Quatro enfermeiras do 1.º Mestrado em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica juntaram-se na criação do Ama(r)mentando, um projecto online com o objectivo de dar a conhecer a importância do aleitamento. Nesta entrevista, falam das taxas de amamentação da Região que estão abaixo da média nacional e da importância de apoiar as mães que, de acordo com as enfermeiras, muitas vezes têm “receio” de regressar a casa por não haver um acompanhamento adequado.
Correio dos Açores – Como surgiu o projecto “Ama(r)mentando “?
Catarina Costa, Juliana Almeida, Filipa Filipe, Alexandra Faria (enfermeiras): – Somos quatro enfermeira a frequentar o 1º Mestrado em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica da Escola Superior de Saúde da Universidade dos Açores. Três de nós trabalham no serviço de obstetrícia e uma no serviço de cirurgia geral do Hospital do Divino Espírito Santo.
Numa unidade curricular do mestrado foi-nos sugerido trabalhar estratégias para a promoção do aleitamento materno na região e surgiu-nos a ideia para criar este projecto. O objectivo principal é dar a conhecer a importância do aleitamento materno à população em geral e apoiar, na medida do possível, na amamentação. Consideramos que a criação de uma rede social seria um meio de divulgação eficaz e mais abrangente para propagar informações sobre o aleitamento materno.
“Amamentando” implica no processo contínuo e presente de alimentar um bebé com leite materno. A palavra “amar” no nome, pode ser interpretado como o amor materno que está implícito na amamentação e está associado não apenas à nutrição do bebé, mas também ao vínculo emocional estabelecido entre mãe e filho. Portanto, “Ama(r)mentando” pode ser entendido como alimentando com amor, enfatizando tanto a ação de nutrir quanto a conexão emocional entre mãe e filho durante o acto de amamentar, sendo uma forma de “Amor que Nutre”.
Escolhemos divulgar este projecto no Dia da Mulher (8 de Março) como forma de empoderar e homenagear as mulheres, promover a conscientização sobre a importância da amamentação e destacar a necessidade contínua de apoio e respeito às mães.
Como esperam influenciar a saúde materna e obstétrica com o vosso projecto?
Esperamos, com este projecto, influenciar positivamente a saúde materna e obstétrica na Região Autónoma dos Açores (RAA), em especial, na área do aleitamento materno. É necessário informar, esclarecer mitos e fornecer apoio na amamentação às famílias.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno exclusivo durante os primeiros 6 meses de vida do bebé (supõe alimentar o bebé apenas com leite materno) e que se deve prolongá-lo até aos 2 anos de vida. Tanto a Organização Mundial de Saúde como a United Nations International Children’s Emergency Fund (UNICEF) verificaram que, em 2023, apenas 48% dos bebés com idades compreendidas entre os 0 e os 6 meses são exclusivamente amamentados em todo o mundo.
O aleitamento materno exclusivo pode desempenhar um papel significativo no reforço da imunidade e na redução do risco de morbilidade e mortalidade de diversas doenças transmissíveis e não transmissíveis quer numa fase inicial quer numa fase tardia, se o aleitamento for mantido correctamente.
Assim, a UNICEF (2019) menciona que o aleitamento materno pode salvar a vida de 820 mil crianças anualmente em todo o mundo.
A amamentação e as suas práticas correctas são essenciais para a concretização de muitos objectivos de desenvolvimento sustentável até 2030, uma vez que pode ajudar a melhorar a saúde infantil e materna, a nutrição, a economia, a inteligência e o capital humano, reduzindo simultaneamente as desigualdades.
O estudo COSI (Childhood Obesity Surveillance Initiative) realizado em Portugal em 2022, verificou que, a taxa de aleitamento materno (90,1%) foi semelhante a 2019 (90,3%) e superior comparativamente a 2008 (84,9%). No entanto a Região Autónoma dos Açores foi a que apresentou menor taxa de aleitamento materno (73,8%). Ainda outro estudo realizado em 2021 por Santos, et. al., foi possível verificar que a prevalência do aleitamento materno na Região Autónoma dos Açores aos 12 meses de vida do bebé, foi apenas 9.3%. Portanto, temos ainda um longo caminho a percorrer. Neste sentido, não basta apenas informar as mães, mas também apoiá-las durante este processo de forma a ultrapassar dificuldades que podem surgir.
