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Hidrófilo ou hidrófobo? Faz toda a diferença…

Quando classificamos uma substância como hidrófila ou hidrófoba referimo-nos ao seu comportamento num meio polar como a água. As duas palavras começam com o prefixo “hidro”, que se refere à água, mas o que as distingue são os sufixos: “filo”, que está relacionado com o conceito de amizade, de interação positiva, e “fobo” que indica medo ou aversão, como na palavra fobia, com a mesma raiz. Para perceber o que é uma substância hidrófila podemos dar o exemplo da sacarose, o vulgar açúcar de mesa, que se dissolve tão bem em água, e quanto a substâncias hidrófobas basta pensar no azeite, que rapidamente se separa da água mesmo depois de uma agitação vigorosa.
Mas o que tem isto a ver com o mundo vivo, nomeadamente com o organismo humano e com a nossa vida? Mais do que pode parecer à primeira vista, porque a água é o “solvente do mundo vivo”. A vida surgiu e evoluiu na água, e mesmo depois de saírem dos oceanos, os nossos antepassados conseguiram uma maneira de transportar pequenos reservatórios de água dentro das células, protegidos por membranas com uma zona hidrófoba. Desde as bactérias até às células com uma estrutura mais complexa, como as das plantas e animais, todas as células têm uma membrana celular com um interior hidrófobo, que separa o seu meio interior do meio exterior, como se pode ver na figura. Esta membrana é formada por duas camadas de lípidos com uma parte hidrófila e outra hidrófoba, e que se organizam de maneira que as sua partes hidrófilas estão em contacto com os meios aquosos dentro e fora da célula, enquanto as partes hidrófobas “fogem” da água. Esta zona hidrófoba central não deixa passar nada que seja hidrófilo, de modo que substâncias hidrófilas precisam de canais ou de transportadores para entrar ou sair da célula. Já agora, estes lípidos com uma parte hidrófila e outra hidrófoba designam-se “anfipáticos”, ou seja, têm dois amores como na canção do Marco Paulo – uma parte da molécula “gosta” de água, enquanto a outra parte “detesta” a água e se dá melhor com substâncias hidrófobas como ela.
O meio interior duma célula, mais ou menos complexo, é constituído por água na qual estão dissolvidas ou suspendidas as moléculas indispensáveis à vida, tais como os hidratos de carbono, as proteínas e os nucleótidos. Os lípidos ou gorduras, como são hidrófobos, agrupam-se de modo a “fugir” da água – por exemplo, no caso dos adipócitos, que é onde acumulamos reservas de lípidos, podemos ver ao microscópio uma gotícula de gordura que ocupa a maior parte da célula, como se pode ver na imagem.
Esta divisão entre “amigos” e “inimigos” da água aplica-se a muitas substâncias, como as vitaminas de que tanto precisamos. Efetivamente, estas dividem-se em vitaminas hidrossolúveis ou hidrófilas (vitamina C e vitaminas do complexo B) e vitaminas lipossolúveis ou hidrófobas (vitaminas A, D, E e K). As vitaminas hidrossolúveis são facilmente eliminadas na urina e por isso temos de as ingerir mais frequentemente. Já as vitaminas lipossolúveis acumulam-se nas nossas reservas de gordura e portanto duram mais tempo – mas precisamente porque se acumulam é que podem ser tóxicas quando as ingerimos em excesso, o que em geral só acontece se houver uma suplementação destas vitaminas para além do necessário.
Os poluentes hidrófobos têm a capacidade de se bioacumular nas cadeias alimentares, precisamente porque vão ficando armazenados nos tecidos gordos dos animais e não são facilmente eliminados. Por exemplo, se um peixe viver muito tempo num lago com sedimentos contaminados por um poluente hidrófobo, alimentando-se de algas e animais que vivem no fundo, vai acumulando e concentrando cada vez mais esse poluente. E o pescador desprevenido que o apanhe e leve para casa para o almoço pode ficar sujeito a uma dose tóxica desse mesmo poluente sem o saber.
Portanto esta característica de ser hidrófilo ou hidrófobo tem grandes consequências, não só as que referimos, mas muitas mais, contribuindo nomeadamente para a correta estrutura de proteínas de grande importância
Vamos terminar com uma curiosidade: é frequente vermos “hidrofílico” em vez de “hidrófilo” e “hidrofóbico” em vez de “hidrófobo”, versões menos corretas destas palavras que se devem a traduções destes termos do inglês, ou seja, de “hydrophilic” e hydrophobic”.

Maria do Carmo Barreto
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade
dos Açores
maria.cr.barreto@uac.pt

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