Correio dos Açores – Sempre quis jogar à baliza?
Cristóvão Tavares (Guarda-redes do Benfica Águia) – Quando comecei a jogar futebol não era guarda-redes. Apesar de haver uma grande rotação de posições na formação, especialmente quando somos muito novos, jogava quase sempre a defesa central. Depois fui subindo no terreno e joguei um ano a ponta de lança. Num treino, faltou um guarda-redes e o nosso treinador perguntou quem é que queria ir para a baliza. Levantei logo o braço, e queria experimentar apesar de não ter luvas ou outro tipo de equipamento. Até correu bem o primeiro treino a guarda-redes apesar de eu não ter noção do que era a posição. Quando cheguei ao carro, depois desse treino, disse à minha mãe que ia ser guarda-redes e ela a principio não aceitou muito bem, apesar de agora não me ver a jogar em outra posição. A minha história como guarda-redes começou quando um colega desistiu e eu quis ir para a baliza.
É muito comum esta situação acontecer. Em sua opinião porque é que os atletas, na formação, desistem de ser guarda-redes?
Talvez porque é uma posição que não é tanto vista. Quando somos mais novos apenas queremos divertir-nos a jogar, mas depois chega a uma altura em que os atletas querem ser mais apreciados. Cada um é bom a desempenhar o seu papel, seja ele qual for. Isto é algo que nos vamos apercebendo com a idade. Às vezes os jogadores acabam por se arrepender de ter mudado de posição, e chegam inclusive a desistir de jogar.
Os primeiros sete anos da sua carreira foram ao serviço do Santa Clara…
Sempre gostei de jogar futebol e de levar o desporto a sério. Comecei a jogar com cinco ou seis anos. Quando era mais novo, lembro-me bem de chorar quando o SL Benfica perdia. Levava o futebol a sério a esse nível. Hoje em dia, com outra maturidade, claro que vejo o desporto de outra maneira, mas sempre com a mesma seriedade. Nunca tive nenhuma dificuldade quer com os ritmos de treino, quer com os horários. Sempre me entreguei de corpo e alma ao futebol e vou continuar a fazê-lo.
Depois de sete anos no CD Santa Clara, decide trocar de clube e ir para a Escola do Pauleta. A que se deveu esta mudança?
Na altura, um treinador que estava na Escola do Pauleta falou comigo porque iam perder um guarda-redes e queria que eu fosse para lá. Como não estava a ter as oportunidades que eu queria, e que achava que merecia, no CD Santa Clara, decidi dar um passo diferente. Para muitos estava a dar um passo atrás na carreira, mas para mim não era assim. Na Escola do Pauleta temos outras condições, que não temos nos outros clubes. Não há clube nos Açores que tenha as condições que a Escola do Pauleta tem. Pelo menos é esta a minha opinião. Foi lá que realizei os primeiros treinos de ginásio antes de um treino normal, por exemplo. Foi neste clube que comecei a ter contacto com a realidade do que é o futebol num nível mais sério.
E porque é que a Escola do Pauleta não tem seniores, na sua opinião?
Em primeiro lugar por causa da competitivi-dade. A ideia da Escola do Pauleta não é mostrar a parte competitiva, como a maior parte dos clubes faz. Isto a meu ver é muito bom porque não formam só jogadores, formam homens também. Nem todos que estão na formação podem ser jogadores. Claro que não tendo seniores perdem um pouco, porque os jogadores depois dos juvenis têm obrigatoriamente que sair do clube.
O escalão de júnior é o escalão onde se vê quem pode, ou não, ser jogador. Hoje em dia já não se vê muitos juniores a subir aos seniores. Está a perder-se a vontade de jogar futebol federado. Falta um pouco de compromisso.
Acabou a formação no Clube Operário Desportivo. Saiu apenas porque chegou à idade de júnior?
Esta foi a principal razão. Cheguei a uma idade, no último ano de juvenis em que tive mesmo que sair porque não existem mais escalões. Felizmente apareceu a oportunidade de ir para o Operário. O objectivo era jogar nos juniores, mas como estávamos em tempo de Covid começamos a fazer alguns treinos antes da pré-época. O treinador da altura gostou do meu empenho e dedicação e foi me oferecida a possibilidade de ser o terceiro guarda-redes da equipe sénior.
Como foi a sua estreia nos seniores?
