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“O turismo açoriano tem potencialidades incríveis, mas não podemos começar a construir a casa pelo telhado”

Podia ter sido professor de História, guia turístico ou desempenhar funções na área social, mas optou pela gastronomia e é hoje confrade-mor da Confraria Gastronómica dos Açores. Porquê esta opção?
“Ora bem! Um professor de História é sempre professor, um guia turístico é sempre guia. E um gastrónomo é sempre um gastrónomo. Porque está umbilicalmente ligado a toda a transversalidade humana. Quer queiramos, quer não, a gastronomia está em tudo, duma ou doutra forma. Sem que seja um defensor de causas perdidas, quero libertar a gastronomia e as confrarias do estigma social a que as remetem”, respondeu António Cavaco que defende que no turismo açoriano se está a começar a casa pelo tecto e que, antes, é necessário que todos os açorianos “ganhem cultura turística”.

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António Cavaco, 72 anos, gastrónomo, troquei a planície, ondulante, que me viu nascer, pelo ondular, atlântico açoriano. Vivo em Ponta Delgada há quarenta e quatro anos. Considero-me açoriano por opção!
Sou católico cristão, praticante e advogo que, as coincidências são a forma de Deus manter o anonimato.

Fale-nos do seu percurso de vida no campo académico, profissional e social?
Na vida académica perco a conta aos cursos e formações. Desenvolvi os estudos escolares regulares básicos. Passei para o ensino técnico, na área de electro-mecânica e frequentei o primeiro ano. Completei os primeiros cursos experimentais da AFPA francesa, de formação profissional da área de soldadura no CNFM (actual IEFP), com formação académica paralela. Transitei para o ensino liceal, na figura de trabalhador-estudante, e terminei o sétimo ano, na área de letras. Fiz uma incursão em biologia, para ingressar em medicina. Entretanto, fui convidado para frequentar um curso de expert, em ligações metálicas (soldadura) em Inglaterra, na Babcok & Wilcoks, em cromo molibdénios de altas temperaturas.
Trabalhei nas OGMA (Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, em soldadura de ligas leves. (sagrei-me Campeão do Mundo, nos antigos concursos de “Valor no Trabalho”, promovidos no âmbito da Mocidade Portuguesa, actuais “Worldskills” (campeonato das profissões).
Na Lisnave, em todo o tipo de soldadura, na área da construção naval. E no Gabinete de Controle de Qualidade e formação. No ISQ (Instituto de Soldadura e Qualidade) técnico de formação e ensaios ND e D (não destrutivos e destrutivos).
No CFPA (Centro de Formação Profissional dos Açores) Formador, Técnico de Formação Profissional e posteriormente Subdirector e Director do centro, até à década de 90.
Recuperei a paragem académica e licenciei-me em História e Ciências Sociais (via ensino). Leccionei na Antero de Quental, passei para a privada e leccionei durante 24 anos na Escola Profissional de Vila Franca do Campo e noutras instituições.
Fiz uma pós-graduação em Gestão Estratégica e Desenvolvimento de Turismo, com frequência de mestrado. Sou Guia Interprete certificado. Desenvolvo actividade na área do turismo, concretamente em gastronomia, ligado à Confraria dos Gastrónomos dos Açores, que fundei, com um grupo de bons amigos, em comunhão na mesma área.

Que influência tiveram os seus pais na sua formação académica e nas suas opções de vida?
Sou oriundo de família humilde, que viveu com dificuldades e limitação própria, de conhecimento. Apoiaram sempre as minhas decisões, que, por influência de bons amigos, fui desenhando na vida.

Como se define a nível profissional?
Considero-me, nas áreas que desempenhei e desempenho, um profissional capaz, com honestidade intelectual.

