Numa altura em que quase metade da população portuguesa defende o regresso ao Serviço Militar Obrigatório, impõem-se algumas reflexões.
Em primeiro lugar, não podemos esquecer que a defesa de uma nação não compete apenas a um grupo escravizado de cidadãos. Dito de outro modo, não é justo o que sofri na pele em 1986- 1987 e muito menos o sofrimento daqueles que foram obrigados a ir para o Ultramar. Esta foi uma das principais reclamações da Revolução de abril, há 50 anos.
Se por um lado, os vários países da Europa pretendem melhorar a defesa, então os jovens chamados deverão receber um justo salário e não deverão ser maltratados com palavrões e receber todas as frustrações de sargentos que nunca deveriam colocar os pés dentro de um quartel. Os jovens não são “suas Amélias“ e sabem fazer muito melhor do que “bosta”.
A disciplina até seria benéfica para alguns alunos que conheço. Uma a duas semanas daquelas até daria muito jeito. O mesmo não se pode dizer para quem pediu adiamento para completar uma licenciatura na Universidade (das antigas com 5 anos) e que depois vem a ser chamado, já casado, pensando montar uma vida, quando fica a rebolar numa sensação de inutilidade, permanecendo a marchar dias seguidos, em Ordem Unida. O curso, a especialidade? E isso importava a alguém?Foi dado nos últimos dias e à pressa.
Entrei para o quartel da Escola Prática de Administração Militar, em Lisboa, perto do estádio do Sporting, no início de agosto de 1986. Tive de devolver o meu vencimento ao Estado, cerca de 50 000 escudos. Recebi em troca o meu super-vencimento militar de pouco mais de 100 escudos que mal dava para engraxar os sapatos. E a esposa que na altura ainda não tinha profissão? Pois que se desenrascasse! Valeram-nos grandes amigos que tínhamos em Vila Viçosa e que ainda não esquecemos. Depois da especialidade, foi cumprimento nos Arrifes.
Alguns dos meus colegas foram dispensados deste bendito serviço a uma Pátria madrasta para certos cidadãos. Dá para olhar o céu e interrogar: “ onde paira a justiça?!”. E assim o nosso dito Estado Português conseguiu estragar 18 meses de uma das fases da minha vida, que supostamente deveria ser a melhor.
Foi Paulo Portas quem em 2004 pôs fim ao Serviço Militar Obrigatório, sendo na altura Ministro da Defesa Nacional (2002- 2004), na sequência de aprovação ainda no tempo do engº Guterres. A partir daí, os nossos jovens passaram a ter o seu futuro muito mais livre. Alguns, certamente, escolheram este serviço com o fito de poderem ingressar na carreira da polícia, com maior facilidade.Já agora, com reclamação de igualdade de género, será que também tencionam convocar as “mancebas”?
Pois então se é para abraçar esta amarga realidade de uma nuvem negra que paira sobre nós, que as nações (e não apenas a nossa) deem todo o apoio a quem realiza tamanhos sacrifícios.
Nordeste, 2 de abril de 2024
Eduardo Jorge Melo