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“O conceito de ser bartender ainda está muito por desenvolver nos Açores”, explica José Francisco Gamboa, que está na Islândia há 10 meses

Um grupo de cinco açorianos – Filipe Costa, Hugo Félix, José Francisco Gamboa, Vítor Félix e Vítor Medeiros – começaram uma vida na Islândia, um país que conta com cerca de 380 mil habitantes, mais 144 mil habitantes que os Açores (236 mil habitantes). Depois de Vítor Félix e Filipe Costa, o terceiro entrevistado da série de cinco entrevistas ao jornal Correio dos Açores é José Francisco Gamboa, de 24 anos, que cresceu em Rabo de Peixe e viveu recentemente em São José, Ponta Delgada. É floater (bartender) no The Reykjavik Edition Hotel, um hotel de cinco estrelas. O jovem açoriano emigrante afirma que há uma desvalorização no ramo da hotelaria nos Açores e explica a rapidez de ter um número de contribuinte e uma conta bancária na Islândia.

Como surgiu esta ideia de começar uma vida na Islândia? Porquê esse país?
João Francisco Gamboa (Floater [Bartender]) – A ideia da Islândia apareceu na minha vida há três anos, quando o Hugo foi para lá. Ele convidou-me para entrar a essa experiência, mas naquela altura tinha vínculos emocionais muito presos na ilha. Por isso, decidi ficar pela ilha, e não aceitei, à primeira, este convite. Deixei sempre a porta semi-aberta para ir para na Islândia. E mais tarde, dois anos depois, foi há quase um ano, em Junho de 2023, resolvi juntar-me a esta experiência.

Na primeira entrevista, o Vítor Félix afirmou que “se ganha no mínimo o triplo na Islândia”. Na segunda entrevista, o Filipe Costa falou sobre o custo de vida na Islândia ser superior aos Açores. Na sua opinião, a qualidade de vida nesse país é melhor do que nos Açores?
O salário, como o Vítor disse muito bem na primeira entrevista, depende do trabalho e salário que se tem em Portugal, mas sim, ganhamos mais aqui até três vezes e meia mais pelo mesmo trabalho relativamente aos Açores. E a nível de custo de vida, é semelhante ao salário. Reiquejavique é das cidades mais cara para se viver na Europa, mas o alário consegue dar uma vida mais equilibrada em todo o sentido, permite estabilizar toda a vertente da vida. Apesar de esta cidade ter um custo muito mais elevado, o salário acaba por dar a possibilidade de ter uma vida digna, pagar as contas no fim do mês e fazer viagens múltiplas vezes para quem quiser. Outra grande diferença é que a Coroa Islandesa (moeda da Islândia) acaba por ser o Euro para mim aqui.

Qual tem sido o seu percurso na Islândia e qual a sua profissão actual? É diferente daquela que fazia nos Açores?
Quando estava a trabalhar em São Miguel, estava a gerir um estabelecimento no centro da cidade, também, na área da restauração. E quando surgiu essa oportunidade da Islândia, apareceu no tempo peculiar na minha vida, pois o restaurante foi vendido para um novo conceito e eu decidi que estava preparado para abraçar uma nova experiência. Sempre quis ter uma experiência fora de Portugal e onde fosse totalmente autónomo porque, em São Miguel, apesar de viver sozinho há alguns anos, sempre tinha o suporte da minha família, eles precisavam apenas 10 minutos para chegar a casa. Era tudo um bocado mais fácil. Queria abraçar a experiência autónoma num país totalmente desconhecido que queria visitar.
Comecei a trabalhar num restaurante sazonal, e foi no Verão do ano passado, em Junho, numa das vilas mais a este da Islândia e das mais paradisíacas, Seyðisfjörður. Foi um lugar onde o Hugo começou a sua experiência. Basicamente, eu sinto que estou a andar por cima das pegadas de um colega meu, visto que ele já tinha passado por essa cidade. Foi uma experiência em todo o sentido fenomenal, desde o autodesenvolvimento até ao facto de conhecer uma nova cultura. Depois, fiquei a trabalhar Junho até Setembro, e então como estava a acabar a época alta em Seyðisfjörður, concorri para um lugar no Edition, que é uma grande marca de cadeia de hotel, no hotel de cinco estrelas, The Reykjavik Edition Hotel,e é onde trabalho até agora, num lobby bar, onde passo por bartender e floater.

