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“A Justiça nos Açores, nos últimos anos, está claramente melhor do que o que estava antes”,afirma a advogada Rute Machado

Rute Machado lançou-se por conta própria depois de oito anos numa sociedade de advogados com prestígio em São Miguel. Passados dois anos de ter dado este passo, assume que não se arrepende de o ter feito. “Sempre transformei as diferenças que podia ter em vantagens e aqui estou eu, dois anos depois. Com escritório aberto, com o meu nome, que é a minha imagem. Com reconhecimento por parte dos clientes e feliz a fazer o que faço. Não me arrependo da decisão que tomei e a partir de agora é manter e, eventualmente, crescer no futuro”, afirma. Realça que, nos Açores, “há espaço para mais advogados” mas adverte: “a advocacia não é a mesma de há 20 ou 30 anos”.

Correio dos Açores – Como tem sido o seu percurso de vida?
Rute Machado (Advogada) – O meu percurso foi o normal de qualquer jovem. Estudei no ensino regular até ao 12º ano e depois segui para o ensino superior. Na escola, sempre fui boa aluna e sempre interagi muito bem com os meus colegas. Com excepção de apenas um ano lectivo, sempre fui eleita para ser a delegada de turma e isto já denotava em mim uma certa característica para a justiça, para resolver, enfrentar e dar a cara por alguns problemas que os meus colegas achavam prementes. Isto é algo que já vem desde pequena, sempre fui muito obstinada, determinada e, muito defensora daquelas que eram as minhas convicções. Sempre deixei isso muito definido e, de forma até ingénua, achava que, por vivermos em democracia se podia dizer as coisas com toda a sinceridade. Hoje, já com outra idade, e com outra experiência, percebo que as coisas não são assim.
Ao entrar no 10º ano, fui para a área das Humanidades porque queria seguir Comunicação Social e ser jornalista. Entretanto, mudaram-se os planos, um pouco por influência de um professor do secundário, que disse que achava que teria o perfil para seguir a área de Direito.
Segui este conselho, mas pensando que, se mais tarde quisesse voltar à ideia inicial de tirar jornalismo, que teria uma porta aberta. Entrei na Faculdade de Direito de Lisboa, mais conhecida por Faculdade Clássica de Lisboa, e fui em busca do meu sonho, como tantos outros açorianos já o tinham feito antes de mim. Enfrentei os desafios normais de quem não é da capital, embora não tenha tido dificuldades de adaptação. Chegar a uma universidade é sempre um choque de realidade, porque ninguém está preparado para o tipo de ensino que é dado e para a forma como os professores tratam os alunos, sempre como adultos. Felizmente, temos boas escolas públicas nos Açores, com bons professores que nos preparam bem para os exames, mas a entrada na universidade é sempre um choque. No secundário somos sempre tratados como jovens e como as turmas são mais pequenas acabamos por criar uma relação de proximidade com os professores. Quando entras para a universidade somos só mais um. Não há tratamento especial para ninguém.
Fiz o curso no tempo certo, e fui muito feliz quer na faculdade, quer com as pessoas que fui conhecendo. Nunca me acanhei por ser açoriana. Para mim, ter sotaque micaelense nunca foi uma desvantagem, acho que tive a capacidade de usar isto como uma vantagem e tornar-me diferente dos meus colegas. Isto permitiu-me ganhar algum respeito entre os meus colegas. Decidi depois fazer o mestrado em Ciências Jurídico-Forenses também na Faculdade de Direito de Lisboa. Ainda pensei concorrer para o CEJ (Centro de Estudos Judiciários), para a carreira de magistratura, mas como fiz um estágio, durante um ano, no Tribunal Central de Instrução Criminal, tendo como orientador o Juiz, Dr. Carlos Alexandre, permitiu-me compreender como funcionam os tribunais e quais as suas relações com os advogados. Percebi que só com a licenciatura e mestrado faltava-me arcaboiço e experiência que é preciso ter, de ‘Barra’ de Tribunal e interacção com as pessoas, que são essenciais para se ser um bom juiz. Optei por não concorrer e fiz o estágio em advocacia.
“A pós-graduação na Universidade
dos Açores é uma mais-valia”

A pós-graduação que a Universidade dos Açores terá em Ciências Jurídico-Forenses é uma mais-valia?
Sim, acho que é uma mais-valia especialmente porque não é só dirigido aos alunos de Direito. Outros estudantes de outros cursos podem também tirar esta pós-graduação. É muito interessante e é uma boa iniciativa da Universidade dos Açores, em parceria com o Governo dos Açores e a Faculdade de Direito.

