Os Açores são um arquipélago isolado formado por ilhas vulcânicas e que contém uma biodiversidade única. As alterações de habitat induzidas pelo homem foram de importância avassaladora na moldagem dos ecossistemas açorianos nos últimos 600 anos de ocupação humana. Hoje em dia, a vegetação nativa é encontrada principalmente acima dos 500 metros de altitude e a maior parte das florestas remanescentes são florestas húmidas de altitude, com maior área nas ilhas Terceira, Pico e Flores.
A fauna e flora terrestre dos Açores constituída por cerca de 6500 espécies, das quais cerca de 450 são endémicas (i.e., únicas dos Açores), estando a enfrentar crescentes pressões devido a diversos impulsionadores de mudanças globais, tais como o aumento das temperaturas, mudanças nos padrões de precipitação e a introdução de espécies invasoras.
A investigação mais recente sobre as alterações climáticas nos Açores indicam que todas as ilhas açorianas perderam precipitação abaixo dos 500 metros nos últimos vinte anos. O número de verões secos também está aumentando com impactos em todas as altitudes, mas principalmente em altitudes mais baixas. Além disso, apesar de não haver mudanças na precipitação total, há uma concentração marcada de pluviometria em períodos mais curtos. As expectativas para as próximas décadas são a intensificação dessas mudanças, que tenderão a ser mais importantes também em altitudes elevadas, e em particular em ilhas com poucos remanescentes de vegetação nativa (ilhas do Corvo, Graciosa e Santa Maria).
O impacto do aumento da temperatura e das alterações nos padrões de precipitação afetadiretamente a distribuição e a abundância das espécies nativas, podendo levar a uma redução dramática das condições ideais dos ecossistemas naturais. Além disso, a presença de espécies invasoras exerce uma pressão adicional sobre as comunidades nativas, competindo por recursos e alterando os padrões de interação ecológica.
Esses efeitos combinados podem vir a levar a um processo contínuo de extinção de algumas espécies endémicas. Para mitigar essas ameaças e promover a conservação da biodiversidade nos Açores, é essencial compreender as mudanças na abundância e na amplitude de distribuição das espécies afetadas. Embora uma estratégia de monitorização das condições dos habitats naturais a longo prazo já esteja em vigor nos Açores para alguns grupos taxonómicos e ilhas, a implementação de um “Esquema Global de Monitorização” seria fundamental para fornecer uma abordagem coordenada e abrangente para avaliar e responder às mudanças nos ecossistemas dos Açores.
Neste sentido os investigadores da Universidade dos Açores tem estado activamente envolvidos no MAPEAMENTO DA BIODIVERSIDADE através do AZORESBIOPORTAL (https://azoresbioportal.uac.pt/). Nesta E-Infraestrutura regional, integrada no LIFE-WatchEurope, foi revitalizada através de uma iniciativa financiada pelo FEDER para Infraestruturas Portuguesas. Sob a liderança de Paulo Borges e Rosalina Gabriel, com a participação de muitos investigadores do Grupo da Biodiversidade dos Açores e do CIBIO-Açores, foi realizada com sucesso uma revisão minuciosa das informações sobre as 11.479 espécies terrestres e marinhas. Esse esforço resultou na compilação de quase 2 milhões de registros de distribuição e 15.000 imagens de várias espécies. Todos esses dados foram integrados na Plataforma Internacional de gestão de dados de biodiversidade GBIF, contribuindo significativamente para o conhecimento científico e documentação da rica biodiversidade dos Açores e potencial avaliação futura dos impactos dos fatores de degradação da biodiversidade.
Muito importante foi a recente avaliação para a Lista Vermelha da IUCN de aproximadamente 550 espécies de briófitas, 70 espécies de fetos e 236 artrópodes endémicos. Estas avaliações da IUCN permitiram a aprovação do primeiro projeto LIFE para invertebrados em Portugal (Açores), o LIFE-BEETLES (https://www.lifebeetlesazores.com) gerido pelo Governo Regional dos Açores.
O projeto LIFE BEETLES (LIFE 18 NAT/PT/000864) é uma iniciativa de conservação da natureza, co-financiada em 55% pela União Europeia. Ele é coordenado pela Secretaria Regional do Ambiente e Alterações Climáticas, em parceria com a Direção Regional do Ambiente e Alterações Climáticas, e tem um investimento total de 1,76 milhões de euros ao longo de 5 anos (de janeiro de 2020 a dezembro de 2024). Neste projeto, investigadores da Univ. dos Açores (Grupo da Biodiversiadde dos Açores) está a ser realizada uma monitorização do estado da qualidade dos Habitats naturais dos Açores e que tem como objectivo final aumentar o tamanho das populações, a área de distribuição e o status de conservação de três espécies de escaravelhos endémicos: o Tarphiusfloresensis (escaravelho-cascudo-da-mata) na ilha das Flores, o Pseudanchomenusaptinoides (laurocho) na Ilha do Pico e o Trechusterrabravensis (carocho-da-terra-brava) na Ilha Terceira.
Em sumário, os estabelecimentos de ações adequadas de conservação precisam ser baseados em dados adequados sobre a distribuição, abundância e biologia das espécies e características do habitat pretendidas para preservar. Um passo importante para projetar e implementar estratégias de conservação que mitiguem os atuais impactos das alterações globais é ter um conhecimento profundo das mudanças na abundância e no tamanho da área de ocorrência, seja por contração ou expansão. Uma estratégia de monitorização de longo prazo já está em vigor nos Açores, e constitui uma ferramenta de apoio à decisão muito importante para a conservação da biodiversidade dos Açores.
Paulo A. V. Borges