assim mesmo criado por mim não faço ideia. Sei apenas que seria verde, por uma questão clubista.
O seu bar tem o nome do antigo dono. Nunca pensou em mudar o nome do bar?
Sim, foi algo que já esteve em cima da mesa mas é algo que implica um investimento avultado. Em minha opinião, não faz sentido mudar o nome do bar e o design dele continuar igual. Assim, teria que fazer uma grande remodelação e prefiro aguardar para ver se compensa, ou não, mudar o nome do bar. O facto de o Bar do Pi ser um bar já com algum nome também pesa na minha decisão, embora o factor novidade seja sempre importante principalmente aqui na ilha.
O bar em si já sofreu algumas alterações, tendo sido até um bar dançante. Na sua opinião qual é a forma mais rentável de ter o bar?
Neste momento a forma que tem resultado melhor, para mim, é ter um bar mais acolhedor virado para os cocktails e gins. O Bar do Pi é um bar mais familiar, mais calmo. É este género de bar que pretendo implementar.
Era o proprietário do bar na altura daCovid…
Sim, era. Fiquei com o bar uns meses antes da altura da Covid. Na altura, fiquei muito apreensivo com esta situação.
Quais foram as maiores dificuldades por que passou na altura do Covid?
A maior dificuldade, para além de ter de fechar o bar durante meses, foi a incerteza em relação aos postos de trabalho. Houve alturas em que podíamos abrir, depois voltávamos a ter que fechar e, depois, podíamos abrir de novo. A redução de horários também foi algo que nos trouxe bastantes dificuldades. Tive que recorrer a créditos para manter o bar como estava. Os apoios que o Governo deu ajudaram, claro, mas foram insuficientes.
Conseguiu manter todos os postos de trabalho?
Felizmente consegui. Para receber os apoios que o Governo deu, fui obrigado a manter todos os postos de trabalho, senão não tinha direito aos apoios. Se não houvesse esse critério, talvez tivesse ponderado reduzir o numero de postos de trabalho porque não se justificava ter o número de trabalhadores que tinha para as horas que nos deixavam estar abertos. Houve dias em que tínhamos que encerrar às 18 horas e, como o bar, é mais virado para noite, não precisava de ter os funcionários que tinha na altura.
Já conseguiu retomar os níveis de actividade que tinha antes da Covid?
É algo que tem vindo a ser retomado gradualmente. Seria bom que já tivéssemos números pré-covid, mas ainda não estamos nesse ponto. Em breve chegaremos lá.
É difícil conciliar a sua vida pessoal com o seu trabalho?
Não é fácil. Às vezes, a vida pessoal entra em conflito com o trabalho. Tem vezes que tenho que abandonar o que estou a fazer para ir para o bar resolver problemas. Sempre disse que, no princípio, ia dar o máximo, o que implica ter que trabalhar todos os dias e quase nunca ter férias. Gosto muito do que faço, mas há dias que me apetecia ficar a descansar um pouco.
Por exemplo, no primeiro mês que tive o bar, trabalhei praticamente sozinho. Só tinha, por opção, duas pessoas ao fim-de-semana para me ajudarem. Não tínhamos um staff completo e tive que procurar quem me pudesse ajudar, ao mesmo tempo que o bar continuava aberto.
Este é um sector onde há muita rotação de pessoal. Em sua opinião, porque é que isto acontece?
Felizmente, isso não acontece comigo, tenho funcionários que são fiéis à casa. Esta rotação existe porque se calhar é uma área que talvez seja mal paga e que tem horários que não são convidativos para quem trabalha. Fisicamente, também é um trabalho puxado.
Que planos tem para o futuro?
Em termos de vida pessoal, gostava de constituir família e de casar, mas tudo a seu tempo. Quando tiver a vida mais estabilizada a nível financeiro, darei esses passos.
No bar estou a tentar fazer algumas melhorias para cativar mais clientes e aumentar a sua afluência. Ainda não penso em expandir, é um passo demasiado grande para mim neste momento.
Quer deixar alguma mensagem?
Gostaria que a restauração fosse uma área a que as pessoas dessem mais valor. O cliente estrangeiro dá mais valor do que o nacional. Provavelmente, com o aumento do turismo, pode ser que se mude um pouco a mentalidade. Era isto que eu gostava que mudasse, que conseguíssemos mudar um pouco a mentalidade que existe no cliente local e nacional.
Frederico Figueiredo