Um grupo de cinco açorianos – Filipe Costa, Hugo Félix, José Francisco Gamboa, Vítor Félix e Vítor Medeiros – começaram uma vida na Islândia, um país que conta com cerca de 380 mil habitantes, mais 144 mil habitantes que os Açores (236 mil habitantes). Depois da entrevista a Vítor Félix, o segundo entrevistado da série de cinco entrevistas ao jornal Correio dos Açores’é Filipe Costa, de 22 anos, natural de São Pedro, Ponta Delgada. É actualmente empregado de mesa e bar na Islândia e explica como surgiu a oportunidade de viver na Islândia, quais foram as maiores dificuldades sentidas nos primeiros meses e fala sobre o custo de vida no país localizado no norte da Europa.
Como surgiu esta ideia de começar uma vida na Islândia? Porquê esse país?
Filipe Costa (Empregado de mesa e bar) – Tinha um amigo na Suíça que estava sempre a convidar-me para ir viver para esse país, porque ali fazíamos dinheiro. Depois, entretanto, em conversa com o Hugo Félix, que sabia que estava na Islândia, perguntei-lhe como estava a correr a experiência e como era o país. E o Hugo começou a dizer que era tudo muito bom, especialmente a qualidade de vida. Ele tinha começado num hotel de cinco estrelas e estava a progredir na carreira. A nível profissional e financeiro, estava a correr tudo bem. Apesar do custo de vida ser mais caro, o ordenado compensava as despesas. Ele disse-me que se quisesse ir para a Islândia, arranjava-me casa, trabalho e tudo. Disse-lhe que se ele fizesse isso por mim, não tinha hipótese de dizer que não. Comecei a pesquisar como era a vida na Islândia, os ordenados e tudo. Duas ou três semanas depois, fui para a Islândia e tinha-me despedido de onde estava em São Miguel. Arranjei uma entrevista para ficar no mesmo hotel que o Hugo e acabei por ficar a trabalhar lá. Estou lá desde Fevereiro de 2023.
Na primeira entrevista, o Vítor Félix afirmou que “se ganha no mínimo o triplo na Islândia”. Qual é o custo de vida? É muito mais caro em relação a Portugal?
Diria que se ganha pelo menos três ou quatro vezes mais. Em Portugal, estava a ganhar cerca de 800 euros e na Islândia, estou a ganhar, aproximadamente, três mil euros por mês e ainda há as gorjetas.
Em relação ao custo de vida, é, obviamente, mais elevado, mas não há acho que a renda seja três vezes mais cara. Por exemplo, em Portugal, pago 500 euros por um quarto, e aqui não chega aos mil euros. Nem o dobro é. A nível de compras de produtos do supermercado, são mais caros, talvez, o dobro, mas, também, não nos podemos esquecer, que nos Açores paga-se menos impostos do que aqui. Não há uma grande produção aqui, neste país, por isso há muitos produtos importados. O custo de vida é o dobro, mas o rendimento é o triplo ou o quádruplo. Acaba sempre por compensar.
Qual tem sido o seu percurso na Islândia e qual a sua profissão actual? É diferente daquela que tinha nos Açores?
Sempre trabalhei na mesma área, no turismo. Em São Miguel, trabalhava num alojamento local, onde era recepcionista e fazia mesa e bar. Agora faço apenas mesa e bar. No início, tinha dois trabalhos ao mesmo tempo. De manhã, trabalhava no hotel de cinco estrelas a fazer pequenos-almoços, sendo que saía por volta das 15h. Voltava a trabalhar às 16h, num restaurante, até à meia-noite. Dormia apenas quatro ou cinco horas. Fiz isto apenas nos primeiros três meses. Poupei cerca de 15 mil euros. Quando mais trabalhamos, mais impostos pagamos. Por isso, com um part-time quase conseguimos fazer o mesmo salário do que um full-time. E no início, para pagar todas as despesas da casa, a ida para a Islândia, os voos, o depósito da casa, as compras do dia-a-dia, e tudo mais, também, queria puxar muito por mim ao ter os dois trabalhos ao mesmo tempo. Queria ter uma estabilidade financeira.
Ao fim dos três meses, percebi que não posso fazer sempre isso, visto que não é saudável para ninguém dormir apenas três ou quatro horas por dia. Então, tinha de escolher um dos trabalhos que tenho para continuar. Percebi que no hotel tenho mais possibilidades para crescer, pois, por exemplo, se um dia não quiser continuar na zona do restaurante, posso passar para a parte da reserva, da recepção ou de outros departamentos do hotel.
