Durante a recente campanha para a eleição de deputados para o Parlamento Açoreano, foi várias vezes proclamado, por algumas candidaturas, que para se deixar de ser pobre era preciso trabalhar.
Ou como “alguém” em tempos afirmava, que “o trabalho liberta”.
Tão convicto estava de tal ideia que mandou afixar tal anúncio em diversos “campos de trabalho”, onde se concentravam os seres humanos mais desprezíveis, numa sociedade de cidadãos de bem, e eficazes trabalhadores duma raça superior.
Nos primeiros séculos do povoamento as gentes que para os Açores imigravam eram obrigadas a entregar parte das colheitas das terras que trabalhavam, aos representantes dos “senhores da terra”.
Nestas condições, muito dificilmente poderiam sair da condição de pobres, embora trabalhassem de sol a sol.
Alguns cronistas, com alguma ironia, chegaram a escrever que “ se pagava para trabalhar e continuar a ser pobre”.
Sempre de canga ao pescoço e sacho na mão.
A solução era emigrar.
Ao longo dos séculos, os Açoreanos têm sido migrantes.
As principais vagas emigratórias ocorreram nos séculos XIX e XX, quando muitos Açoreanos emigraram para países como Estados Unidos, Canadá e Brasil em busca de melhores condições de vida e para se libertarem do famigerado ciclo da pobreza.
Muitas chegavam a aceitar tal circunstância como uma condição de vida. Tanto assim era que tal situação se foi normalizando.
Essa migração em massa, conhecida como “Grande Emigração”, teve um impacto profundo na demografia e na cultura dos Açores.
Muitos emigrantes alcançaram sucesso. Trabalhar e estudar. Perseverança e esperança. Vontade e inteligência. Foram qualidades sempre presentes no quotidiano destes concidadãos.
Contudo, nem todos foram bem sucedidos, embora melhorassem, e muito, as suas condições de vida quando comparadas com as que tinham nos Açores.
Ousaram e pouparam. Empreenderam sem oprimirem.
Caíram e levantaram-se. Renunciaram a uma vida melhor no imediato, para que os seus viessem a ter um futuro promissor.
O Brasil esperava-os. Século XVIII. Para lá foram os “Casais Açoreanos”.
Hoje tão celebrados em Santa Catarina. Raízes plantaram, com sangue e muito trabalho.
Para lá do Estreito, onde marinheiros de Magalhães passaram, mais tarde, foram açorianos que o ultrapassaram, em busca de novos ventos, talvez atraídos pela lava dum qualquer outro vulcão.
Ao Havai chegaram.
Durante essas longas viagens, milhares não chegaram ao destino.
É com orgulho que passados tantos anos, os descendentes as suas raízes Açoreanas recordam.
Os apelidos mantiveram, como fossem condecorações de honra.
Mas nem sempre foi assim, muitos para fugirem a segregações dos que se consideravam de raça superior, tiveram de adaptar as suas identidades.
Apesar de saberem que os seus antepassados sofreram segregações e marginalizações, acolhem com enorme humanidade os que hoje, em 2024, rumam aos Açores buscando novos horizontes para as suas vidas.
Fogem da fome, de perseguições religiosas e étnicas ou de sistemas de governo ditatoriais…
Contudo, não obstante o historial do fenómeno migratório desta dimensão, é com alguma perplexidade, que se tem vindo a assistir, às reservas colocadas por algumas personagens dos Açores, à vinda de imigrantes.
Têm chegado ao extremo de acompanharem o discurso anti-imigração, acrescentando às respectivas teses a “Teoria da Substituição”, tão em voga na Europa e na América.
Os defensores desta teoria (muito semelhante à propagandeada pelo nazismo) alegam que as altas taxas de imigração, especialmente de grupos com cultura e origens diferentes, podem conduzir a mudanças demográficas significativas, colocando em risco a perseveração da identidade cultural e das tradições dos Açores.
Trata-se dum argumento baseado em suposições erradas, generalizações simplistas e preconceituosas.
Para além de exagerarem nas taxas de imigração, subestimam a capacidade da sociedade Açoreana em assimilar e absorver imigrantes.
Além disso, existem evidências que a imigração trará benefícios económicos, culturais e sociais.
Em nenhum momento se pode acreditar, que descendentes dos emigrantes Açoreanos, aceitem ou apoiem, quem nos seus países, tomem posições persecutórias e racistas, ou os confundem com terroristas ou narcotraficantes, os que apenas procuram, tal como os seus pais e avós, uma nova oportunidade.
Que saibamos todos honrar a memória dos nossos emigrantes. Não se resignavam e lutavam.
Seremos Povo, Povo dos Açores!
Se ao menos voltarmos a ser paladinos dum novo amanhecer de esperança, aqui nesta terra, neste mar e neste espaço, que nossos serão, se soubermos merecer as raízes desses bravos e heróicos Açoreanos.
Açores sempre serão, se democracia e prosperidade subsistirem!
Para isso, afastar a normalização das desigualdades, terá de ser objectivo, primeiro!
António Benjamim