Seria benéfico abrir o curso de Direito na Universidade dos Açores?
Tenho algumas dúvidas. A Universidade dos Açores tem bons cursos, que já estão sedimentados, ou seja, já estão há muito tempo a ser leccionados, com professores de renome. Mas, na minha opinião, será difícil a Universidade dos Açores concorrer com as grandes universidades que preparam, efectivamente, desde há muitos anos os alunos de Direito, como por exemplo as universidades de Lisboa, de Coimbra e agora do Minho e do Porto. Todas estas universidades já estão estabelecidas e será complicado para a Universidade dos Açores. Acho que estas iniciativas, como pós-graduações, são importantes. A licenciatura pode ser um passo a ser dado no futuro, mas que, por enquanto, não faz muito sentido. Não deverá ser uma das opções para os Açores. Acho que, a médio prazo, isto não seria viável.

Na pós-graduação que será dada na UAc, 9 dos 10 docentes serão da Universidade de Direito…
Isto depois implica deslocações dos docentes para cá, embora depois da pandemia tenham surgido as aulas remotas.
Se for numa pós-graduação ou numa pequena formação, as aulas online, dadas à distância, podem funcionar. Agora, uma licenciatura feita toda neste registo, na minha opinião, não ia funcionar.
Continuo a entender que, no ensino, é muito importante o contacto pessoal dos professores com os alunos. É muito importante essa relação de proximidade e não tenho dúvidas que se aprende muito melhor estando num regime presencial do que no on-line.

Foi difícil tomar a decisão de abrir um escritório por conta própria?
Não foi difícil porque foi uma decisão rápida. Acho que, quando tomamos uma decisão rapidamente e por impulso, nem temos tempo de pensar nos riscos que vamos ter. Sempre achei que dificilmente iria ficar muito tempo no mesmo sítio. Quando cheguei cá fiz o meu estágio numa sociedade de advogados muito boa; na Sociedade Borges da Ponte, Linhares Dias e Associados, RL; onde fiquei 8 anos e alguns meses, tendo passado de advogada estagiária a advogada associada. Aprendi muita coisa neste escritório mas, para dizer a verdade, nunca achei que fosse ficar muito tempo vinculada a uma sociedade porque sempre me vi mais como sendo a líder e a cara do meu próprio negócio.
Como já tinha um nicho de clientes e surgiu a oportunidade, decidi avançar. Não posso dizer que não é sempre um risco, porque é. Abri um escritório quando tinha 34 anos e estava a entrar num mercado regional que está muito dominado por algumas sociedades que já estão estabelecidas.
Na minha opinião cada um de nós tem um talento específico, uma forma específica de trabalhar e foi sempre por isso que me pautei.
Sempre transformei as diferenças que podia ter em vantagens e aqui estou eu, dois anos depois. Com escritório aberto, com o meu nome, que é a minha imagem. Com reconhecimento por parte dos clientes e feliz a fazer o que faço. Não me arrependo da decisão que tomei e a partir de agora é manter e, eventualmente, crescer no futuro.