Como tem sido a experiência? Quais foram as maiores dificuldades?
A maior dificuldade foi, sem dúvida, encontrar uma casa. Fiquei, no primeiro mês, na casa do Hugo, pois ele tinha oferecido para ficar, mas como ele ia de férias tinha de arranjar outra casa para ficar. As casas na Islândia são muitas caras, em comparação com Portugal, especialmente eu ia usar o meu primeiro salário para arranjar um local para viver. Há uma grande procura para a quantidade de casas que há na Islândia, há pouca oferta. E, então, nos primeiros seis meses, vivi em quatro casas diferentes. Houve um caso em que fui expulso de uma casa e tive de viver num hostel durante duas semanas até arranjar outra casa. Não é fácil estar sempre a mudar de casa. Tinha de arranjar sempre novos contactos. Agora, felizmente, estou mais estável, tenho um contrato de um ano na casa onde estou a viver actualmente. Moro no centro da cidade. Diria que foi a maior dificuldade, para além do frio. Para quem está habituado a viver com humidade e num clima mais quente como nos Açores, não está habituado ao frio que nós vivemos aqui no dia-a-dia.
A linguagem foi um entrave? Tem falado somente a língua inglesa? Adaptou-se bem à língua islandesa, até ao momento?
Foi das perguntas que fiz ao Hugo antes de ir para a Islândia. Qual era a língua que se fala no país, apenas sabia que a Islândia era um país muito bonito que fazia parte da Europa e conhecia a sua bandeira. O Hugo disse-me que a língua era o islandês, mas toda a gente fala inglês. Ou seja, se sabes falar inglês, vais ficar bem. Fiquei com o pé atrás, porque nem sempre é assim. Por exemplo, se formos a Itália ou a Espanha, se tentamos falar inglês, o espanhol vai querer falar a sua língua. Na Islândia é exactamente o contrário. Todos falam inglês, até as crianças. Se nós dissermos que não sabemos falar islandês, eles são os primeiros a falar em inglês connosco. Os islandeses são muitos simpáticos. Estou lá há um ano e eu apenas sei falar algumas palavras em islandês. Falo basicamente a língua inglesa no dia-a-dia. A verdade é que existem muitos emigrantes aqui, por exemplo, 10% da população da Islândia é natural da Polónia. Ou seja, existe um mundo multicultural no turismo, em que todos têm que arranjar uma língua em comum, neste caso, o inglês.
Quais são as maiores diferenças e semelhanças entre a Islândia e a ilha de São Miguel?
Diria que as maiores semelhanças seriam o facto de, apesar de a Islândia ser um país grande, Reiquejavique é uma cidade muito pequena. Ou seja, circulamos na rua e vemos quase sempre as mesmas pessoas, com as quais temos sempre boas interações. Há várias pessoas que saem de casa e vão à loja de pijamas, porque é como se fosse uma freguesia. Existe, também, o facto de as pessoas deixarem a chave na porta e os sapatos à porta porque ninguém os vai roubar. Há uma tranquilidade aqui como existe, talvez, fora da cidade de Ponta Delgada. Se formos, por exemplo, a Nordeste, ainda vemos algumas pessoas que deixam a chave à porta. Em termos de natureza, o verde é semelhante. O facto de termos a possibilidade de explorar a natureza e a cidade ajuda. Fica quase tudo próximo.
Em relação à diferença, há o frio. Os estabelecimentos fecham bastante cedo aqui, não sei se é por causa do frio. Por exemplo, a maior parte das lojas fechaàs 18h – algumas lojas fecham às 20h ou 21h, sendo que alguns minimercados ficam abertos 24h -, os bares fecham à uma da manhã e as discotecas fecham às 4h da manhã.
Não há muitas diferenças, visto que continua a ser uma ilha vulcânica e a praia é de areia negra. As pessoas são muito acolhedoras. A maior diferença é, sem dúvida, ganhar três ou quatro vezes a mais do que em São Miguel.
Trabalhou na área do turismo nos Açores. Na sua opinião, quais são as maiores diferenças entre os dois locais?
