Enquanto eles discutiam- o sexo dos anjos -, elas chegavam-se à frente. Em noite decantar às Estrelas, a AASB elegeu uma direcção (maioritariamente) de mulheres.Maria Carolina Soares Carreiro, a nova Presidente, explica porque o fizeram: ‘Aqui na Firma [Ricardo Pacheco · Advogado] tivemos conhecimento de que a AASB estava a atravessar uma fase complicada, no sentido em que não eram conhecidas pessoas que assegurassem a continuidade da direcção da associação. Em virtude disso, eu, como advogada, bem como duas colegas minhas [Verónica Casimiro, vice – Presidente, natural de São Jorge, deu aulas de História na Secundária da Ribeira Grande, e Joana Rosa, tesoureira, de São Roque, da Ilha do Pico], tomámos a iniciativa de abordar a associação no sentido de nos mostrarmos disponíveis para apoiar, e juntamente com outros dois elementos de duas outras ilhas (…).’Ainda que o surf fosse uma paixão do último Verão (ou por isso mesmo): ‘Embora eu e as minhas colegas não sejamos umas praticantes assíduas de surf, sabemos apenas a nível aleatório, tivemos o primeiro contacto durante o Verão de 2023 e é uma prática que nos desperta bastante interesse.’ Seis dias depois, Teresa Canto e Castro e Sílvia Furtado resolvem (de forma prática) um problema (inesperado): enquanto Aparício fecha (ou suspende) o clube dos filhos, elas criam uma secção de surf nos Bombeiros da Ribeira Grande. Ao contrário dos maridos, não praticam surf, mas acompanham militantemente os treinos dos filhos. Seja-lhes feito justiça, as mulheres, ou saltando da prancha ou vigiando da areia os filhos na água -, são (em larga medida) a razão (do sucesso) da (fase decisiva) da implantação do surfing da Ilha. Estão na génese da AASB (a saber: Lili Viana e Madalena Duarte), na primeira direcção (Lili Viana foi vice – Presidente), e (até) na fundação de um clube (Madalena Duarte nos Bombeiros de Ponta Delgada).
Em boa verdade, a direcção de Carolina Carreiro herda desafios difíceis. À cabeça, a quebra no número de federados (atletas ou não). Se a desgraça atinge todos os cinco clubes da AASB, atinge (de forma mais dura) os três clubes/empresas da Ilha de São Miguel. O que poderá isso dizer? Primeiro, são muitos os praticantes que (por discordância, por cansaço, pelos afazeres da vida ou porque querem simplesmente desfrutar as ondas) se afastaram (e ainda se afastam) do associativismo, limitando-se a ‘surfar a sua onda.’ Como fazer regressar alguns deles? Além disso, e aqui residirá (em larga medida) o (grande) problema, acentuou-se o fosso (e o choque) entre os interesses do clube e os da escola. Chegam à ilha cada vez mais turistas, os quais (entre outras muitas experiências) querem experimentar o surfing. Porém, nem todos os que aqui chegam, escolhem as escolas/clubes da AASB. Existem (já) outras empresas na ilha e de fora da ilha (não ligadas à AASB). Por enquanto ‘ainda dá para todos,’ porém, como vencer no futuro a concorrência? Deixar cair o clube? Investir mais na empresa? É um dilema (reconheça-se) de difícil solução. Não é só uma questão de ‘fazer mais ou menos dinheiro,’ é (para alguns) uma questão (bastante) afectiva. Afinal de contas, formaram (um grande número) de atletas e de freesurfers da Ilha. E (pensando no futuro) haviam dado o ‘litro’ na fundação de uma associação de clubes (a AASB). Numa atmosfera bastante volátil, cada qual irá (tentar) resolver o dilema à sua maneira. Em finais de Setembro, o Santa Bárbara Surf Club, de Sérgio Aparício, entregara o espaço (sede do seu clube/empresa) ao Resort de Santa Bárbara. O Azores Surf Club, de Xolim, o outro clube da Ribeira Grande, para ‘se manter e prosperar,’ tem vindo a contratar treinadores jovens, tais como Francisco Benjamim (um fuseiro naturalizado), Gonçalo Azevedo e Peter Healion (estes dois últimos, nados e criados na Ribeira Grande). É neles, e em poucos mais, que a primeira geração (já a dar alguns sinais de cansaço) deposita a sua esperança no futuro. Peter Aloysius Galvão Healion (filho de mãe fuseira e de pai irlandês) tem planos. A 9 de Janeiro, vê ser-lhe inscrita a Eco Surfing Azores, uma empresa marítimo-turística com sede na Ribeira Grande: ‘Aluguer ou utilização de motas de água e de pequenas embarcações dispensadas de registo (Surf, bodyboard, windsurf, kitesurf, skiming, standuppaddleboarding e similares).