No primeiro jogo estava com um nervoso miúdo na barriga apesar de, teoricamente, termos melhor equipa que o nosso adversário. Não me recordo do nosso adversário, mas sei que foi no primeiro jogo da Taça de São Miguel. Estreei-me com o treinador André Branquinho. Ainda não tinha bem a noção do que era jogar ao nível sénior, especialmente num grande clube dos Açores. Queria transmitir confiança, sair bem a jogar e não queria levar golos. No fundo, queria jogar como jogam os grandes guarda-redes. Depois de começar a bola a rolar, o nervoso passou e fiz o que sei fazer.
Em sua opinião, ainda existe muita discrepância entre o nível que existe no escalão de sénior e de júnior?
Cada vez mais existe essa discrepância e a tendência é para aumentar. Há cinco anos atrás mais facilmente um júnior subia aos seniores do que nos dias de hoje. É tudo diferente, desde a estatura, compromisso, toque de bola. As bases que se vão criando também são diferentes. Infelizmente, está a desaparecer muita coisa no futebol.
A que se deve este desaparecimento de certas coisas no futebol?
O que falta hoje em dia, a meu ver, é a palavra. Quando assumimos um compromisso no inicio da época, temos que cumprir. Os clubes gastam muito dinheiro em inscrições e em tentar dar as melhores condições possíveis aos seus atletas. Hoje em dia vemos muitos atletas que assinam no inicio do ano e desistem a meio da época.
Iniciou esta época no Águia…
Esta época decidi dar dois passos atrás para dar um à frente como se costuma dizer. Podia ter continuado a jogar no campeonato dos Açores, pois recebi algumas propostas nesse sentido, mas decidi dar este passo para ter minutos, para ganhar a confiança que tinha perdido por falta de jogos, algo que é normal tendo em conta a minha idade. Fiz oitos jogos durante a minha estadia no Águia. A pré-época correu bem e alguns clubes começaram a falar comigo nesta altura. Acho que fiz bons jogos, quer no campeonato quer na Taça Brito Zeferino. Depois, e especialmente após um jogo em que perdemos nos últimos minutos, começou a faltar alguma motivação ao plantel e isso notou-se em alguns resultados. Surgiram depois duas propostas, uma do Benfica Águia e outra de outro clube da série Açores e eu não hesitei em aceitar a proposta do Benfica Águia, apesar de saber que a manutenção seria um objectivo difícil. Vim com a dedicação e com a vontade de mostrar trabalho para poder jogar num patamar acima e manter o clube na série Açores. Felizmente tenho jogado, fruto do meu trabalho, mas infelizmente a manutenção já não é possível.
Quais são as suas expectativas em relação ao que falta disputar da presente época?
Vou sempre me entregar de corpo e alma em todos os jogos e em todos os treinos. Em termos de objectivos individuais vou tentar sofrer o mínimo de golos possíveis e tentar ajudar o Benfica Águia a conquistar o máximo de pontos possível. Espero que consigamos ter pelo menos uma vitória até ao fim do campeonato.
Em sua opinião, a que se deve esta época menos conseguida do Benfica Águia na série Açores?
Acho que a época foi um pouco mal preparada desde o inicio. O clube esteve 36 anos fechado e quando voltou a abrir, esteve apenas dois ou três anos no Campeonato de São Miguel e subiu logo. A série Açores é uma realidade completamente diferente do campeonato de ilha. Há outro tipo de qualidade na série Açores e é preciso ter um plantel vasto para se ser competitivo.
Tem tido apoio familiar durante a sua carreira?
Sempre tive apoio dos meus pais. Eles sempre me apoiaram e tenho a certeza que sempre me apoiarão. Se não fosse por eles se calhar não estava no futebol. Quando estava na mó de baixo foram eles que me tiraram de lá. Acredito que posso conseguir algo no futebol e o apoio deles é fundamental. O meu pai e a minha mãe são os meus guias no futebol e na minha vida. Eles são a minha chave.
Como era o Cristóvão na escola?
Não aproveitei bem a escola e arrependo-me do que fiz. No 11º ano queria ser jogador à força e deixei a escola. Só queria treinar, porque via a vida que os profissionais tinham. Foi a decisão mais errada que tomei na minha vida. Hoje em dia ter o 12º ano é muito importante.
Tenciona acabar o ensino secundário?
Vou voltar para a escola para acabar o secundário e até estou a ponderar, se Deus quiser, em tirar um curso universitário.
Quem são os seus ídolos no futebol?
Quando comecei era o Hugo Lloris, guarda-redes francês que esteve muito tempo no Tottenham de Inglaterra. Neste momento o guarda-redes com que mais me identifico é o Ederson, guarda-redes do Manchester City.
Até onde acha que pode chegar?
O meu grande objectivo é o de chegar à primeira liga. Vou continuar a trabalhar, como sempre o fiz, com este objectivo.
Frederico Figueiredo