O relógio batia as 5h30 da manhã quando o rancho de romeiros dos Fenais da Ajuda, acompanhado por três picoenses, se fez à estrada para cumprir a romaria definida entre a Igreja de Santa Cruz das Ribeiras e o Santuário do Senhor Bom Jesus Milagroso.
“Inspirados nesta imagem de Jesus crucificado partamos ao encontro do Jesus misericordioso no Santuário e que Ele seja a pedra angular da nossa vida, da nossa comunidade e da nossa romaria” desafiava o padre João António Bettencourt das Neves que é o ouvidor da ilha, presidiu à missa da saída e integrou o rancho como guia, esta manhã na breve reflexão que fez sobre a Palavra de Deus. E prosseguiu: ” vamos dar-Lhe o lugar que ele merece na nossa vida, que às vezes O maltrata ou O esquece”.
Os romeiros dos Fenais da Ajuda iniciaram a romaria na Igreja de Santa Cruz das Ribeiras onde no altar-mor está Jesus crucificado e rezarão em mais 14 igrejas e ermidas, das mais antigas da ilha pois o percurso definido integra justamente a parte da ilha que correspondeu ao primeiro povoamento. De resto, uma das paragens será na ermida de Nossa Senhora do Socorro, a mais velha da ilha montanha. Esta pequena ermida situa-se nas Ribeiras, tem uma planta rectangular, do século XV/XVII e encontra-se em razoável estado de conservação. De acordo com a tradição, esta ermida é a mais antiga da freguesia (1590) e terá sido uma das primeiras da ilha, possivelmente a primeira ou segunda.
“Pode ser que um dia até possamos dar a volta à ilha e que as romarias comecem a ser tradição também no Pico” afirmou o sacerdote que já completou seis romarias em São Miguel, no rancho da Ponta Garça (ouvidoria de Vila Franca do Campo) e talvez por isso sublinhe que “historicamente” a “verdadeira romaria é em São Miguel, embora noutras ilhas já se façam com o mesmo espírito como as ilhas Terceira, São Jorge e Graciosa. Quem sabe se também se realizará no Pico”, precisou.
“Está tudo preparado”
“É um oportunidade muito importante que nunca tínhamos tido” refere o mestre, João António, que saiu pela primeira vez de São Miguel no passado dia 3 de Dezembro para “perceber os caminhos” que tinha de percorrer com o seu rancho, no Pico
Quando ontem forem seis da manhã, depois da missa da saída na Igreja de Santa Cruz das Ribeiras, e ao som das primeiras Avé-marias, com uma toada que os picoenses não estarão acostumados a ouvir, os 22 romeiros dos Fenais da Ajuda, da ilha de São Miguel, acompanhados de três picoenses, dois deles sacerdotes, percorrerão a distância entre a paróquia de Santa Cruz e o Santuário do Senhor Bom Jesus Milagroso, em São Mateus, com paragem agendada em 15 igrejas ao longo do caminho.
“Está tudo planeado e eu vim cá com o padre Francisco Rodrigues em Dezembro” adiantou ao Sítio Igreja Açores João António, mestre do rancho há oito anos, mas com 30 romarias completas a fervilhar na alma e, a de amanhã, “sendo diferente não deixará de nos tocar a todos”.
“É uma coisa muito importante, que nunca tivemos e nunca vimos. A primeira vez que saí de São Miguel durante a minha vida toda foi em dezembro quando vim ao Faial e ao Pico para marcar o caminho que teremos de fazer”, porque ir para a estrada sem conhecer o caminho não é coisa de romeiro.
“Temos de ver tudo antes e planear” assegura com a certeza de que não há de ser nem a distância nem a geografia a ditar o rumo e o sucesso da romaria.
“Há de ser o que Deus quiser porque Ele é que manda” diz com uma convicção tal que até a sala onde o rancho esteve esta tarde, cheia de alunos, – o auditório da Escola Básica e Secundária das Lajes- ficou petrificada, num silêncio absoluto a ver o filme que os romeiros trouxeram para se dar a conhecer.
O trabalho foi “de um jovem irmão do rancho que é perito nestas coisas do audiovisual” explicou o padre Francisco Rodrigues. Foi professor nesta escola e agora está em São Miguel na paróquia dos Fenais da Ajuda. Assiste ao grupo e desde a última romaria que prometeu empenho e trabalho para trazer o Rancho ao Pico.
