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Burnout significa “queimar até ao fim e a pessoa atinge um esgotamento físico e emocional”,afirma a psicóloga Leandra Rebelo

“Vamos falar sobre Burnout” foi o tema da palestra que decorreu ontem, na casa de Casa do Povo dos Fenais da Luz, com o intuito de alertar para esta perturbação ligada ao stress laboral que afecta cada vez mais trabalhadores em Portugal. De acordo com a psicóloga clínica Leandra Rebelo: ‘«Eu não consigo mais e já atingi o meu limite» é uma das frases que mais ouvimos. E, como o próprio nome indica na sua tradução para português, “Burnout” significa “queimar até o fim”: a pessoa atinge um esgotamento físico e emocional com muitas repercussões ao nível da vida pessoal e profissional.’

Correio dos Açores – Qual o seu percurso académico e profissional e que funções exerce na Casa do Povo dos Fenais da Luz?
Leandra Rebelo (Psicóloga da Casa de Povo de Fenais da Luz) – Pertenço à ordem dos psicólogos portugueses desde Fevereiro deste ano. A nível académico, tirei a licenciatura em psicologia na Universidade dos Açores, e em 2021 terminei o mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. Em termos de experiência profissional, fiz o estágio curricular no Instituto Nacional de Emergência Médica do Porto. Portanto, tenho experiência que ao nível da intervenção em crise e também a experiência ao nível da intervenção clínica, dado que o estágio profissional, que me deu acesso à Ordem dos Psicólogos em Fevereiro deste ano, foi no Instituto da Segurança Social dos Açores.
Fiz parte da equipa de apoio à pessoa com deficiência e fiz acompanhamento psicológico de pessoas com deficiência e também cuidadores. Exerço funções na Casa de Povo Finais da Luz desde Dezembro de 2023 e, portanto, para mim ainda é um projecto recente. A Casa de Povo dos Finais da Luz é uma IPS, tem como objectivo principal actuar face às necessidades sociais e culturais da sua comunidade. Neste sentido, tento integrar a psicologia de alguma forma em todas as respostas e projectos sociais que desenvolvemos.

Porque escolheu o tema do Burnout em específico para apresentar neste dia?
Esta apresentação está integrada na Semana da Saúde que se inicia hoje (ontem). As entidades promotoras são a Casa de Povo dos Fenais da Luz e o Instituto da Segurança Social. Frequentemente também estabelecemos parcerias com a Unidade de Saúde e com a Junta de Freguesia dos Fenais da Luz. O nosso intuito era o de incluir algum evento ligado à Saúde mental nesta ‘Semana da Saúde’ e, neste contexto, acabei por escolher o Burnout, pois considero que é um tema pouco conhecido pela comunidade. Para além disso, também tive em conta o público alvo, que é a comunidade e os trabalhadores das várias entidades da freguesia. Quis trazer este tema que é actual e que, infelizmente, acaba por chegar a muita gente. Ou seja, todos trabalhadores estão sujeitos a sofrer esta perturbação. A educação para a psicologia é muito importante, em especial para a prevenção. Neste caso estamos a falar de Burnout, mas poderíamos ter escolhido muitos outros temas.

Pode explicar aos nossos leitores o que é o Burnout?
O Burnout é uma perturbação que surge como resposta à exposição a um stress laboral crónico e que, portanto, está directamente ligado ao contexto laboral. Ou seja, temos um trabalhador que lida diariamente com factores de stress físicos e emocionais e sente que não tem estratégias adaptativas para lidar com estes stressores e isso acaba por culminar numa exaustão e num sentimento de ineficácia. “Eu não consigo mais e já atingi o meu limite” é uma das frases que mais ouvimos. E, como o próprio nome indica na sua tradução para português, “Burnout” significa “queimar até o fim”: a pessoa atinge um esgotamento físico e emocional que tem muitas repercussões ao nível da vida pessoal e profissional.