Quais as suas responsabilidades?
No âmbito da confraria, proteger e defender as tradições gastronómicas, a identidade cultural do território, valorizar os produtos genuínos dos Açores e proporcionar às populações locais e visitantes, internamente e externamente, o conhecimento da cultura gastronómica, como produto turístico.
Como descreve o sentido de família no tempo de seus pais. Qual o sentido que ela tem hoje e que espaço lhe reserva?
O valor da família assentava na cumplicidade dos seus membros. No respeito e na verdade. Havia um veio afectivo de amor e comunhão, que todos partilhavam.
Não quer dizer que se tenham perdido os princípios que referi. Antes se terão alterado. As transformações sociais influenciaram, decisivamente, o funcionamento da pequena célula social.
Arrisco, na minha análise, a dizer que o caminho da história, do todo em agregação, está a ser contrariado, pelo da filosofia, num todo em desagregação.

Que importância têm os amigos na sua vida?
Tremenda! Sem esquecer o princípio do anonimato de Deus, direi que, há pessoas que conhecemos uma vida inteira, e não passam de conhecidos. Mas há outros, que acabamos de conhecer, e temos a noção que nos conhecemos desde sempre. São os amigos! E eles são solidários. São o pilar, por vezes, mais que a família, da sustentação social.

Para além da profissão, que actividades gosta de desenvolver no seu dia-a-dia?
Cozinhar e realizar tours gastronómico/culturais e históricos! Passo a vida a investigar e experienciar na cozinha.

Que sonhos alimentou em criança?
Tantos..! A medicina, ainda paira no horizonte, como actividade de filantropo. O médico dos pobres.

O que mais o incomoda nos outros?
A desonestidade, a arrogância e a mentira.

Que características mais admira no sexo oposto?
A feminilidade e a capacidade emocional de gerir a relação, em cumplicidade.

Gosta de ler? Diga o nome de um livro de eleição?
Gosto! Não tanto como desejaria. “Sociedade em Risco”, de Ulrich Beck

Como se relaciona com o manancial de informação, nomeadamente as notícias falsas, que inunda as redes sociais?
Tento fazer um crivo, com alguma racionalidade e cruzamento de fontes.

Como lida com as novas tecnologias e que sectores devem a elas recorrer para melhorarem o respectivo rendimento?
Razoavelmente, na óptica do utilizador, recorro invariavelmente ao científico cartesiano.

A inteligência artificial está no centro do debate e pode pôr em risco o ser humano. Até onde deve ir essa inovação?
Tudo tem um limite. A história tem-nos provado que, no meio da confusão e incerteza, emergiram cérebros sensatos que colocaram as coisas no caminho certo.

Costuma ler jornais?
Sim! Principalmente, os de proximidade local e os nacionais.

Gosta de viajar? Que viagem mais gostou de fazer?
Muito! Já viajei por quatro dos cinco continentes, só falta a Oceania. O melhor registo de viagem que tenho, entre muitos, foi conhecer o berço da civilização grega.

Que notícia gostaria de encontrar amanhã no jornal?
Que a concórdia e a paz reinava entre os povos.

Qual a máxima que o/a inspira?
A coincidência é a forma de Deus se manter anónimo. E o difícil está feito. O milagre demora mais um pouco.

Em que época histórica gostaria de ter vivido?
Embora tenha a sensação de ter vivido noutro tempo, sinto-me bem naquela em que tenho vivido. Afinal, atravessada por uma série de abstrações…

Quais são os seus gostos gastronómicos? E qual é o seu prato preferido?
Como de tudo! É difícil nomear um prato… mas o meu favoritismo são os peixes. Sem desprezar as carnes.

Podia ter sido professor de História, guia turístico ou desempenhar funções na área social, mas optou pela gastronomia e é hoje confrade-mor da Confraria Gastronómica dos Açores. Porquê esta opção?
Ora bem! Um professor de História é sempre professor, um guia turístico é sempre guia. E um gastrónomo é sempre um gastrónomo. Porque está umbilicalmente ligado a toda a transversalidade humana. Quer queiramos, quer não, a gastronomia está em tudo, duma ou doutra forma.
Sem que seja um defensor de causas perdidas, quero libertar a gastronomia e as confrarias do estigma social a que as remetem.