Misto de oração e cultura
“Esta estadia vai ser um misto de oração e cultura: há uma parte social de conhecimento da ilha e das suas tradições e há uma parte espiritual que é a que decorre da romaria e que os irmãos romeiros podem mostrar aos locais” refere em declarações ao sítio Igreja Açores.
“Desejamos que eles conheçam a ilha do Pico: momentos culturais e o convívio com os irmãos que cá vivem, nomeadamente com o folclore de São Caetano transmitindo um pouco da cultura e da história para que conheçam as chamarritas e ensinem, por seu lado, o simbolismo de um xaile às costas, com um bordão e um terço na mão”, refere o sacerdote.
“ Na simplicidade de ser romeiro vamos rezar por aqueles que aqui vivem e nos confiam as suas orações sofridas; será um dia grande com muitas emoções, vivências e partilhas” assegura o padre Francisco Rodrigues que este ano já integrou a romaria do rancho de São pedro, um dos primeiros 11 a sair nesta Quaresma.
“A romaria é um dom de Deus, pois como diz o Evangelho dai de graça o que receberdes de graça´…Este espírito de gratuidade acompanha-nos sempre, por isso o tema que vamos rezar enquanto percorremos a romaria no Pico é o dom”. “Temos todos de perceber que a iniciativa é de Deus e precisamos de reconhecer que a vinda ao Pico é um dom”, enfatiza. “Abramo-nos à graça de Deus e deixemos que ele nos trabalhe” pediu o padre Francisco Rodrigues aos romeiros já na vigília ao principio da noite, na Igreja de Santa Margarida da Escócia, hoje conhecido como o lugar da Terra do Pão. “Esta romaria já está a ser uma festa. Estamos a ser gentilmente recebidos por gente simples mas de coração aberto” disse ainda o sacerdote na vigília que funcionou como “uma espécie” de pré romaria. E o
aquecimento´ foi mesmo a partir da parábola do filho pródigo.
“Viram como aquele pai perdoou ao filho mais novo e a dificuldade que o irmão mais velho teve em processar tudo? Assim somos nós: temos de nos deixar contagiar pelo amor de Deus para depois sermos capazes de perdoar aos irmãos” rematou o padre Francisco Rodrigues tão entusiasmado como os restantes romeiros que nunca deixaram de testemunhar, nos vários momentos que viveram neste primeiro dia no sopé da majestosa montanha do Pico, o lugar onde o lugar se atreve a pensar que pode tocar o Céu e converter-se.
“Ser romeiro é ser mendigo do perdão: em vez de um Deus castigador percebermos que temos um Deus que perdoa; um Deus que não quer a morte do Homem mas sim restituir-lhe a vida, uma vida plena, fora do pecado”, disse ainda.
Para o irmão João, um testemunho vivo durante a vigília, a romaria primeiro foi uma experiência hoje “é um momento que dá sentido ao resto da vida”, disse mesmo quando o nervoso se apoderou da garganta e “teve uma branca”.
“Apanhou água por todos os lados”
“Desculpem, estou nervoso mas quero agradecer esta possibilidade de estar aqui” prosseguiu lembrando o primeiro ano em que saiu com os mais velhos e “apanhou água por todos os lados. Chovia, chovia e às tantas perguntei-me o que é que estava a ali a fazer, com 13 anos, a andar a pé e à chuva… Na verdade cá continuo” disse ainda.
“Choca ouvir as partilhas mas somos todos irmãos e todos queremos chegar ao fim” diz, por seu lado o Mestre do rancho. “Até o senhor padre quando despe essas roupas (paramentos) é um irmão igual à nós”.
O rancho dos Fenais da Ajuda saiu ontem de madrugada para a estrada. Um dos irmãos guias é do Pico e já fez seis romarias em São Miguel. Os padres João António e Luís Dutra integram esta caminhada que será feita de acordo com as regras da Romaria quaresmal de São Miguel. Já hoje se rezaram as intenções do bispo pela paz na Ucrânia e na Rússia; pela paz em Gaza; pela união da diocese, pelos jovens e pelos velhos, pelos desempregados e pelos empregados.
“Nós estamos em união com o senhor Bispo. As intenções dele por esta nossa diocese e pela sua unidade fazem parte da nossa oração”, asseguram ainda.
Esta primeira romaria tem lugar esta sexta-feira e os romeiros são esperados às 19h00 no Santuário do Senhor Bom Jesus, em São Mateus, onde será celebrada uma eucaristia. IA