“O quadro actual e a falta de financiamento do Governo potenciam a supressão de um posto de trabalho.” Quem o diz é Mário Reis, Secretário-geral da Associação dos Consumidores da Região dos Açores, numa data em que se assinala o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor.
Correio dos Açores – Quais são as principais preocupações dos consumidores nos Açores em relação a produtos e serviços essenciais, como energia, habitação e saúde?
Mário Reis (Secretário-geral da Associação de Consumidores da Região dos Açores) – No que toca ao serviço de atendimento e apoio jurídico aos consumidores, na mediação de processos e no patrocínio judiciário, registamos os seguintes processos: Serv. Pub. Telefones/Telemóvel (11); Electrodomésticos (7); Transportes (4); Outros Bens não Alimentares (2); Seguros (6); Serv. Financeiros / End. Familiar (4); Televisão e Teledifusão (2); Casas/Def. Construção (3); Reparações (13); Veículos e Acessórios (27); Outros Serviços (18); Serv. Financeiros Gerais (26); Material Eléctrico (1); Serviços de Saúde (8); Serv. Pub. Electricidade (1); Vestuário e Calçado (1); Serv. Pub. Internet (1); S. Administração Pública-Local (1); S. Administ. Pública-Regional (1); Produtos Higiene e Limpeza (1); Ourivesaria Similares, Bijuteria (1); Computadores e Periféricos (1); Serv. Pub. Águas (1); e Turismo (5).
De que forma a ACRA trabalha para promover os direitos dos consumidores e garantir a sua protecção na Região?
A ACRA tem disponibilizado o seu apoio a todos os consumidores e feito um acompanhamento individual e personalizado, em cada caso/processo concreto, bem como junto das instituições visadas. Alguns processos são bastante complexos e morosos, outros nem tanto. De qualquer modo, importam mais tempo do que aquele que, muitas vezes, os técnicos dispõem. E é aí que se compreende como a defesa do consumidor é condicionada por orçamentos muito curtos, que têm sido a regra.
Além disso, no último ano, foi agravado o corte orçamental por parte do Governo, que se volta a agravar no ano corrente, onde não há Orçamento. A isto, tenho a acrescentar que, lamentavelmente, a primeira verba do AFAC só chegou em Julho, uma maldade que os consumidores dispensavam. Para este ano de 2024, recorta-se na linha do horizonte que talvez apenas para Agosto ou Setembro seja aprovado o Orçamento para 2024, o que é igualmente lamentável.
Este Orçamento significa duodécimos e implica, de novo, um corte de 10.000,00 euros, sendo o resultado um claro favorecimento dos profissionais contra os consumidores. Tem-nos valido, ao longo dos anos, sermos cautelosos, fazendo provisões e acumulando um pecúlio de 60.000,00 euros que, no ano passado, com todos os atrasos, nos permitiu sobreviver até Julho, tendo em conta que só nessa altura chegou a primeira tranche do AFAC que, nos termos do regulamento, deveria chegar em Fevereiro.
A ACRA organiza sessões de esclarecimento e sensibilização nas várias escolas do arquipélago dos Açores. O ano passado, conseguiu-se, fundamentalmente, com o apoio do Fundo do Consumidor, projecto aprovado pela Direcção Geral do Consumidor.
Procede, ainda, à apresentação dos pareceres sobre matérias relevantes na óptica dos consumidores, em toda a linha e no âmbito nacional e regional; participa em reuniões de discussão de matérias de relevante interesse para os consumidores dos Açores; expõe as actividades desenvolvidas na área da informação dos nossos associados e dos consumidores em geral, em imprensa escrita, divulgação de informação em MUPIS/Outdoors, rádio e televisão.
Dando cumprimento aos objectivos da proposta do Secretariado-geral, o gabinete técnico da ACRA realizou 11 visitas às maiores superfícies comerciais alimentícias da ilha de São Miguel, com o intuito de recolher os preços de 74 produtos que compõem um cabaz previamente seleccionado (…).
O Governo dos Açores tem tornado pública a evolução de preços de um cabaz de produtos na Região. Revê-se na metodologia seguida para definir este cabaz de produtos e consequente evolução de preços?