É importante mudar na Região
a ideia que se tem sobre os advogados

Ser juíza está fora de questão ou ainda é uma possibilidade?
Neste momento está fora dos planos porque gosto mesmo muito do que faço. Nunca excluo nenhuma possibilidade. Na minha vida sempre tive muita flexibilidade e a mente aberta, pois acho que a qualquer momento as coisas podem mudar. Aliás, foi numa mudança dessas, que me fez repensar e que me montei por minha conta. Mas, a médio prazo, não é uma opção.
Acho que é importante para a Região e porque os tempos estão a mudar, e a advocacia tem de acompanhar os tempos modernos, mudar a ideia que se tem sobre os advogados. Ainda o outro dia estive com um cliente que me contou que antigamente se sentiam nervosos quando iam ter com um advogado. Os advogados eram colocados num pedestal e havia um certo medo deles. É importante desmistificar isso, algo que já vem acontecendo, mas que poderia estar mais vincado.
A minha forma de ser e de estar não é muito parecida com a de alguns dos meus colegas. Isto é muito visível na forma como trato os meus clientes, os meus processos e o meu dia-a-dia. Não estou a dizer que é melhor ou que é pior, é simplesmente diferente. Quero manter esta diferença porque isto é um mercado concorrencial e eu continuo a achar que cada um de nós pode fazer a diferença. Não vou revelar o que me faz de diferente. Prefiro que sejam os clientes a descobrir.
Os pontos positivos superam largamente os negativos e transformamos os momentos de insegurança em aprendizagem. A verdade é que o nosso percurso, seja ele profissional ou pessoal, é sempre muito mais isolado. É muito bom trabalhar em equipa, mas, no final do dia, somo só nós connosco próprios. É muito importante não ter medo desta solitude, pois dá-nos arcaboiço e fibra.

Ainda há espaço para trazer mais advogados para os Açores?
Continuam a entrar muitos estudantes nas universidades de Direito. O mercado começa a ficar um pouco saturado, não vou estar aqui com ilusões. O mercado regional tem as suas contingências.
A advocacia tem uma parte pública e outra privada e ambas as partes começam a ficar saturadas. O público porque requer determinadas especialidades e especificidades que fazem com que as entidades públicas contratem os mesmos advogados porque trabalham já há muito tempo naquela especialidade ou naquela área.
Com isto, haver espaço, há. Os estudantes têm é que pensar em que áreas específicas querem trabalhar e não virem com a ilusão que a advocacia é a mesma que há 20 ou 30 anos, onde existiam muitas portas abertas e onde se ganhava muito dinheiro, mais facilmente do que o que se ganha hoje. Um bom advogado vai ganhar bom dinheiro. Tem é que fazer por isso.
Somos uma Região com 9 ilhas, onde algumas não têm advogados. Seria bem pensado que, no futuro, em vez dos novos estudantes de Direito se concentrarem nas ilhas com maior movimento: São Miguel, Terceira e Faial, pensassem em ir para as outras ilhas que não têm advogado. Este pode ser um ponto a favor dos novos estudantes. Nas ilhas com maior movimento, já existem muitos advogados, não vale a pena dizer o contrario. É a lei do mercado. Pode haver espaço para todos, quem fizer melhor o seu trabalho será reconhecido por isso. É bom que os estudantes de Direito pensem, ainda durante os estudos, se, realmente, a Região oferece as condições que eles pretendem para ter um bom estágio, terem uma boa formação e adquirirem conhecimento. Isto é fundamental no estágio.

A justiça está “mais célere”
nos Açores

Em sua opinião, a justiça nos Açores funciona bem?
A justiça nos Açores, nos últimos anos, está claramente melhor do que o que estava antes. Em termos de celeridade e conclusão dos processos está muito melhor. Quando cheguei cá, haviam processos simples que chegaram a demorar 5 anos, portanto está mais célere.
Eu entendo que sim, funciona, dentro daquilo que os mecanismos da lei permitem. Neste momento, os funcionários judiciais, os tribunais e naquilo que depois concerne à parte judicial e do Ministério Público, cada um deles consegue fazer o melhor com as ferramentas e recursos que têm ao seu dispor.
Não posso dizer que funciona mal, embora haja espaço para aperfeiçoar e melhorar. Mas isso não depende só dos funcionários nem dos magistrados, depende também de toda a legislação e de toda uma intervenção colectiva, legislativa, para se perceber que os tempos mudaram e os Açores estão a enfrentar um problema grave com o consumo de drogas sintéticas. Este é um flagelo que não cabe só aos tribunais resolver. Há toda uma actividade preventiva que acho que tem que ser atacada antes dos tribunais. Todos os dias saem notícias a dizer que foram condenados por furtos, roubos e tráfico de estupefacientes, o que não é uma imagem bonita para os Açores nem para os locais.
Na minha opinião, as forças policiais, o Ministério Público e até mesmo, depois, o Tribunal, em si, fazem o melhor com os recursos que têm. Disso não tenho dúvida, mas há sempre espaço para melhorar.

Frederico Figueiredo
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