Como se esperava, a legislatura começou profundamente confusa e assente na instabilidade. O PS a querer empurrar os sociais-democratas para os braços do Chega, e este a querer atirar o partido vencedor do escrutínio para o colo dos socialistas. André Ventura conseguiu protelar o mais que pôde a eleição do presidente do parlamento, sucumbindo apenas à realidade dos números. Mas conseguiu uma vitória relevante para a sua estratégia, colando os partidos fundadores do regime à eleição, e com isso afirmando-se como o pretenso líder da oposição. Colocando as cartas na mesa para um novo processo antecipado, e respondendo assim à nega de Luís Montenegro, que não conta com o Chega para acordos bilaterais. Mais importante do que lidar propriamente com o partido, é fundamental aprender a lidar com os seus eleitores, muitos dos quais há dois anos tinham votado em António Costa.
Esta transferência automática de votos, que chegou a todos os partidos, é premissa essencial para chegarmos à conclusão sobre como proceder no futuro. Partindo do princípio de que esta direita radical veio para ficar, olhando de forma empírica para outros exemplos, como o caso francês ou italiano, a realidade é que poderemos estar perante uma transformação estrutural do panorama político e partidário nacional. O crescimento à custa dos socialistas, por um lado, e a manutenção do score eleitoral dos sociais-democratas que não cresceram pela perda dos primeiros, aponta claramente para a criação de uma terceira via. Um partido que pode decidir eleições, levando a prazo a que uma das principais forças políticas nacionais possa vir a claudicar. A sua afirmação como líder da oposição, mantendo-se o PS e o PSD como os guardiães do regime saído do 25 de abril, pode fortalecer a sua posição junto do seu eleitorado, tendo ainda margem de crescimento à custa dos outros dois. Tudo dependerá de como irão gerir esta fase, tanto socialistas como sociais-democratas. Se irão continuar a dar-lhe as balas que podem ferir de morte o regime democrático que temos, ou se conseguirão secar a fonte de insatisfação que o fez crescer até à meia centena.
É também evidente que, do ponto de vista de André Ventura, o seu posicionamento andará sempre entre a vitimização e a oposição à conjeturada degradação do regime. A vitimização sempre que os partidos centrais da democracia, em particular o PSD, o deixar de fora de qualquer decisão, tal como aconteceu com a primeira eleição para a câmara.
Sentindo-se desconsiderado por não ter sido escolhido como parceiro privilegiado, usou termos como «espezinhado» para fazer valer aos seus eleitores e militantes a manutenção de uma retórica de quem, apesar do peso e importância que mais de um milhão de votos expressos permite, não se sente com o respeito que lhe seria devido. Depois da vitimização, vem a oposição, e o domínio oratório faz o resto. Mas este é também o espelho da falácia que o acompanhará até ao fim da sua liderança. O que será deste partido quando Ventura o deixar de comandar?
Não sabemos, e o que conhecemos de outros países apresenta várias tonalidades. No caso concreto, julgo que pode ser um fator determinante para a manutenção da sua força, ou o caminho para a sua extinção.
Mas este problema ainda vai longe, e a verdade é que, perante a intransigência do Chega em fazer parte de uma solução, os partidos centrais da nossa democracia, apesar de todos os erros e toda a culpa no caminho para esta degradação institucional, foram os adultos na sala e encontraram uma solução que pode ser um trilho de recuperação institucional importante para o país. Se André Ventura colecionou a primeira vitória, Luís Montenegro colecionou a segunda, fazendo cair por terra a teoria de que o acordo entre o PSD e os partidos à sua direita seria uma consequência dos resultados de 10 de março, quando a realidade revelou precisamente o contrário. E esta realidade foi uma derrota para os socialistas, que colecionaram a primeira vitória consensualizando com o PSD a eleição da presidência da mesa.
Curiosa foi a posição de Pedro Nuno. Primeiro, acusando o PSD de querer juntar-se ao Chega. Depois, quando tal não acontece, acusando o PSD de não ter maioria estável. Esta estratégia, a prazo, pode vir a ser nefasta para o PS. Os eleitores querem soluções, não querem somas que no fim dão sempre zero.
Fernando Marta