Quais são os sintomas desta perturbação?
O Burnout tem impacto a diversos níveis, seja a nível físico, emocional, comportamental, cognitivo, social, existencial e laboral. A verdade é que existem dezenas de sintomas, mas, de modo geral, a nível físico, por exemplo, temos a taquicardia; tonturas; alterações do sono, por norma a insónia; alterações do apetite; e, de modo geral, o sistema imunitário fica mais frágil.
A nível emocional, podemos destacar a tristeza; a apatia; a anedonia, que é basicamente a perda da capacidade de sentir prazer em tarefas que anteriormente eram prazerosas; um sentimento de desesperança, frustração e raiva.
A nível cognitivo, temos, por exemplo, dificuldades de concentração; pensamentos recorrentes acerca do trabalho que é aquilo a que chamamos a dificuldade em “desligar o botão”, ou seja, a pessoa chega a casa, mas a cabeça não consegue desligar do trabalho.
A nível comportamental, as pessoas tornam-se mais frias; têm uma atitude mais crítica; tornam-se mais agressivas e reactivas; muitas vezes recorrem ao abuso de substâncias como forma de relaxamento, o que na psicologia chamamos de estratégias de coping desadaptativas, uma forma de resolução de problemas que não é a mais eficaz.
A nível social, verificamos um isolamento, distanciamento e menor envolvimento em interacções interpessoais; uma menor empatia. A nível existencial, temos uma revolta dirigida à vida. E, nível laboral, verifica-se que a pessoa começa a atrasar-se muito mais, a colocar baixas médicas; a faltar ao trabalho; e há uma baixa realização profissional, ou seja, a pessoa acha que o trabalho já não a realiza e muitas vezes demonstra vontade de desistir.

Quais as causas do Burnout?
Como se disse, o Burnout é um distúrbio psicológico causado por stress excessivo. De onde é que advém este stress? Vem, por exemplo, de uma carga de trabalho intensa e persistente — onde muitas vezes os trabalhadores estão sobrecarregados ao ponto de exercerem funções por dois; ambientes profissionais muito exigentes, onde há muita pressão por parte das chefias; aqueles trabalhos em que não há valorização e a pessoa percebe algumas injustiças, por exemplo, eu faço o mesmo trabalho que o meu colega, mas o meu colega mais valorizado. Aquelas profissões em que não há perspectiva de crescimento, ou seja, eu sei que por mais que eu trabalhe 20 a 30 anos, eu não vou subir de categoria, nem vou receber mais por isso; quando há aqui uma carga horária excessiva, ou uma mudança horária repentina em que a pessoa deixa de conseguir conciliar a sua pessoa pessoal e profissional; quando há um mau ambiente entre os colegas e as chefias; situações de violência psicológica no local de trabalho; competitividade entre colegas; quando a rotina laboral está repleta de riscos. Estes são apenas alguns dos muitos os factores que podem contribuir para o surgimento desta perturbação.

Como funciona o tratamento?
Estes tratamentos deverão ser multifacetados, ou seja, é um tratamento que requer uma abordagem integrada em que não podemos ter conta apenas as condições de trabalho, mas também as necessidades emocionais da pessoa, a sua história pessoal e as características da sua personalidade. Pois todas estas questões influenciam a perturbação e a forma como vamos trata-la. Uma terapia que já se demonstrou muito eficaz para o tratamento de Burnout é a terapia cognitivo-comportamental. De modo geral, é uma terapia em que há uma tríade: pensamentos, emoções e comportamentos. O objectivo principal é reduzir o sofrimento emocional da pessoa e para tal temos de identificar os comportamentos disfuncionais e desadaptativos. Ao conseguirmos alterar alguma destas áreas, conseguimos reduzir o sofrimento emocional da pessoa.

Quanto tempo um paciente leva a recuperar de um Burnout?
Como em qualquer outra perturbação, o tempo de recuperação é muito relativo e não conseguimos mesmo fazer uma estimativa. Depende das condições de trabalho e da própria história da pessoa. Imaginemos que a pessoa está em Burnout porque as condições de trabalho são mesmo tóxicas, o que acontece é que, e se essa pessoa tem condições para se demitir e ir para um trabalho onde as condições são melhores, aí a recuperação será mais rápida. Isto porque conseguimos retirar esta pessoa daquele ambiente tóxico, daquilo que está a causar a perturbação. Mas, existem situações em que isto não é possível, em que a pessoa tem de se manter naquele trabalho e aqui a recuperação provavelmente será muito mais demorada. Por vezes, temos de recorrer às baixas médicas porque os sintomas já estão tão exacerbados que a pessoa não tem condições para estar no local de trabalho.

