Sérgio Nascimento, da Olhar Poente
A Olhar Poente organiza o primeiro Congresso Insular “Olhar o Futuro”, sobre “Educação, Cérebro e Mente”? O que se pode esperar?
Só foi possível idealizar este Congresso Insular porque a Olhar Poente tem uma equipa que diariamente concretiza um propósito maior que é o de cuidar e apoiar de forma ímpar todas as crianças que as famílias nos confiam. É muito por elas e eles, pelo seu brio e dedicação, que estamos aqui a falar desta iniciativa. O que desejamos com o Congresso Insular é que realmente faça sentido para as pessoas. Esta é uma oportunidade valiosa para aprender com especialistas de renome internacional, participar nas mesas redondas, compartilhar ideias e experiências. Sejam os participantes pais ou mães, agentes educativos ou profissionais de saúde e investigadores. Mas também para a comunidade, levando-nos a repensar perspectivas diferentes sobre educação no âmbito do desenvolvimento colaborativo. E retribuir, tanto ao poder local que nos apoia como aos investidores sociais que contribuem para obtenção de impacto social na Terceira e nos Açores. Se associarmos que o Presidente da República concedeu o seu Alto Patrocínio – algo que me foi transmitido como inédito na Terceira na temática da Educação, é demonstrativo que este Congresso Insular sai do panorama local ou regional, e passa a ter relevância nacional e até internacional, reforçando a importância e um selo de reconhecimento do trabalho das organizações sociais no território onde intervêm perante os desafios e necessidades que nos são exigidos pelas pessoas.
A Região está no fundo dos indicadores nacionais em termos de Educação. Qual é a importância de debatermos estes temas?
Há tempos li que a educação nos Açores tinha alcançado os melhores resultados da década. Veio logo quem afirmasse o contrário. Mas ambas as interpretações basearam-se na taxa de retenção e abandono precoce, apenas e só. Um pouco como os rankings das escolas, hoje felizmente com outros critérios de análise. Talvez seja preciso expandir mais as nossas mentes. A participação, ou a falta dela, da comunidade educativa (stakeholders) na vida da escola deveria ser um dos indicadores prementes. Uma escola mais colaborativa estimulada por inteligência colectiva. Mas também o indicador de equidade para ajudar aperceber se temos uma escola cada vez mais equitativa. São apenas dois exemplos no meio de dezenas de outros. Não nos parece sensato, colocar, como tantas vezes assistimos, o ónus do problema nos professores, embora tenhamos presente que é necessário e em alguns casos urgente uma mudança conceptual do funcionamento de algumas escolas, inovando o currículo, estabelecendo um círculo de confiança entre aluno-professor, envolver de forma carinhosa as famílias e parceiros educativos e ser inclusiva sem necessidade de dizer que o é. Hoje, existem muitos alunos que nem sabem o nome do professor e dos colegas. Desumanizámos assim tanto a “nossa” escola? Daí que, pretendemos que este Congresso Insular seja um espaço para uma discussão ampla tendo por base temas muito actuais e fundamentais na Educação que queremos para o futuro.
É essencial começarmos a olhar para áreas como a neurociência para prepararmos respostas educacionais?
Vejamos, para quem nunca ouviu falar ou pesquisou o tema pode ser algo estranho de início, mas rapidamente passa a fazer todo o sentido. Aconteceu comigo. Não podemos dissociar educação e saúde, são áreas interligadas. Na equipa da Olhar Poente temos profissionais de saúde afectos ao projecto Inclusão e Intervenção Precoce e uma das quais, a psicóloga júnior Valéria Valente, teve que defender muito bem esta sua paixão pela temática. E ao mesmo tempo dar-nos a conhecer o trabalho da renomada investigadora e professora universitária, Joana Rato, que irá precisamente falar-nos no dia 31 de Maio e esclarecer toda a plateia. Como podemos projectar uma escola inclusiva e uma sociedade inclusiva se não temos acesso a informação, baseada na evidência científica, sobre Neurodiversidade? Como podemos compreender as singularidades de aprendizagem e seleccionar estratégias pedagógicas eficazes e baseadas na ciência para uma criança com Perturbação do Espectro do Autismo ou para uma criança com Perturbação da Hiperatividade e Défice de Atenção? São estas questões que o pessoal docente, as famílias e toda a comunidade devem conhecer, é um direito que lhes assiste. As recomendações científicas dizem-nos que não podemos permitir que as crenças sobre aprendizagem atrapalhem as tomadas de decisão pedagógicas, é por isso, necessário que a comunidade educativa se aproxime, como recomendado pela OCDE (2005), da discussão sobre a interface Educação-Neurociências. Já lá vão quase 20 anos, esta recomendação.
