Neste percurso que vimos trilhando desde a antiguidade, no que concerne aos métodos e actos de determinar grandezas físicas, chegámos a meados do século XIX, precisamente a 1852, ano em que, finalmente, o País decide abandonar práticas e tradições velhas de muitos séculos e adoptar o sistema métrico decimal.
Decorreram quarenta anos desde que, em Outubro de 1812, a junta de governadores do Reino criou a Comissão para o Exame dos Forais e Melhoramentos da Agricultura, com o objectivo de levar a cabo a reforma dos forais, há muito solicitada, e também apresentar um plano de reforma dos pesos e medidas “proprio dos conhecimentos e luzes do seculo, debaixo de um systema geral, e tendo uma base solida e permanente”.
Desta imensa tarefa resultou que o sistema métrico decimal recém-criado pela Revolução Francesa, na última década do século XVIII, foi adoptado por Portugal em 1814, na regência do futuro rei D. João VI, então no Brasil, onde se instalara a corte, a salvo das invasões francesas.
A Revolução de 1820 e a Guerra Civil de 1828-1834 impediram a implementação desse sistema, que apresentava a particularidade de os pesos e medidas terem uma nomenclatura portuguesa, tradicional, para não ofender os povos, porque “nós temos frazes proprias e devemos cingir‑nos a conservar, quanto for possivel, as do nosso uso, para não fazer tão estranha aos povos huma semelhante mudança”; acrescia uma outra razão ponderosa – o trauma e a repugnância causados pelos franceses.
Tudo quanto sobrou da reforma de D. João VI foi a fabricação, pela Junta da Fazenda do Arsenal do Exército, de trezentos conjuntos dos padrões dos novos pesos e medidas, de acordo com protótipos vindos de França, para serem distribuídos pelo Império Português, mas que ficaram em depósito a aguardar melhores dias.
Só na década de 1840 voltou a haver condições para se retomar o incontornável problema da uniformização dos pesos e medidas, cada vez mais necessária para a agricultura e o comércio interno e externo. Durante esta década, a Câmara dos Deputados do Reino debateu acaloradamente vários projectos de reforma, ora de pendor tradicional ora de pendor europeu (vários países já haviam adoptado o sistema francês), prevalecendo este sobre os demais sistemas apresentados e debatidos.
No início de Dezembro de 1852, o Ministério das Obras Públicas e Comércio submete à consideração régia o relatório final da Câmara de Deputados sobre a reforma, que culmina no projecto de adopção do sistema métrico francês.
Deste relatório se transcrevem os seguintes períodos, que sintetizam a situação que se propõe alterar:
“Avaliadas á luz da sciencia, as medidas portuguesas não podem deixar de ser imparcialmente julgadas e proscriptas em nome da iIlustração, e da commodidade publica. Sem fundamento na natureza, sem base fixa e susceptivel de ser a todo o tempo verificada, faltam ellas ao primeiro requesito que a razão e a conveniencia imperiosamente reclamam. Diversas para cada provincia, para cada concelho, quasi para cada parochia do mesmo municipio, as nossas actuaes medidas, sem coherencia, sem relação simples entre si, sem ordem methodica, e sem nomenclatura systematica, constituem um corpo informe, a que impropriamente se pódeattribuir o nome de systema legal de pesos e medidas. Não foi de certo culpa, nem erro dos tempos que precederam, se mais perfeito, e mais racional systema não podemos herdar de nossos antepassados.”
“O municipio era o exemplar mais completo da vida social, e cada concelho, cioso da sua independencia, e pondo quasi acima da soberania do Estado as suas prerogativas e os seus fórostradicionaes, limitava ao estreito âmbito das suas demarcações o circulo resumido da sua vida política e da sua animação economica e industrial.”
O projecto merece a aprovação real em 13 de Dezembro, sendopublicado no Diário do Governo n.º 302, de 20 de Dezembro de 1852:
Art. 1.º É adoptado o metro legal de França como base do Sistema legal de pesos e medidas no continente do reino e ilhas adjacentes.
Art. 2.º É igualmente adoptada a nomenclatura do sistema métrico decimal, para designar as diversas unidades dos novos pesos e medidas, seus múltiplos e submúltiplos.
Art. 3.º O novo sistema de pesos e medidas deverá estar em pleno vigor dez anos depois da publicação deste Decreto.
Art. 4.º Dentro do prazo marcado no artigo antecedente, o Governo fixará sucessivamente as épocas em que será obrigatório o uso dos novos pesos e medidos, assim nas diversas Repartições do Estado e estabelecimentos públicos, como entre particulares.
§. 1.º Esta época só poderá ser fixada para seis meses depois de haverem sido distribuídos os padrões e publicadas as tábuas explicativas, de que tratam os artigos 5.º e 6.º deste Decreto.
§. 2.º O Governo poderá fazer executar por partes, em todo o reino e ilhas adjacentes, o novo sistema de pesos e medidas, começando pelas unidades cuja adopção menos dificuldade ofereça, contanto que o sistema completo se ache em vigor no prazo que marca o artigo 3.º.
Art. 5.º O Governo mandará confeccionar os padrões dos novos pesos e medidas, e os fará distribuir por todas as Câmaras municipais, pagando estas a importância do custo dos padrões que receberem.
Art. 6.º Regulamentos de administração pública estabelecerão o processo para a confecção das tábuas expositivas, a forma e a matéria dos diversos pesos e medidas, e o método e as regras para o aferimento destas.
. . . .Art. 13.º É creada junto ao Ministerio das Obras Publicas, Commercioe Industria uma commissão, que será denominada ‘Commissão central de pezos e medidas’. . .
Ferreira Almeida