“Para alcançar os objectivos traçados no roteiro para a neutralidade carbónica dos Açores será necessário aumentar, de modo muito relevante, a taxa de reflorestação. Isto porque a floresta terá um papel muito fundamental no alcançar da neutralidade carbónica, tendo sido estimado que, até 2050, será necessário florestar cerca de 23.000 hectares, o que corresponde a cerca de 10% do território dos Açores. Para tal, será decisivo um maior apoio ao sector florestal e aos proprietários que estejam interessados em reflorestar, nomeadamente com base nas medidas agro-ambientais da PAC, e de um sistema de atribuição de créditos de carbono, cujo mercado está em faze de regulamentação.” Quem o diz é Luís Silva, professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade dos Açores e investigador do CIBIO.
Correio dos Açores – Qual é a importância das florestas para o equilíbrio ecológico nos Açores?
Luís Silva (Professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UAc e investigador do CIBIO-Açores) – As florestas permitem a captação da precipitação vertical e horizontal (nevoeiros), reforçando a infiltração das águas e a reposição dos aquíferos, protegem o solo da erosão e permitem o seu desenvolvimento, acumulam carbono, e funcionam como reservatórios de biodiversidade animal, vegetal e microbiana (fungos, bactérias do solo, etc.).
Em ecossistemas terrestres isolados e de dimensão relativamente pequena, como são as ilhas, o coberto florestal é essencial para a protecção dos solos, dos recursos hídricos e da biodiversidade. Acresce o interesse económico da floresta, nomeadamente para a produção de madeira e de biomassa que pode ser convertida em energia (parte lenhosa) ou em composto orgânico (folhagem). As zonas de floresta natural, mais ou menos preservada, ainda existentes nos Açores, são cruciais na manutenção da diversidade de espécies nativas e endémicas ao nível das plantas e dos artrópodes (insectos, aranhas). Sem as florestas naturais, poderiam desaparecer centenas de espécies que a elas estão associadas. Para além disso, as florestas, no geral, e o coberto vegetal arbóreo sob a forma de bosques, matos, parques, jardins e sebes, suportam importantes populações de aves. As florestas representam, ainda, um recurso fundamental para actividades de lazer, nomeadamente ao nível das reservas florestais de recreio, um recurso para o turismo de natureza e o ecoturismo, e para actividades muito específicas como o arborismo (trilhos “aéreos”, em altura, nas florestas).
Quais são os principais desafios enfrentados pela conservação das florestas nos dias de hoje, a nível local e global?
No passado, e no presente, a grande ameaça às florestas tem sido a sua substituição por campos agrícolas, pastagens e monoculturas. Esse factor levou ao desmatamento em larga escala, pelo que as florestas primordiais, que evoluíram de forma natural, com pouca influência humana, muito ricas em biodiversidade, e muito complexas em termos estruturais, foram progressivamente substituídas por monoculturas, como a palma (Indonésia), ou por campos de soja para a alimentação do gado (Brasil). Este fenómeno levou a uma substituição progressiva desse tipo de florestas por florestas secundárias (que recuperam de forma espontânea após o corte da floresta primordial) ou por florestas plantadas, cuja estrutura e nível de biodiversidade são, em geral, mais simplificadas. Associado a esse fenómeno, de alteração dos ecossistemas naturais (biomas), por ecossistemas antropogénicos (antromas), verificou-se uma enorme expansão das áreas para produção animal (pastagem, forragem), com impactos significativos no aumento das emissões de gases com efeito de estufa, na redução da biodiversidade e dos habitats, e na poluição e eutrofização de cursos de água e de sistemas lagunares. O exemplo de uma consequência extrema dessas alterações é o facto de a biomassa relativa aos mamíferos “selvagens” corresponder, actualmente, apenas a 4% do total. Para que se tenha uma ideia mais concreta, a biomassa de todos os cães corresponde, praticamente, à biomassa de todos os mamíferos terrestres, “selvagens”.
A ecologia vegetal desempenha um papel crucial na compreensão e preservação das florestas?
A importância destes estudos aumentou com a crise climática, dado que se tornou decisivo perceber qual a capacidade das florestas em continuarem a funcionar como sumidouros de carbono, num contexto de temperaturas mais elevadas e com uma atmosfera mais rica em dióxido de carbono. Por exemplo, a ideia de reflorestar todas as áreas com espécies florestais, mais sensíveis ao fogo, poderá não funcionar, porque o carbono acumulado poderá ser rapidamente emitido durante um incêndio. Por isso, em algumas zonas, poderá ser mais adequado o uso de espécies mais resistentes o fogo, que existem, por exemplo, em savanas. Para além disso, estudo recentes indicam que sistemas tão importantes como a floresta amazónica poderão vir a ter a sua capacidade de absorção de carbono comprometida, devido à desflorestação, ao aumento das temperaturas e da frequência e intensidade dos fogos. Por isso, é muito importante tomar medidas para travar as emissões de gases com efeito de estufa e reduzir todo o tipo de desflorestação.