Apenas parcialmente. Consideramos que o Governo deveria, antes de mais, potenciar o surgimento de novos operadores no mercado a retalho. É urgente que o faça. Se não pode intervir administrativamente na fixação de preços, que crie as condições para potenciar a concorrência, de modo a não estarmos sujeitos apenas ao Pingo Doce ou ao Modelo/Continente. A título de exemplo, uma cidade pequena como a Lourinhã, mais ou menos, do tamanho de Ponta Delgada, a 80 km de Lisboa, reúne, numa única praça, quatro grandes superfícies e dá para todos. Apenas têm de ser mais eficientes para garantir a melhor clientela.
Quais são os direitos dos consumidores nos Açores que, muitas vezes, são negligenciados ou mal compreendidos?
Fica difícil precisar. A nova lei das garantias trouxe novas dificuldades que nem sempre são fáceis de fazer compreender. Além disso, a questão da prova é uma matéria muito sensível que nem todos compreendem, sobretudo as pessoas mais idosas.
Em que situação se encontra a criação e funcionamento do Tribunal Arbitral dos Açores?
As obras estão praticamente prontas. Estamos à espera dos equipamentos que, por terem de vir de fora, demoram mais tempo. Julgo que dentro de um mês a um mês e meio, teremos tudo pronto.
Quais são as principais dificuldades que a ACRA enfrenta?
Não tem sido fácil. O Governo padece do “mal de consorte”, como vem nos manuais de Direito Administrativo, para significar que é excessiva e incompreensivelmente cioso dos seus pergaminhos. Sublinhe-se que apenas pedimos para saber se o Governo Regional poderia garantir aos consumidores que a falsificação do azeite, que afecta todo o país, teria ou não afectado a Região. Não pedimos, nem o poderíamos fazer nesta fase, a identificação de empresas. Há uns meses, fizemos um requerimento ao Governo para tentar perceber em que medida a falsificação do azeite atingiu o mercado da Região. O Sr. Presidente do Governo informou-nos que enviou o mesmo à IRAE, mas até agora não nos comunicou, sequer, se foi aberto inquérito e qual o número que o processo mereceu. Isso é um imperativo e uma consequência decorrente, desde logo, do princípio da transparência (…).
Se essa informação, que já deveria ter chegado pois já se passaram pelo menos dois meses, teimar em não aparecer, iremos junto do Ministério Público perguntar se pode ser assim. Esta barreira de silêncio pode servir muitos interesses, mas não são certamente os interesses que, nos termos da lei, nos cabe defender, nomeadamente apresentação dos pareceres sobre matérias relevantes na óptica dos consumidores e participação em reuniões de discussão de matérias de relevante interesse para os consumidores da Região Autónoma dos Açores.
Qual é o papel da educação do consumidor para o trabalho que desenvolve a ACRA? De que modo a Associação está a promover uma maior consciência dos direitos dos consumidores?
A organização de sessões de esclarecimentos e sensibilização nas várias escolas do arquipélago dos Açores tem como objectivo tornar os consumidores conhecedores dos seus direitos, capazes de assumir as suas responsabilidades, e torná-los cada vez mais conscientes, críticos, solidários, responsáveis e comprometidos com o ambiente, alimentação e higiene e segurança alimentar.
Para cumprimento desta medida, a ACRA contactou, através de correio electrónico e telefone, todas as escolas do ensino básico, secundário e snsino profissional, Universidade dos Açores da ilha de São Miguel.
A escolha dos temas ficou a cargo das entidades, tendo em consideração as necessidades de cada público-alvo: escolar, comunidade em geral e/ou vulnerável. As temáticas mais solicitadas foram: Direitos dos Consumidores e Direito à Informação, Contratos à Distância, Comércio Electrónico e Sobre-endividamento, Gestão do Orçamento Familiar, Livro de Reclamações.
Nesta senda, no ano de 2023, foram ministradas 97 sessões de informação e de sensibilização, num total de cerca de 5595 minutos, nas ilhas de São Miguel, São Jorge, Graciosa, Terceira, Flores e Corvo.
Que medidas a ACRA considera essenciais para melhorar a protecção dos consumidores nos Açores?
São tantas. Para já, criar condições para haja melhor concorrência.
Quais são os planos da ACRA para o futuro, em termos de defesa dos direitos dos consumidores nos Açores?
Pretendemos melhorar, e muito, desde que haja financiamento para isso, a defesa do consumidor, no campo da informação e formação, com um site à altura e uma presença constante nas redes sociais, e maior dinâmica. Porém, o quadro actual e a falta de financiamento do Governo potenciam a supressão de um posto de trabalho. Aliás, este é um assunto em cima da mesa. Estamos só à espera de uma resposta do Governo que tarda em chegar… Mais uma!
C.P.