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“Uma situação de Governo minoritário exige habilidade, astúcia e responsabilidade acrescidas”

Luís Bastos foi deputado do PSD/Açores à Assembleia Legislativa Regional dos Açores no final dos anos 80 e início dos anos 90 do século XX. Agora, em entrevista ao Correio dos Açores, considera que “é urgente avançar, corajosamente, com medidas de política em vários domínios e sectores sócio-económicos” na Região. “Deixemos o choradinho das lamentações e passemos à acção. A paralisia estende a passadeira vermelha a surpresas eleitorais indesejáveis”, afirma e acrescenta: “perguntem a quem sabe e escolham gente capaz, competente e decidida, para combater as desigualdades sociais, a riqueza mal distribuída, e o esbanjamento de dinheiros públicos em investimentos e actividades que pouco ou nenhuma riqueza geram”. Salienta que, na Região, os açorianos e os partidos políticos têm que se habituar a viver com governos minoritários e aponta baterias para Lisboa: “os agentes do poder político central, não importa a que partido pertençam, toleram as autonomias, mas ainda não entranharam que Portugal é um Estado continental com duas regiões insulares autónomas”. E, nesta perspectiva, completa: “temos de ser vigilantes activos, lutar sempre pelo interesse dos açorianos, e não ceder naquilo que é essencial e que tanto custou edificar no último meio século”.

Correio dos Açores – Já foi um político activo na Região. Que memórias guarda deste tempo?
Luís Bastos – Guardo boas memórias.

A partir de certa altura deixou repentinamente a política. O que o levou a esta opção? Ficou desiludido com a política e com alguns políticos de então?
A política vive-se e exerce-se a vários níveis e, neste sentido, nunca a abandonei. Repentinamente, o que aconteceu foi que o PS ganhou as eleições e eu deixei, obviamente, de desempenhar cargos dirigentes na Administração Pública Regional, como quadro do PSD. Funções políticas, propriamente, só exerci as de deputado regional em duas legislaturas, aliás, apenas parcialmente cumpridas. Achei particularmente interessantes os três anos da última legislatura em que fui deputado (1989-1992). Isto, por ter sido eleito Vice-presidente do Grupo Parlamentar quando perdemos a maioria absoluta no Parlamento. Quando as circunstâncias são mais adversas, a política tem melhor sabor e damos o devido valor à democracia.
Nem mesmo no PSD alguma vez tive responsabilidades políticas nos seus órgãos dirigentes. Fui sempre e sou, ainda, mais precisamente há quarenta anos, um militante de base. Mas, sobretudo, sou professor – a melhor profissão do mundo. Aqui sim, fiz carreira, e com a sorte de ter chegado ao topo!
De resto, com a saída de Mota Amaral (1995) fechou-se o ciclo de ouro da Autonomia. Exercia, então, o cargo de Director Regional do Emprego, Trabalho e Formação Profissional e, por inerência, o de Vice-presidente do PEDRA-A (Programa Específico para o Desenvolvimento da Região Autónoma dos Açores), responsável pela gestão do Fundo Social Europeu. Cumprida a tarefa, foi o meu próprio ciclo que se fechou e o meu mundo nunca mais voltou a ser o mesmo.

Embora afastado da acção política, continua, certamente, a seguir a actuação dos partidos políticos, das instituições autonómicas regionais e as relações com os órgãos de poder central. A Autonomia dos Açores tem evoluído? Ou, pelo contrário, tem regredido?
Sim, estou informado, sou um observador atento e contínuo, felizmente, a pensar por mim próprio.
A Autonomia não é um estado, é um processo. Tem dinâmicas próprias, tensões no seu seio e entre ela e o poder central. Conhece avanços e recuos, períodos críticos e outros de claro desenvolvimento e consolidação. Nunca pode ser dada como definitivamente adquirida porque é difícil a qualquer Estado, mais ainda quando uma das suas características é a de uma forte tradição centralizadora, como é o nosso, ceder poder a parcelas do seu território. Os agentes do poder político central, não importa a que partido pertençam, toleram as autonomias, mas ainda não entranharam que Portugal é um Estado continental com duas regiões insulares autónomas. Temos de ser vigilantes activos, lutar sempre pelo interesse dos açorianos, e não ceder naquilo que é essencial e que tanto custou edificar no último meio século. Mas isto só se consegue com competência e determinação políticas. Qualidades, aliás, imprescindíveis para que hoje possamos ir mais além no aprofundamento da autonomia. Por isso é tão importante introduzir a inovação no texto do Estatuto Político-Administrativo que necessita, para tal, de revisão e de adaptação urgente às novas realidades. Mas, igualmente, resolver problemas complexos para atingirmos novas metas, tais como, uma Lei das Finanças Regionais robusta e acomodada aos novos tempos; uma Lei do Mar que salvaguarde os nossos interesses e nos traga vantagens económicas; uma Universidade com recursos suficientes e autonomia indispensáveis para o nosso desenvolvimento; serviços do Estado eficientes, com instalações condignas, dotados dos meios exigíveis; um círculo eleitoral próprio para o Parlamento Europeu, entre outros desafios…