Quais são as principais dificuldades que as mães enfrentam com o aleitamento e como é que o projecto pretende ajudar?
Amamentar, pode ser um desafio. Mas com apoio adequado a cada realidade é ultrapassável e acaba por transformar-se numa experiência positiva e enriquecedora para as famílias.
Em relação às dificuldades, existem várias, pois diferem de mulher para mulher. As mais comuns são a dor ao amamentar, a dificuldade na “pega” do bebé à mama, o ingurgitamento mamário, como manter o aleitamento materno no regresso ao trabalho e essencialmente os mitos e tabus muito presentes na nossa realidade açoriana, como o “Leite Fraco” ou “Pouco leite”. Queremos começar a moldar esta realidade, capacitando as mulheres para o aleitamento materno.
O leite materno é constituído por inúmeros componentes, desde: imunoglobulinas (são anticorpos que contribuem para as defesas do bebé), propriedades minerais (potássio, magnésio, cálcio, sódio, entre outros), propriedades vitamínicas (vitamina A, B12 e outras vitaminas), água, proteína, gordura e hidratos de carbono, hormonas de crescimento e agentes antimicrobianos. Ainda acham que o leite materno é “fraco”?
Às vezes as mulheres pensam que produzem pouco leite por não observarem a quantidade que o bebé ingere enquanto está na mama. E não tem problema nenhum. O importante é verificarem se o bebé demonstra sinais de que está satisfeito após a mamada e se aumenta de peso de acordo com o seu percentil. Se extraírem o leite para um copo colector ou bomba extractora, a quantidade de leite não é a mesma que o bebé ingere pois não há instrumento que consiga “imitar” a força e a sucção que o bebé consegue fazer e além disso, este momento de carinho e vínculo com o bebé permite que a mãe produza mais leite enquanto ele está a mamar do que o extraindo manual ou mecanicamente.
Houve alguma inspiração particular ou necessidade não atendida que motivou a união do vosso grupo?
Como algumas de nós já trabalharam com mulheres que amamentam, deparamo-nos muitas vezes, aquando da alta hospitalar, com o receio da ida para casa pois não existem muitas redes de apoio para acompanhar estas mulheres com dificuldades ou inseguranças. Como sabemos a partir dos estudos realizados nesta área, a prevalência do aleitamento materno vai decrescendo ao longo dos meses desde a saída da maternidade e coincide, muitas vezes, com as dificuldades que estas mulheres se deparam e sem rede de apoio para colmatá-las. Este foi o principal motivo para a criação da página, pois conseguimos dar resposta o mais breve possível, actualmente em formato online.
Como garantem a actualidade e a credibi-lidade das informações que disponibilizam?
A evidencia acerca do aleitamento materno encontra-se em constante desenvolvimento e por isso é importante mantermo-nos actualizadas através da evidência científica mais recente. Entidades como a OMS, UNICEF, Liga la Leche são alguns dos exemplos de Organizações que estão em constante actualização sobre este tema. Para além disso, as diversas áreas de saúde têm investido cada vez mais na investigação e, neste sentido, nós temos procurado as informações mais actualizadas que têm sido estudadas sobre estes temas.
Qual tem sido a receptividade do público?
Temos tido um bom feedback e receptividade do público. Recebemos alguns pedidos de ajuda por mensagem na nossa página de Instagram e Facebook, o que evidencia ainda mais a necessidade de projectos desta índole. As próprias mães partilham connosco esta necessidade.
Quais são os próximos passos para o “Ama(r)mentando, Amor que Nutre”?
É um projecto recente onde estamos a dar os primeiros passos e por isso temos muitas expectativas. Estamos dispostas a trabalhar em parceria com outras pessoas ou entidades que pretendam também promover o aleitamento materno. Quem sabe, um dia, fazer workshops e acções de sensibilização ou até mesmo a realização de consultas de acompanhamento à amamentação. Neste momento estamos mais focadas nas nossas redes sociais, divulgando e promovendo o aleitamento materno. Também temos acompanhado algumas mães em formato on-line, com a possibilidade de em casos específicos prestar apoio presencial.
Daniela Canha