Sérgio Aparício, além de ter saído em Setembro do Resort, por razões pessoais, fecha (ou suspende) o clube em meados de Janeiro. Apanhadas de surpresa com a decisão, Teresa Canto e Castro e Sílvia Furtado, mães de três de cinco atletas daquele clube, após o choque inicial, reagem. Não havia alternativa, aproximava-se a passos largos a primeira etapa do circuito regional de surf e de bodyboard marcada para os dias 24-25 de Fevereiro na Praia da Vitória. Tentam encontrar lugar para os cinco atletas órfãos do clube de Aparício nos dois (restantes) clubes/empresa. Sondam João Alves Triki (do Radical Clube). Estaria disposto a recebê-los no seu clube? Não. Sem baixar os braços, foram (ou já haviam ido) pedir o mesmo a Ricardo Ribeiro Xolim. Outro não. Sem mais portas onde bater, como hipótese, terão pensado (ainda) em criar um novo clube. Até que abordaram Marco Medeiros, nadador-salvador ligado aos Bombeiros da Ribeira Grande. Da conversa, surgiu uma alternativa mais fácil e rápida. Criar uma secção de surfing no Clube Desportivo da Associação dos Bombeiros Voluntários da Ribeira Grande: ‘dispunha de piscina, ginásio, espaços para sede e para arrumos e eventual alojamento para atletas.’ O Clube Desportivo fora fundado a 19 de Janeiro de 2015. Ali, praticava-se (já) a natação e o ciclismo. Com bons resultados desportivos. Aproveitar um clube de Bombeiros para criar uma secção de surfing não era inédito, dez anos antes, os de Ponta Delgada (graças a Madalena Duarte e a Sérgio Aparício) haviam albergado (com sucesso inicial, mas, infelizmente, sol de pouca dura) uma secção de surfing. A decisão (naturalmente) caberia ao Presidente: o engenheiro Paulo J. Garcia. Quarta-feira à noite, dia 7 de Fevereiro, apresentaram-lhe a proposta. Paulo Garcia (já posto ao corrente da intenção) nem pestanejou: ‘Somos capital do Surf. Faz todo o sentido ter um clube de surf. Que se abra à sociedade. Para isso vamos ter no verão open days.’ Aliviadas, ganham fôlego para a (louca) correria que se iria seguir. Na quarta-feira de cinzas, dia de São Valentim, 14 de Fevereiro, o novo clube (com o nome de Clube Desportivo dos Bombeiros da Ribeira Grande – SURF) é aceite (oficialmente) pela Federação Portuguesa de Surf e a 20, é admitido pela AASB. Como fosse necessário encontrar um símbolo que identificasse o novo clube, Ricardo Costa e Sílvia (sua esposa) desenharam-no. A secção dispunha (então) de dez federados, no entanto, apenas cinco entram em provas: António Cleto, os irmãos, Artur e Augusto Canto e Castro, Martim Nunes e Sofia Costa.
Quem querem para treinador? Yhorran Gabardo. Um jovem de 28 anos, natural de Curitiba (no Brasil). Aprendeu aos oito anos a surfar com o irmão no litoral do Estado do Paraná. Conheciam-no bem. Treinara os filhos no clube de Aparício. Era também conhecido dos Bombeiros da Ribeira Grande. Fora nadador-salvador na praia de Santa Bárbara. Na altura do interesse do (novo) clube, encontrava-se no Brasil. Na Praia da Vitória, ainda sem treinador, Sílvia e Teresa (muito despachadas) fazem de ‘treinadoras.’ Ou porque a sorte protege os audazes ou porque os principiantes têm sorte, o novo clube ganha os seus primeiros troféus. Nos sub-16 e sub-18 masculinos, ganham ‘Martim Nunes (Clube Desportivo dos Bombeiros da Ribeira Grande) e Manuel Luz (Azores Radical Clube.’ Ainda em masculinos, porém, nos sub-12, ‘António Cleto do Clube Desportivo dos Bombeiros da Ribeira Grande ficou em 1.º lugar e 2.º Simão Silveira GDP.’ De volta a São Miguel, acertam os pormenores finais da contratação como treinador que, entretanto, havia regressado a São Miguel no dia 26 de Fevereiro. Marcado para as 9 horas da manhã de Sábado, dia 9 de Março, o primeiro treino tem lugar (não no Norte, mas no Sul) na praia das Milícias (no seu extremo nascente). Pretendendo este novo clube seguir uma via (também) de surf social, pergunto aos surfistas (da Ribeira Grande) que colaboraram no projecto social de surf de João Brilhante (hoje empresários, muitos ligados ao mar e alguns até sócios dos Bombeiros), se não é chegado o momento de oferecerem o seu contributo ao novo clube? E pergunto (igualmente) ao novo clube se não acharia isso mutuamente vantajoso?
