Foi lançado ontem — Dia Mundial da Poesia — o livro ‘Lusíadas na escola e na sociedade: 450 anos’. Coordenada por Maria do Céu Fraga, Rui Tavares de Faria e Madalena Teixeira da Silva, esta obra reúne várias contribuições de especialistas sobre a relevância da epopeia de Camões no âmbito educativo e social.
A obra resulta do colóquio, realizado em 2022, que celebrou os 450 anos da primeira edição de ‘Os Lusíadas’. Este encontro foi uma iniciativa do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade dos Açores, em colaboração com o Centro de Literatura Portuguesa da mesma universidade e com a Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada. ‘Os Lusíadas na escola e na sociedade: 450 anos’ reúne o conjunto de ensaios e estudos de especialistas, investigadores e docentes universitários que discutiram a relevância da epopeia de Camões no âmbito educativo e social.
No ano em que se celebra os 500 anos do nascimento de Camões, a professora Maria do Céu fraga explica que as efemérides “devem ser um motivo de pensarmos na razão de ser uma herança cultural.” E adianta, “as heranças trazem dividas e também temos uma certa obrigação de passar aquilo que recebemos.”
‘Os Lusíadas’ são “uma peça basilar da nossa cultura e identidade nacional. E precisamente por ser uma obra com significado para cultura portuguesa, europeia e até mesmo mundial, achamos por bem celebrar esta efeméride ao reflectir sobre o significado dos lusíadas ao fim de 450 anos: como é que se manifesta a sua importância na sociedade e na escola. Tendo em mente que a escola é uma amostra significativa da sociedade.”
A própria estrutura da obra é uma manifestação directa dos seus objectivos, desdobrando-se em três segmentos: a interpretação de ‘Os Lusíadas’; o seu papel na Escola e, por fim, um conjunto de reflexões acerca do seu impacto na sociedade.
De acordo com a professora Maria do Céu Fraga, para além de analisar os feitos celebrados e o significado que esta obra tem na sociedade, a terceira parte deste livro também se debruça na “forma de encarar o homem” que está plasmada na obra camoniana: “quando falamos em interpretação de ‘Os Lusíadas’, há uma perspectiva de época e uma interpretação basilar — aquela que é quase literal —, mas também há a interpretação sobre uma perspectiva humana que é atemporal.”
Adianta que ‘Os Lusíadas’ “não são apenas o relato de uma viagem ou o relato de uma história nacional. A sua natureza não é apenas histórica. Há toda uma imagem cultural e um modo de encarar o homem: uma interpretação daquilo que é o homem — da sua função no mundo e da sua relação com os outros e consigo próprio — que o ultrapassa em muito o significado puramente de louvor de uma história pátria. E essa por si já seria significativa.”
Para além de fornecer uma reflexão acerca dos 450 anos da epopeia camoniana, esta obra também contribui para reforçar o papel de uma abordagem interdisciplinar do seu estudo: “No século XVI, a poesia engloba todo o conhecimento humano pois tudo o diz respeito ao homem se torna num objecto de poesia. O livro inclui a história, a geografia, a astrologia, a matemática, etc. Todas as ciências são implicadas”, explica.
Este livro inclui novas abordagens que podem inspirar os professores, investigadores e talvez alunos pois, segundo a docente da Universidade dos Açores, os diferentes capítulos passam precisamente esta perspectiva: “há experiência e, ao mesmo tempo investigação. Experiência de Professores e de pessoas que não têm propriamente a ver com o ensino, excepto que o ensino faz parte de uma sociedade”. E adianta: “A Instituição Escolar faz parte da manutenção e da transformação dos valores que se pretende manter numa sociedade”.
Questionada sobre aquilo que podemos fazer para garantir que os clássicos continuam a ser relevantes para as novas gerações, a professora explica que “um clássico é um livro que continua a interrogar-nos. Muitas vezes temos a ideia que um clássico é um livro que nos instrói pacificamente sobre aquilo que devemos fazer, quando, no fundo, um clássico é um livro que nos interroga, coloca questões e nos faz estar inquietos. E é esse o papel da poesia. Enquanto nós quisermos ter homens e mulheres que se inquietam e fazem interrogações, a literatura tem lugar”, conclui.
A estrutura de ‘Lusíadas
na escola e na sociedade: 450 anos’
A primeira parte deste livro, “Os Lusíadas: interpretação”, inclui as seguintes temáticas: “Revisitar Os Lusíadas por mão de Virgílio” de Carlos Ascenso André; “«A verdade que eu conto, nua e pura»: presença dos clássicos greco-latinos em Camões” por Maria Cristina Pimentel; “A poesia ao serviço da imortalização dos feitos humanos: Cícero e Camões em diálogo” por Rui Tavares de Faria; “O título e a introdução de Os Lusíadas na hermenêutica do poema” por Hélio J. S. Alves, e “Vénus: deusa e planeta n’ Os Lusíadas” por Carlota Simões e Carlos Santos.
Na II parte, “Os Lusíadas: na escola”, estão incluídos os artigos: “O ensino de Os Lusíadas: uma missão na era digital?” por João Manuel Avelar; “Os Lusíadas no quadro de uma nova ecologia do heroísmo” por Graça Meneses; “«Vil metal luzente e loiro». Considerações do Poeta sobre o poder corruptor do dinheiro (Canto VIII – Estâncias 96 a 99)” por Maria João Machado Ruivo Amaral Sousa; “Os Lusíadas de Camões e Memorial do Convento de Saramago: crónicas do infortúnio” por Maria João Bettencourt, “O ensino de Os Lusíadas entre 1895 e 1974: encontros e desencontros” por João Manuel Tavares da Costa; e “Um poema para todos. O lugar das adaptações de Os Lusíadas na escola” por Rui Manuel Afonso Mateus.
A III parte, “Os Lusíadas: na sociedade” inclui: “A minha descoberta de Os Lusíadas” por João Bosco Mota Amaral; “Estudar Camões – em dois tempos” por Rosa Maria Goulart; “A Camoniana de D. Manuel II no Museu Biblioteca da Casa de Bragança” por Maria de Jesus Monge; e “A Camoniana de José do Canto, «justa grinalda em louvor do Poeta»” por Maria do Céu Fraga.
Daniela Canha