Desde 2015, a Açor Arte dedica-se ao artesanato, tecelagem, artes decorativas, retrosaria e ainda promove vários workshops que vão desde a costura às tradicionais flores de escamas de peixe. A proprietária, Jacinta Teixeira, é natural da ilha de São Jorge e, aos 11 anos, já tecia na empresa da mãe. Conheceu o marido na Feira de Artesanato do Senhor Santo Cristo e assim chegou a São Miguel, onde trabalhou durante 22 anos na retrosaria da sua sogra, a emblemática ‘Silva Pipi’. Hoje, a artesã compromete-se a perpetuar “tradições que estão a ser esquecidas e em incentivar mais pessoas a trabalhar no artesanato.”
Correio dos Açores – A Açor Arte foi fundada em 2015, mas faz parte de uma tradição familiar que vem muito antes dessa data. Pode falar um pouco sobre esta história?
Jacinta Teixeira (proprietária da Açor Arte) – Nasci na Fajã dos Vimes, em São Jorge, onde havia muita tradição de tecelagem. A minha mãe tinha uma empresa familiar e eu comecei desde muito cedo a trabalhar. Apesar de a minha mãe nunca ter aprendido o tear, tinha as suas funcionárias, fiava a lã e vendia as colchas. Nessa altura, as peças funcionavam como uma mercadoria de troca directa, e, junto com a minha tia – que foi quem me passou os conhecimentos do tear -, iam a pé para Rosais e trocavam as colchas por milho e lã. Depois, traziam a lã para cardar, fiar e tingir e direccionavam-se para outra fajã onde se confeccionavam aquelas colchas de fios puxados.
Desde criança, via as pessoas na minha casa naquelas lidas e já estava muito ansiosa para começar. Aos 11 anos, acabei a quarta classe e comecei a trabalhar no tear. Só com 21 anos é que voltei aos estudos e, mais tarde, tirei o 12º ano através da internet. E gosto de mencionar isto porque devemos motivar as mulheres, em especial aquelas que não têm escolaridade obrigatória, pois vão sempre a tempo de estudar. Nunca é tarde para conquistarmos os nossos sonhos, e os estudos são sempre uma mais-valia na nossa vida.
Conheci o meu marido na Feira de Artesanato do Santo Cristo, em 1991, e casamos um ano depois. Vim para São Miguel e trabalhei durante 22 anos na retrosaria da minha sogra, a ‘Silvia Pipi’, mas continuei sempre a fazer tecelagem.
Para si, como foi crescer num ambiente tão ligado ao artesanato? Foi sempre esta área que quis seguir?
As opções não eram muitas. Não vivíamos num tempo com internet, onde podemos ter acesso a todas as informações. Os primeiros 10 anos da minha vida foram passados sem energia eléctrica, mas confesso que tenho saudades desse tempo, lembro-me de chegar ao anoitecer e a minha mãe dizer-me para ir acender a luz, pois eu era a mais pequenina da casa, e fazíamos trabalhos manuais à luz do candeeiro. E lembro-me perfeitamente de quando começou a existir televisão e da forma como se passava a ferro com brasas. Eu ainda era criança, mas tenho perfeita memória de ver toda esta lida que não tem nada a ver com aquela que temos hoje. Eram vidas diferentes e também vidas felizes. Só podemos dizer que somos infelizes quando temos mais conhecimento e temos a opção de enveredar por uma carreira que, por vezes, não é aquela que gostaríamos, mas para isso também temos de conhecer aquele caminho.
Quando surge a ideia de criar a Açor Arte?
A Açor Arte surge na sequência de ter ficado desempregada. E, como tenho conhecimento na área da tecelagem, o curso de artes decorativas e 22 anos de experiência na retrosaria da minha sogra, associei o útil ao agradável e abri a empresa. Hoje, sinto-me muito feliz e realizada.
Quais foram os maiores marcos para a Açor Arte?