Qual o papel da AASB na formação de novos surfistas (atletas e praticantes)? Numa entrevista recente, a nova Presidente assume-se como herdeira de projectos d direcções anteriores: divulgar a modalidade nas escolas. Reconhece (contudo) que ‘atendendo aos equipamentos que são necessários,’ o surfing é um desporto ‘geralmente’ caro. Encarando o problema de frente, aponta o caminho: ‘devemos direcionar o nosso foco para as famílias com maiores dificuldades financeiras.’ E propõe uma solução ‘Pretendemos fazer isso através da disponibilização de equipamentos, nomeadamente através do apoio directo dos clubes. São eles que muitas vezes dispõem de equipamento que já não utilizam tão regularmente. E também através de apoios privados, uma vez que não nos podemos socorrer apenas dos apoios públicos, como já temos recebido dos municípios e do governo regional.’ E para a Ribeira Grande? A acta da reunião entre a AASB e Câmara da Ribeira Grande (de 26 de Março) aponta no mesmo sentido: ‘(…) incentivar a adesão de novos praticantes da modalidade, proporcionando aulas de Surf a mais crianças e jovens do Concelho.’ Com quatro anos de mandato pela frente e apenas dois meses de trabalho cumpridos, muitas voltas irá dar (certamente) o mundo do surfing. A autarquia (pela sua parte) tem mais dois anos de mandato. Irá a AASB liderar (como lhe impõe os estatutos) o processo? Irão as empresas sobrepor-se aos clubes (desvirtuando a intenção inicial da AASB)? Que impacto terá a redução dos voos das companhias de baixo custo? Com antigos dirigentes da AASB – os senadores -, apoiando os ‘novatos,’ com a adesão de um novo clube e o Wave Gliders (clube/empresa) em vias de entrar na AASB,será que (finalmente) sei rá passar das intenções aos actos?
Será possível à capital do Surf (e ao seu concelho) captar novos candidatos ao Surfing? O panorama não é (nada) risonho. Há outros desportos (futebol, Karaté, etc.) que exercem uma atracção (bem) maior (e eficaz). Depois de João Brilhante (para a Cidade) e de Luís Melo (para Rabo de Peixe), não houve quem (aqui) pegasse (a sério) no surf social. Nem tão-pouco os da terra que aprenderam com eles, apesar dos seus muitos queixumes, o fizeram. Ao contrário do que sucedeu – por exemplo -, com o hóquei. O mar assusta (de morte) os pais (e filhos). Que lamentam nunca saber onde e quando serão os treinos. Que as aulas (sobretudo) e o material (muito menos) são caros. Que fazer (então)? Em vez de uma ida ‘quando o Rei faz anos’ à escola, por que não criar um clube de surf escolar (como há já para o voleibol, por exemplo)? É na escola que a população escolar do Concelho se encontra, é lá que (idealmente apoiando a educação dos pais em casa) se educam novos gostos e se desfazem velhos mitos. E quem pretendesse continuar e não tivesse meios para o fazer, seria apoiado. Nada do outro mundo. Tem resultado em outros lugares. Bem (mas) no fundo, no fundo, o que aqui faz (a meu ver, verdadeiramente) falta, é quem vista a camisola do Surf. Como o fizeram (nas décadas de sessenta e de setenta) para o futebol juvenil (Álvaro Moura, Fernando Anselmo, Álvaro Feijó e José Carlos Teixeira) ou (na década de oitenta) para a introdução do Hóquei em Patins (José Manuel Costa). Camisola, pois.
Merenda, Cidade da Ribeira Grande (continua)
Mário Moura