Tem também formação para desempenhar funções no domínio da Estratégia e Desenvolvimento do Turismo. Qual a sua opinião sobre a forma como está a crescer o turismo nos Açores? Qual deve ser o perfil do turista a que o investimento em promoção deveria dirigir-se?
O turismo açoriano tem potencialidades incríveis. Mas não podemos começar a construir a casa pelo telhado. Para se ganhar o turismo, temos que ganhar cultura turística.
O crescimento do turismo açoriano, resulta da oferta genuína e natural que temos, e que o visitante procura, cada vez mais.
Definir perfis, pode ser um erro, quando temos serviço adequado para o perfil.
Temos que situar a actividade turística como uma actividade de pessoa para pessoa. E o que acontece, não raras vezes, é que esquecemos a pessoa.
A aposta do turismo regional, deve ser segmentada, atendendo aos perfis que nos visitam. Não aos perfis que definimos.

A restauração ainda tem um longo caminho a percorrer em termos de formação para satisfazer o perfil de turista em que os Açores deveriam apostar?
Voltamos à questão “falaciosa” do perfil, que já tratámos atrás. O perfil vem, não se trata, nem molda internamente. Isso é utópico! Aceitamos, recebemos visitantes. Não moldamos. E é sobre esses visitantes que temos que desenvolver produtos… e sobretudo afecto.
A questão da restauração, não deve continuar a ser uma oportunidade de negócio, crua, básica e material, esquecendo a afectividade e a cultura gastronómica. Onde está o “Bacalhau com Minhotes”, a “Galinha na Panela” e outros apontamentos? Que se não os passarmos aos nossos filhos, e continuarmos a ir pelo caminho mais fácil, fast food e outros, perdemos a nossa identidade cultural/gastronómica. Isto é, cultura turística/gastronómica.
A restauração, os agentes, tem que saber falar de, em vez de falar sobre. Que nem isso falam.

Hotéis e restaurantes deveriam apostar mais em refeições regionais? Quer explicar?
Evidentemente que sim! Isso viria coroar o esforço que os Gastrónomos dos Açores e outros agentes veem desenvolvendo, no sentido de colocar a gastronomia tradicional açoriana, um produto turístico, no altar que merece.
Temos, por várias geografias, nacionais e internacionais, bons exemplos de como promover e fazer valer um produto turístico, a gastronomia.
Copiar, não custa. Copiar bem é sinal de inteligência. Copiar, alterando, é copiar mal e sinal de “burrice”.
A gastronomia tradicional açoriana, não precisa ser “mexida”. Precisa é de apresentação. Precisa de outra “roupagem”, mas sem lhe retirar a identidade.

De que forma a comida caseira açoriana é uma mais-valia para o turismo?
Vamos definir de uma vez por todas, que a gastronomia é um produto turístico, por muito que isso doa a muita gente. E a comida caseira, que há muito saiu de portas, é o elemento que melhor nos identifica e preferido por visitantes. É um produto genuíno que tem que ser mais valorizado.

Se desempenhasse um cargo governativo descreva uma das medidas que tomaria?
Essa hipótese não se coloca!
Mas, na eventualidade de poder colaborar, aconselhava a mudança de paradigma no investimento das pessoas. Na auto-suficiência da produção agrícola.

Que analise faz à situação política regional?
A democracia tem destas coisas. Se as pessoas conhecessem os seus limites, não teríamos o quadro que temos.
Falta aos intervenientes espinha dorsal. Verdade, honestidade, respeito por quem os elegeu e exercício político. Mas, infelizmente, assistimos ao exercício de taberna. Lamentável!

Quer acrescentar algo mais que considera importante no âmbito desta entrevista?
Vamos privilegiar o consumo de produtos regionais. Tratar a nossa gastronomia com carinho, com amor, defendê-la contra as invasões…

João Paz

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