Que análise faz à actual situação política regional: um Governo minoritário na Assembleia Legislativa Regional que vai ter de elaborar um Plano e Orçamento onde enquadrará propostas da extrema-direita. Como vê toda esta evolução?
Temos de nos habituar a governos minoritários ou de coligação, porque é o normal em democracia. Basta ver o que se passa nas democracias da Europa e fora desta. Não é, necessariamente, uma maioria absoluta que contribui para a estabilidade e progresso de um país ou de uma Região. A melhor prova disso é o que se passou em Portugal recentemente. Mas também é verdade que uma situação de Governo minoritário exige habilidade, astúcia e responsabilidade acrescidas por parte dos dirigentes de todas as forças políticas envolvidas nos processos de decisão. E um objectivo claro os deve mover a todos – servir!

Acredita em entendimentos sucessivos de legislatura entre o Governo de maioria relativa da coligação e a oposição Chega, IL e PAN? Ou este é mais um governo a prazo?
Como democrata, tenho de acreditar, porque a composição do Parlamento surge da vontade livre do povo eleitor. O problema é se os políticos enveredarem pelo caminho da aventura, não se mostrando à altura exigida pela situação, e em vez de se colocarem ao serviço das populações, servindo os interesses destas, privilegiarem interesses pessoais ou partidários.
Ademais, quem derrubar um governo sem razões fortes e compreensíveis, será severamente penalizado pelo eleitorado nas eleições subsequentes. A lição já foi dada várias vezes…

Como aprecia a posição da direcção do PS/Açores de votar contra o Programa de Governo da Coligação PSD/CDS/PPM? Com esta posição, não deu mais força ao Chega, por exemplo?
O PS/Açores atravessa um período que não será dos melhores em termos de estabilidade e clarificação internas. Acontece a todos os partidos após uma derrota eleitoral. O tempo dirá se foi, ou não, uma decisão tomada mais com a emoção do que com a razão, logo, precipitada. Mas, não vejo que beneficie o Chega ou outro qualquer partido. O que beneficia o Chega é o que, igualmente, beneficia os restantes partidos da oposição – o Governo não resolver os problemas que mais afligem as pessoas. Como militante do PSD, estou confiante.

Em sua opinião, o actual líder do PS/A, Vasco Cordeiro, está a posicionar-se para assumir um cargo na Europa?
Bem, isso só ele saberá. No entanto, Vasco Cordeiro no Parlamento Europeu, por exemplo, seria uma mais-valia para os Açores. Assim queiram os socialistas do continente cativar-lhe um lugarinho elegível… Mas penso que Vasco apoiou Nuno, não?

Antevê um sucessor a Vasco Cordeiro na liderança do PS/Açores?
Essas já não são contas do meu rosário…