Quais são profissões com mais rico de desenvolver um Burnout?
O Burnout pode ser desencadeado em qualquer tipo de actividade profissional. No entanto, está comprovado que algumas profissões tem uma maior probabilidade de desenvolver esta perturbação, nomeadamente, profissionais de saúde, como médicos e enfermeiros, professores e assistentes sociais. Isto porque são profissões com o elevado nível de responsabilidade para com o outro, e em que há um grande envolvimento emocional com o público com que se trabalha.

O que devemos fazer em termos de prevenção?
Falando em termos de prevenção, no sentido em que a pessoa não tem esta perturbação, mas enquanto trabalhador quer ganhar ferramentas para se salvaguardar. O que é que pode fazer? Temos algumas ferramentas como relaxamento. Por exemplo, toca o despertador e, em vez de eu me levantar e olhar logo para o telemóvel, tirar 15 minutos para mim, seja para ler um livro inspirador, escrever no diário ou para fazer uma pequena meditação. No fundo, tentar incutir estes momentos de relaxamento na rotina. Por exemplo, fazer 15 ou 20 minutos de relaxamento muscular antes dormir, pois está comprovado que tem efeitos muito benéficos para a higiene do sono. Também devemos ter um estilo de vida mais saudável, seja ao nível da alimentação ou da prática de exercício físico, uma vez que está comprovado que o exercício físico liberto hormonas ligadas à felicidade. Ter uma boa rotina de sono também é muito importante, costumo dizer que que nós somos como as máquinas e também precisamos de carregar com uma boa alimentação e com uma boa noite de sono.
Aprender a estabelecer limites e a dizer não. Combater a estima: eu tenho de perceber que não sou auto-suficiente e que tenho os meus limites. Como é que isto pode ser feito? Temos de investir no nosso próprio auto-conhecimento. Por exemplo, fazer um curso acerca da comunicação assertiva, ou seja, como é que eu posso comunicar que eu não sou capaz sem desrespeitar ninguém? Como é que eu posso dizer que não consigo desempenhar uma determinada função sem desrespeitar o meu chefe, por exemplo?
Fazer uma pausa diária nas tecnologias. Muitas pessoas ainda não têm noção do quanto o nosso cérebro fica activado quando nós estamos a usar o telemóvel. Deixar as tecnologias de lado um bocadinho para termos tempo só para nós, para fomentar a nossa criatividade, pois a criatividade é um grande antídoto contra o Burnout. Seja a desenvolver um projecto novo, seja pintar um quadro, seja escrever um livro, etc. Mas também é muito importante que esta actividade para desenvolver da criatividade não esteja ligada ao contexto laboral. Ou seja, desenvolver uma actividade que não tenha nada a ver com o trabalho pois a ideia é fazer com que a pessoa desligue dele.
Para além disso, aprender a gerir o stress. Porque, se o Burnout surge como resposta ao stress, podemos combate-lo mais facilmente se aprendemos quais os sintomas e de que forma devemos lidar com eles.

Considera que os casos de Burnout estão a aumentar nos Açores?
Aquilo que se sabe é que, em Março de 2021, Portugal foi apontado como o país da União Europeia com maior risco de Burnout e que os números têm vindo a aumentar ao longo dos anos. No caso da Região, não posso dar essa informação com qualquer certeza, pois ainda não temos dados para tal.
No entanto, o que se sabe é que, de facto, tem havido um aumento dos problemas ao nível da saúde mental ao longo dos anos, como a ansiedade e depressão. Este aumento verificou-se, em grande número, após a pandemia Covid-19 (incluindo no Burnout), mas também devido a outros factores inerentes à própria população, como as grandes responsabilidades, o desemprego e as condições precárias dos contratos de trabalho, que são causadoras de grande stress e instabilidade.
Daniela Canha

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