O mercado de turismo é diferente na Islândia. Nos Açores há vários cruzeiros, tal como aqui. Mas, por exemplo, os turistas que vão a São Miguel, talvez, têm uma carteira mais fraca, digamos assim. Na Islândia, apanhamos turistas que vão de cruzeiro até à Gronelândia, uma viagem que custa 10 mil euros, porque passam pela parte norte da Europa. Lembro-me de ter apanhado um casal da Austrália que foi até à Islândia, onde ficaram num hotel de cinco estrelas, e, no espaço de um mês, gastaram 20 mil euros. É muito dinheiro. Acho que não há nenhum cruzeiro que passe por São Miguel que custe 10 mil euros, e, também, o tipo de turista que vai aos Açores, não é um turista com 20 mil euros na carteira e que dá o dinheiro para não se preocupar mais e aceita as indicações dadas. O tipo e o mercado de turismo são diferentes.
Se formos a ver, ambas as ilhas têm a mesma coisa, mas a Islândia fica no Norte da Europa, onde o custo de vida é mais elevado, e depois temos os Açores, que também têm as termas, as cascatas, os trilhos, o verde e é mais barato. No entanto, as pessoas não conhecem tanto o arquipélago. Acaba por atrair estes dois mercados diferentes.
Planeava sair dos Açores há muito tempo? Já tem saudades?
Não planeava sequer sair dos Açores. Gostava do sítio onde estava a trabalhar e tinha um bom patrão. Apenas tive o incentivo desse amigo para ir viver para a Suíça, onde também trabalhava com um rapaz que viveu 10 anos na Andorra que gostou muito de viver e trabalhar lá. O Hugo também me disse para ir viver para a Islândia. Ou seja, todos diziam que sair dos Açores era bom. Ainda não tinha experimentado, mas o Hugo explicou-me que está tudo tão simples. Não foi uma saída planeada, despedi-me às “três pancadas”. Foi tudo tão rápido.
Ainda não fui a casa desde que estou para a Islândia, mas há 10 meses fui a Portugal. Tenho muitas saudades da família e, também, da comida. Acabo por viajar muito, porque tenho essa oportunidade. Como afirmei no início da entrevista, tinha o objectivo de poupar o dinheiro todo e de ter uma base. Mas, desde o início deste ano, queria viajar todos os meses. Tenho essa possibilidade, não só a nível de férias, visto que posso pedir férias quando quiser e os dias que quiser por mês, e ainda tenho dinheiro para me alimentar, pagar a casa e fazer tudo. Não seria possível fazer isto em Portugal. Portanto, tenho saudades de casa, mas não tenho planos de ir a casa durante este ano. A minha família já me visitou e eu já fui a Portugal. Acabo por ter sempre contacto. Por enquanto, não planeio ir a casa nos próximos meses, mas, no próximo ano, quero ir, especialmente porque fará dois anos desde a minha vinda para aqui. Quero matar as saudades de casa e de ir, por exemplo, à Poça da Dona Beija.
Já visitou muitos países desde a ida para a Islândia?
Desde a minha ida já visitei todas as cidades da Islândia; a Escócia (Edimburgo); a Alemanha (Frankfurt); a Bélgica (Antuérpia); e a Itália (Roma). No futuro, daqui a duas semanas, vou à Hungria (Budapeste), em Maio vou à Croácia e em Junho vou a Marrocos. Gostava imenso de viajar, por isso queria viajar muito este ano. Com o salário de Portugal não dava para viajar muito, apenas para viajar uma ou outra vez, por exemplo, a Lisboa ou a Espanha. Para quem quer gosta de viajar, não dá para fazer várias viagens com o salário de Portugal.
O que diria às pessoas que planeiam viver no estrangeiro? Aconselha a Islândia? Porquê?
Aconselho a Islândia porque, em comparação com os outros países, é um dos países onde se ganha mais e se poupa mais. Não foi preciso mais que isso. Tudo depende dos objectivos de cada um. Se alguém quer poupar dinheiro, quer tirar férias, ter um trabalho básico e ter o seu tempo livre, a Islândia é um país perfeito para isso. Portanto, é um sítio onde se vive bem e as pessoas são felizes.
Desde que as pessoas se adaptem a este estilo de vida e tenham a sua própria rotina, então, eu acho que não há nada que impeça as pessoas de o fazer. Talvez, as pessoas tenham receio de ir para um país desconhecido, ou por causa do seu trabalho. Mas acaba por compensar. Este país é perfeito, por exemplo, para quem quer trabalhar aqui durante três, seis ou nove meses e poupar dinheiro para adquirir algo em São Miguel, como um carro ou outra compra mais cara.
Após duas semanas tinha o meu número de segurança social e podia começar a trabalhar. Depois, descobri que podia ter feito online e ficava feito antes de chegar cá.
É mais fácil arranjar trabalho do que arranjar uma casa.
Filipe Torres