O mote era a mensagem do Papa Francisco para a Quaresma – ‘Através do deserto, Deus guia-nos para a liberdade’ – mas a Conversa na Sacristia foi feita ao jeito de um testemunho quase vocacional, na Igreja de São José em Ponta Delgada, de quem anda à procura de Deus, numa espécie de indigência atropelada pela vida e os seus acontecimentos.
“Não sou uma pessoa religiosa. Sou culturalmente católica mas nunca senti aquela fé que muitos dizem ter. O meu Deus é muito interior”, afirmou Dulce Bradford no início da conversa como que uma espécie de declaração de interesses para balizar um fim de tarde onde o amor e a gratidão se conjugam na relação com o transcendente.
A jornalista, que apresentou os retalhos de uma vida de perdas e graças, falou das suas dores e das dores da humanidade para sublinhar a importância de um trabalho interior, no silêncio do coração, como uma cura que aproxima o humano do transcendente.
“Sempre acreditei que havia algo transcendente na vida; uns chamam Deus outros outra coisa. Não sei se o meu Deus é o mesmo que o vosso, mas a dado momento, quando tudo desabou, sentimos que ele nos tinha abandonado” afirmou.
Hoje, “procurando lamber as feridas das perdas”, compara a dor a um parto.
“Qualquer dor deve ser encarada como um parto e depois de uma dor, temos de esperar que alguma coisa de bom terá de vir, não podemos é cair na indiferença que a globalização nos traz” afirmou.
“Andamos tão imbuídos das nossas dores que não conseguimos ver as dores dos outros. Será que olhamos para o lado e conseguimos sair da bolha; não nos preocuparemos com coisas demasiado triviais e esquecemos tudo e todos os que estão à nossa volta?” interpelou desviando por breves momentos a dor da perda que sentiu, quando a madrinha, os pais e depois o marido morreram.
“Eu não posso nem consigo fazer nada em relação aos conflitos, já nem consigo ver imagens, mas conseguirei certamente olhar para os outros que me são próximos, como outros olharam para mim quando deles precisei” afirmou ainda.
“São quatro anos e meio de dor, e entretanto reconciliei-me com esse meu Deus e peço-lhe força para prosseguir em frente e agradeço-lhe o que ele me tem dado: puder contar com o apoio da minha querida família e de tantos amigos que me ajudaram e passaram a ser a minha família de coração, que trazem o bem às nossas vidas” enumerou apelando à parábola do semeador para tentar encontrar a explicação para aquilo que diz ser a sua fé, que “nunca foi igual” à que vê noutras pessoas, como naqueles jovens que com ela subiram à montanha do Pico em Julho, juntamente com o Bispo.
“Emocionou-me até” confessou ao sublinhar a importância de um caminho de busca, sempre aberto à graça, mesmo “com dúvidas, interrogações e muitas zangas” com Deus.
“Antes de nos virarmos para fora temos de olhar para dentro e ver de que solos somos feitos, se é preciso revirar a terra e ver se há solo bom para que a semente germine e depois há que separar o trigo do joio e livrarmo-nos tanto quanto possível do que não é bom”.
“Quem sabe um dia recomeçarei como naquele poema das pegadas na areia: Senhor quando mais precisei tu abandonaste-me e Ele responde: as pegadas que vês na areia são minhas quando te carreguei. Assim vou procurando fazer, semeando a paz, a alegria e o amor no coração dos meus filhos”, concluiu afirmando, ainda que “Falo muito com Deus, partilho dúvidas e aflições; é uma coisa muito íntima”. IA