Pode partilhar algumas das pesquisas mais recentes relacionadas com as florestas e a biodiversidade nos Açores?
A nossa equipa, do CIBIO, desenvolveu trabalhos interessantes relativos à acumulação de carbono nas florestas dos Açores, à relação entre o crescimento do tronco, em diâmetro, e o clima, para algumas espécies de árvores endémicas e para a criptoméria (dendroclimatologia), e também estudos relativos ao efeito das alterações climáticas na distribuição das espécies lenhosas endémicas e nativas de Cabo Verde. Trabalhos de paleolimnologia, também do CIBIO, revelaram pistas de como poderia ser a floresta, em alguns locais das ilhas, antes do povoamento humano. Os colegas do Grupo da Biodiversidade dos Açores têm desenvolvido trabalhos muito importantes relativos à biodiversidade das florestas naturais dos Açores, estando em curso um trabalho algo inovador, sobre a relação entre a estrutura tridimensional da floresta e os respectivos níveis de biodiversidade.
Quais são as espécies de plantas endémicas nas florestas dos Açores que estão em risco ou merecem especial atenção?
De um modo geral, as espécies lenhosas que se encontram nas florestas não estão em risco de extinção, no entanto, espécies herbáceas, que se encontram no interior ou nas margens dessas florestas, apresentam populações mais sensíveis às alterações antropogénicas, pelo que essas zonas devem ser, o mais possível, protegidas desses impactes. Espécies como sejam as orquídeas endémicas (Platanthera spp.), que aparecem nas margens e clareiras das florestas, ou a erva-do-capitão (Sanicula azorica) e a alfacinha (Lactuca watsoniana).
Qual é a distribuição regional das espécies de floresta Laurissilva nos Açores?
É preciso dizer que o termo Laurissilva é algo enganador. Existem nos Açores, de facto, vários tipos de formações arborescentes (matos, bosques, florestas), que variam muito em estrutura e diversidade, dependendo do nível altimétrico a que se encontram. Por exemplo, junto ao mar, existem “matos de vassoura”, dominados por urze, e bosques de faia-da-terra e pau-branco. Mais em altitude, surge a floresta de louro, que é substituída, mais acima, por florestas e bosques dominados por cedro-do-mato ou por azevinho. Ao contrário do que ocorre, por exemplo na Madeira, a floresta nos Açores apenas inclui uma laurácea, o louro, e essa espécie não é dominante em todas as florestas, matos e bosques naturais dos Açores. Infelizmente, a zona de floresta natural poderá corresponder apenas a cerca de 10% da área do território, estando bem representada nas ilhas Terceira, do Pico e das Flores. Por exemplo, na ilha de São Miguel apenas existem formações desse tipo na zona da Lagoa do Fogo, embora de estatura em geral baixa, e na zona da Tronqueira.
Que medidas práticas os cidadãos podem adoptar para ajudar na preservação das florestas?
Fomentar a reflorestação de zonas correspondentes a pastagens marginais e de baixa produção, sempre que possível, usando elementos da floresta natural. Em alternativa, e onde tal não cause impactes negativos, uma possibilidade será também a floresta de produção. No entanto, para alcançar os objectivos traçados no roteiro para a neutralidade carbónica dos Açores, será necessário aumentar, de modo muito relevante, a taxa de reflorestação. Isto porque a floresta terá um papel muito relevante no alcançar da neutralidade carbónica, tendo sido estimado que, até 2050, será necessário florestar cerca de 23.000 hectares, o que corresponde a cerca de 10% do território dos Açores. Para tal, será decisivo um maior apoio ao sector florestal e aos proprietários que estejam interessados em reflorestar, nomeadamente com base nas medidas agroambientais da PAC, e de um sistema de atribuição de créditos de carbono, cujo mercado está em faze de regulamentação. Em todo o caso, o sector florestal nunca poderá ser o parente pobre das políticas regionais, pelo que deve ser feito um esforço para dotar os respectivos serviços dos meios tecnológicos que permitam uma actualização célere do inventário florestal e uma melhoria da gestão florestal, e para desenvolver a participação dos sectores privado, associativo e cooperativo nessa importante área, ligada à actividade económica, mas também à sustentabilidade ambiental.
Carlota Pimentel