Um dos maiores marcos foi conseguir manter-me no mercado mesmo estando fora da cidade. Continuo a trabalhar todos os dias para que a empresa seja reconhecida, e os workshops têm ajudado muito nesta parte. Temos feito vários workshops que vão desde tecelagem, pintura em tecido, patchwork, tricô, crochê, costura iniciação e continuação, registos, bordados, lapinhas e flores de escamas de peixe.
Sinto que faço muitas pessoas felizes porque, ao ocuparem-se de um trabalho com o qual se identificam, conseguem estar mais realizadas, não ficam tão isoladas e não perdem tanto tempo na televisão e nos computadores. E, nos Açores, temos esta particularidade de as mulheres serem muito educadas nos trabalhos manuais, o que devíamos valorizar e fomentar ainda mais. Por exemplo, neste momento estou a aprender a fazer uma renda que já poucas pessoas conhecem, a frioleira. Antigamente, faziam-se acabamentos em tecidos de linho; era uma renda muito peculiar e actualmente também pode ter muitas aplicações como brincos, pulseiras e colares.
Qual é o papel da Açor Arte em manter vivas as técnicas tradicionais de artesanato?
O papel da empresa é o de divulgar as tradições que já estão a ficar esquecidas e incentivar mais pessoas a trabalhar no artesanato com novas formas de aplicar a arte dos nossos antepassados. Antigamente, o artesanato tinha um determinado fim, ou seja, a frioleira servia para os acabamentos de trabalhos em linho; a renda, propriamente dita, era para fazer os naperãos para decorar a casa, os caminhos de mesa que hoje são muitas vezes feitos em patchwork. A tecelagem e as colchas eram feitas porque havia necessidade de as fazer, pois não havia tanta oferta no mercado. Tínhamos de fazer as colchas para os agasalhos e, por exemplo, o tricô era muito executado para fazer as luvas para os homens do mar. Ainda hoje, fazem-se estas peças para os grupos folclóricos porque são as roupas que representam a pesca e agricultura naquele tempo.
Como tem sido o volume de negócios e quem são os seus maiores clientes?
O negócio tem vindo a evoluir, mas sempre com cuidado na gestão de encomendas, pois tem de haver um equilíbrio entre as compras e o material que vai saindo. Os meus maiores clientes são as pessoas que trabalham em artesanato, os que apreciam o artesanato, como os emigrantes e estrangeiros, e aqueles que participam nos workshops.
Até onde é que já foram as suas peças e quais são as mais vendidas?
Já vendi um pouco para todo o lado, mas principalmente Inglaterra, França e continente. As peças mais vendidas são as écharpes pois são feitas com matérias-primas naturais como a lã merina, alpaca e caxemira. Os turistas valorizam muito mais estas matérias-primas nobres do que o acrílico, um sintético que infelizmente é muito usado. Nos Açores, temos uma grande riqueza em plantas e matérias naturais que poderiam servir para muitos trabalhos, como é o caso da espadana que tanto serve para tecelagem como para fazer malas e tapetes.
Como é que vê o futuro da Açor Arte?
Um dos meus grandes desafios é o de colocar a Açor Arte num roteiro turístico. Os estrangeiros que por cá passam ficam encantados quando, por exemplo, percebem como uma simples escama de peixe se transforma numa flor tão bonita. Mas, muitas vezes, eles não sabem se o que estão a comprar é mesmo de cá, ou de que forma é feito. Neste sentido, penso que será muito importante mostrar a execução das peças: como se faz tecelagem, as rendas, os registos da nossa fé ao Senhor Santo Cristo, bandeiras do Espírito Santo… Nós temos muita tradição de tecelagem do tempo em que estes trabalhos eram mesmo necessários, mas a partir do momento em que ela passou a ser vista como um acto supérfluo, as pessoas de cá deixaram de a valorizar. Mas, felizmente, os estrangeiros apreciam muito os trabalhos executados à mão, algo que me incentiva ainda mais a mostrar e a perpetuar as nossas tradições. Os açorianos têm muitos conhecimentos a transmitir pois somos uma região muito rica em artesanato.
Daniela Canha