“Ser um povo pressupõe,
acima de tudo, uma atitude
ética que brota da liberdade.”
Durante o período em que fui Secretário do Turismo e Cultura tive o privilégio de ter duas diretoras excecionais, cujas ações que desenvolveram, nos seus cargos, muito contribuíram para uma Madeira mais aberta; mais universal.
Na cultura esteve a Escultora Manuela Aranha, uma madeirense que teve sempre à frente do seu tempo: foi a primeira mulher a atravessar as ruas do Funchal em bicicleta; foi a primeira a usar a vespa como meio de transporte; foi a atleta do C. D. Nacional, onde se evidenciou como nadadora. Ela dirigia o Centro da Juventude quando a convidei para a Direção dos Assuntos Culturais. Conhecia bem o trabalho que desenvolvia na referida Instituição. Um trabalho que atestava do seu espírito criativo e competência e, ainda, um acentuado interesse pelos assuntos culturais: a leitura, a música e os espetáculos. Tinha sido criada a nova Secretaria do Turismo, Cultura e Emigração, do Governo do Presidente Alberto João Jardim, da qual a população esperava uma grande dinâmica, inovação e criatividade. Uma Secretaria que juntava três áreas humanas interligadas nas suas filosofias. Portanto, a Escultora Manuela Aranha tinha o perfil adequado para elaborar, na área da Cultura, os programas propostos. Os nossos grandes objetivos eram dirigidos à população, por isso requeriam uma atenção especial.
“Ser um povo pressupõe,
acima de tudo, uma atitude
ética que brota da liberdade.”
Nós estávamos conscientes disso e mais: só com a liberdade o povo madeirense teria criatividade. Mais do que o conhecimento, era a imaginação que devíamos ter em mente, e nos programas estava bem subjacente este objetivo, aliado à valorização e elevação dos madeirenses, durante séculos, como os açorianos, secundarizados pelos governos de Lisboa.
Com a passagem à reforma do diretor João Borges, a quem a Madeira e o seu turismo muito devem, pelo desempenho do seu cargo, tendo feito um trabalho notável, numa relação de amizade e simpatia com os diretores dos Centros de Turismo de Portugal e Tour-Operators, conscientes do que isso representava para a conquista de novos mercados. Ele foi um verdadeiro Embaixador da Madeira. Era necessário encontrar uma pessoa que tivesse o perfil para ocupar a vaga por ele deixada. Em cima da minha secretária tinha quatro nomes com recomendações, às quais não dei atenção. Quando estava preocupado com a nomeação de um novo diretor, recebi um telefonema do jornalista Filipe Malheiro, dizendo-me: saiu agora da Assembleia a Dra. Conceição Estudante, licenciada em direito, talvez seja a pessoa que procuras para diretora. Ela tinha sido administradora do Hospital, onde deixou a marca da sua competência e honestidade. Dali passou para o Hotel Savoy, onde, uma vez mais, se evidenciou pelo trabalho realizado. Pensei: nada acontece por acaso! Pedi-lhe, gentilmente, que viesse ao meu gabinete, pois gostaria de conversar com ela. Para além de ser uma mulher bonita, ela reunia as qualidades necessárias para ser uma boa diretora. Assim veio a se verificar. Quando a convidei recordo de lhe ter dito, não nos encontrámos por acaso: há forças que nos aproximaram. Ela respondeu-me: dê-me dois dias para pensar. Dois dias depois havia já uma diretora, para um lugar tão cobiçado. Em completa consonância, constituímos um trio (o Secretário e as duas Diretoras) que incumbido de uma missão nobre e gratificante, porquanto se tratava de um trabalho dirigido a uma população à qual pertencia, conhecia os seus inúmeros problemas, sobretudo a necessidade de uma abertura de uma mentalidade muito fechada e preconceituosa.
A Escultora Manuela Aranha e a Dra. Conceição Estudante tinham entre elas afinidades: eram criativas, eficientes, dinâmicas (não sofriam de preguiça mental) e sobretudo amavam a Madeira: tinham orgulho de serem madeirenses. Talvez aqui tenha residido o grande êxito das suas missões. O amor estava presente em todos os atos. Passados os dezassete anos do dia em que deixei as minhas funções de Secretário do Turismo e Cultura, vejo na distância do tempo, quanto importante elas foram, para o sucesso das minhas iniciativas, as suas colaborações preciosas e imprescindíveis (de quem depois fiquei amigo para sempre). Aceitavam as minhas “loucuras benditas”, porque sabiam que elas visavam a valorização e dignificação da população durante anos esquecida e com promessas irrealizáveis.
Tínhamos (Secretário e diretoras) que aproveitar os ventos da autonomia, um direito tão acerrimamente defendido pelo grande líder Alberto João Jardim, que confiava no empenho do referido Trio.
Relevo a honestidade e um forte espírito de solidariedade que as caracterizavam. Outro aspeto que nos unia era o respeito pelos outros e o desejo de que eles pudessem exprimir livremente as suas ideias. Dar-lhes a oportunidade de criarem; de acreditarem nas suas inúmeras capacidades; dizer-lhes do desejo de uma sociedade que fosse socialmente mais justa e a necessidade de uma informação honesta e exaustiva. Tudo isto estava subjacente nas nossas ações, durante anos e procuramos, dentro das possibilidades, realizá-las. Geralmente, diz-se que a memória é curta. Felizmente que, apesar dos meus 89 anos, não sofro, ainda, de esquecimento crónico e por isso, quando vejo o desenvolvimento da ilha, penso que é justo recordar que o sucesso da Madeira de hoje está assente nos alicerces criados pelo Presidente Alberto João Jardim e dos seus colaboradores. Nesses estão estas duas grandes madeirenses que deram muito das suas vidas, a um trabalho árduo, mas humanamente enriquecedor.
A Escultora Manuela Aranha reformou-se, não porque estivesse cansada, mas por imposição de idade, hoje com mais de 90 anos de idade desfruta da vida, nadando na “sua ilha” de eleição, o Porto Santo, e, de quando em quando, joga ao ténis e ao golfe para matar saudades… Continua frontal e atenta aos problemas do ambiente que sempre defendeu.
Quando o Vice-Presidente do Governo, Cunha e Silva, no momento da minha despedida, perguntou quem era a pessoa que eu achava que deveria ser Secretário do Turismo e Cultura, respondi-lhe: uma mulher. Ninguém melhor do que a Dra. Conceição Estudante. É sensível e conhece bem os problemas inerentes ao Turismo e Cultura. Ela era na altura Secretária dos Assuntos Sociais. Tinha experiência de governação. E, na realidade, expandiu o Turismo e teve na Cultura iniciativas que enriqueceram o panorama cultural madeirense. Fê-lo com inteligência, amor e competência.
Queridas amigas, esta é a minha homenagem, passados dezassete anos, é a minha gratidão por tudo o que fizestes pela nossa terra. Nós sempre sobrepusemos o otimismo da vontade ao pessimismo da razão, assim fizemos o nosso percurso. Foi uma caminhada verdadeira de Felicidade.
Hoje retirada da vida profissional, a Dra. Conceição Estudante faz uma vida discreta. A leitura continua a ser seu hobby preferido, assim como as viagens. Conserva os seus amigos de sempre.
João Carlos Abreu