As nossas escolas têm de estar mais despertas para a integração de crianças e jovens LGBTI+?
As escolas estarão tanto mais despertas quanto mais todos fizermos parte dela. Daí que, iremos falar de temas como a Inteligência Emocional e Inteligência Artificial na Educação, Intervenção Precoce, Neurociência na Educação. E veja-se a comunicação que irá proferir o professor catedrático Jorge Adelino Costa intitulada “Inclusão em Educação depois da Infância: que respostas da Universidade?”. São questões que nos tocam a todos, de uma forma ou outra, mais ou menos directa ou temporal. Respondendo em concreto à sua pergunta, a professora Sofia Neves, numa Tertúlia que em 2023 organizámos e a convidámos, afirmou aquilo que dificilmente alguém dirá o contrário: as crianças e jovens LGBTI+ têm, como todas as outras, direitos inalienáveis, que têm de ser integralmente respeitados. Pela sua vulnerabilidade acrescida, todos os esforços devem ser empreendidos para que a sua integração nos diferentes contextos seja efectiva. Porque estas crianças e jovens são mais susceptíveis à opressão, à discriminação e à violência, fenómenos que comprometem a sua saúde e bem-estar, é imperativo que se desenvolvam acções de protecção e de promoção dos seus direitos.
O nosso sistema educativo está, de certa forma, deslocado do conhecimento mais recente nas ciências que estudam o cérebro?
Ninguém melhor do que os professores, os assistentes técnicos e operacionais para nos ajudarem a responder. Pelo que vou tendo acesso nos contactos que estabeleço, existe uma opinião quase unânime que o ensino necessita de uma reforma estrutural. Para isso é preciso encontrar saberes, aprendizagem em pares por uma educação interdisciplinar que está cada vez mais tecnológica. O que pretendemos contribuir com a organização do Congresso Insular é que as decisões, sejam elas quais forem, possam ser baseadas em evidências científicas e democraticamente decididas pelos vários agentes e intervenientes. Pelas leituras recentes que tenho feito e pelas conversas que vou estabelecendo na preparação deste evento, a Neurociência Educacional pode ser um valioso parceiro para levar a cabo essa mudança e estou muito curioso por assistir atentamente às comunicações dos palestrantes. Poderá ser um passo essencial para que os professores adoptem estratégias pedagógicas inovadoras e efectivas, as crianças e jovens escolham práticas de estudo mais eficientes e com outro grau de autonomia, os pais e mães promovam situações que favoreçam a aprendizagem e os gestores que se assumam como líderes autênticos e do lado da mudança. Existem riscos associados, claro que sim, mas não podemos ser comedidos e limitados enquanto profissionais e muito menos enquanto pessoas.
Este congresso pretende ser um pontapé de saída para outros?
Em nenhum momento pensei num próximo. E estou convencido que a Comissão Organizadora do Congresso Insular também não. Estamos sim muito entusiasmados para fazer deste um evento singular. O contributo de vários parceiros onde se inclui empresas com responsabilidade social que tornaram possível agregar os 4 arquipélagos da Macaronésia, juntar 12 palestrantes onde se inclui o professor Daniel Medina, da Universidade de Cabo Verde e Maria del Sol, da Universidade de Las Palmas, ter uma Comissão Científica composta por 35 professores doutores, alguns catedráticos, que leccionam em universidades de Norte a Sul do País, Madeira e Açores, envolver 5 universidades onde se inclui a dos Açores e 4 organizações sociais. E também iremos contar com profissionais do Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira a participar activamente nas mesas redondas, lado a lado com os oradores.