Em termos sociais, os Açores estão na cauda em vários indicadores como a pobreza e a sobrelotação de habitações. Fica a noção que há muito por fazer para diminuir o número de pobres e proporcionar condições para que os casais jovens tenham habitação digna na Região. Em sua opinião, o que tem falhado?
É urgente avançar, corajosamente, com medidas de política em vários domínios e sectores sócio-económicos. Deixemos o choradinho das lamentações e passemos à acção. A paralisia estende a passadeira vermelha a surpresas eleitorais indesejáveis. Há muitos estudos feitos e refeitos, e um vasto cardápio de soluções. Perguntem a quem sabe e escolham gente capaz, competente e decidida, para combater as desigualdades sociais, a riqueza mal distribuída, e o esbanjamento de dinheiros públicos em investimentos e actividades que pouco ou nenhuma riqueza geram. Enfim, muitas e boas intenções, mas pouca concretização e, no ar, como resultado, um certo sentimento de frustração que afasta muitos açorianos dos seus deveres e, mesmo, das suas obrigações para com a sociedade.
Quanto aos problemas com a pobreza, com a habitação, ou com a educação, para só referir estes, não se combatem de forma isolada. Temos, sim, que ter uma perspectiva de conjunto e integrar os vários sectores, sociais e económicos, de uma forma articulada, num todo coerente, num plano, digamos assim, de desenvolvimento global para os Açores. Temos de ter uma ideia, uma “definição” de desenvolvimento para a Região. Por onde queremos caminhar e com que direcção? Está tudo meio solto, meio de costas voltadas, cada um a governar a sua paróquia. Muito show off, muita preocupação com as imagens (por vezes fantasmagóricas), pouca substância, porém.

Não há forma para que se reduza nos Açores o insucesso escolar. As escolas da Região continuam nos últimos lugares dos rankings nacionais. Que análise faz à evolução da Educação na Região?
A escola não é uma ilha. É o reflexo de toda uma sociedade. O insucesso desta é o insucesso daquela.

Qual a sua opinião sobre a privatização da Azores Airlines?
Aqui sentado nesta esplanada, com este maravilhoso sol primaveril, tão só digo, como cidadão comum e na qualidade de passageiro, que tudo dependerá dos termos da privatização. Se for para nos aliviar de encargos financeiros que podem ser aplicados em sectores sociais e económicos, melhorando os nossos índices de desenvolvimento e bem-estar, então, tudo bem desde que a mobilidade continue a ser assegurada nas condições actuais. Assim sendo, importará, talvez, que a Região continue, de alguma forma, a ter voz na empresa. Mas não sou especialista em transportes e não gosto de opinar sobre assuntos para os quais não disponho de dados que me permitam emitir um juízo fundamentado. É por esta razão que o que se passa com essa empresa é, para mim, sempre muito confuso. De tal forma que, por vezes, até, julgo, mas isto é apenas uma levíssima impressão, que por ali se cultiva algum esoterismo. Ora, quando isto acontece, manda o bom senso que nos calemos.

Como lida com as novas tecnologias e que sectores devem a elas recorrer para melhorarem o respectivo rendimento?
Já ninguém pode prescindir das ainda chamadas novas tecnologias. Ou as utilizamos, ou a vida neste mundo, tal como hoje a conhecemos, fenece, literalmente. No que a mim me toca, todos os dias navego à descoberta desse admirável mundo novo. As barreiras, que são muitas, vão sendo progressivamente destruídas com a ajuda e boa vontade das filhas e dos netos…

A inteligência artificial está no centro do debate e pode por em risco o ser humano. Até onde deve ir essa inovação?
A inovação sempre assustou o ser humano. Temos medo do desconhecido, sentimo-nos inseguros. Todavia, a evolução da tecnociência é irreversível e vamos ter que, ultrapassadas as naturais resistências, nos adaptar a viver num mundo diferente, como sempre aconteceu ao longo da História. Depois das transformações profundas, tudo tende para a normalização. E nesse futuro próximo, ao estudarem (caso isso ainda se faça) a História, os homens dar-se-ão conta de quão atrasados éramos então nós, em 2024…
O desenvolvimento da ‘IA’ lança-nos num mundo tão extraordinário que, hoje, é para nós muito difícil imaginar e muito mais, ainda, fazer previsões sobre esse futuro. A não ser que ela nos explique um dia destes. Mas, mesmo assim, e por mais clara que seja a explicação, não vamos acreditar. Como não acreditaram na teoria heliocêntrica de Galileu…
A sua utilização será, como todas as tecnologias, aproveitada para o bem e para o mal. Mas isto até é bom que suceda porque significa que ainda podemos, mesmo nesse futuro, dizer, por exemplo, eu estou bem, obrigado!

João Paz

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