Trabalha como bartender. Acredita que há uma desvalorização da profissão em Portugal?
O conceito de ser bartender ainda está muito por desenvolver nos Açores, e em Portugal no geral, mas mais nos Açores. Nós temos excelentes bares, mas a ideia de ser bartender é diferente. Quando se fala em bartenders, principalmente em hotéis de cinco estrelas, já é preciso um conhecimento maior. Mas em São Miguel já se vê muitos bons bartenders, mas ainda são poucos.
Acho que, em geral, a situação do ramo da hotelaria ainda é pouco valorizado. Há pessoas a receber o salário mínimo em São Miguel e que trabalham em horários de almoço e do jantar, por exemplo, ficam todo o dia a trabalhar e recebem o que recebem no final do mês. É um bocado triste ver pessoas a receber o mínimo, porque quando não se está confortável a nível económico, as pessoas acabam por não ter o mesmo modo de dedicação e o desempenho no trabalho. Qualquer ramo deveria ser mais valorizado. São sempre experiências gastronómicas para os clientes. Mesmo a parte da gorjeta, acho que ainda é preciso ser melhorado e valorizado em São Miguel. Os islandeses não gratificam muito porque os salários já são dignos de qualquer profissão. Nos Estados Unidos da América, verifica-se que a taxa de gratificação é maior porque os salários comparativamente aos outros trabalhos são mais baixos. É uma forma de compensar e mostrar que gostou do trabalho.

Como tem sido a experiência? Quais foram as maiores dificuldades?
Abracei a experiência, como já disse, de querer algo diferente. Claro que ajuda ter salário melhor, mas foi mais para ter uma experiência fora de Portugal. No entanto, claro que não foi tão fácil. Houve momentos em que tive de ponderar. É como tudo na vida, há altos e baixos, principalmente quando se está menos forte. Quanto à Islândia em si, considero a língua islandesamuito difícil e eu sei falar quatro línguas fluentemente – português, inglês, espanhol e francês. Islandês é uma língua que não consigo falar fluentemente, mas sei algumas palavras, como dizer ‘bom dia’, ‘obrigado’, ‘até amanhã’, entre outras. Facilita-me que os islandeses acabam por falar sempre em inglês.

A linguagem foi uma das maiores dificuldades. E o clima?
Há um frio muito mau. Antes nunca tinha experienciado tanto frio, nem tinha tocado em neve. No entanto, há sempre uma forma para contornar, como recorrer ao exercício físico e ir às termas artificiais para tomar um banho. Quem quiser fugir ao frio sempre consegue, principalmente à escuridão, que muitos podem considerar depressiva. No Inverno, as noites são muito longas, em muitos dias temos apenas quatro horas de dia. O frio é, sem dúvida, uma grande barreira para a confortabilidade.

Quais são as maiores diferenças e semelhanças entre a Islândia e a Ilha de São Miguel?
Em relação às semelhanças, acredito que seja fácil. Ambas são de origem vulcânica, quando estava a viver na parte mais a Este da Islândia reparei muitas semelhanças com a ilha, onde conseguimos ver paisagens parecidas com São Miguel, o que dá para curar um bocado as saudades.
Sobre as diferenças, além do clima, da língua e da moeda, há as aurora boreais, o que é algo muito interessante, bonito e terapêutico.

O Filipe tinha dito que o povo islandês é acolhedor como o povo de São Miguel. Concorda?
O povo islandês quando conseguimos estabelecer um contacto com eles, conseguimos sentir um abraço de boas-vindas. No entanto, em comparação com o povo açoriano acho que são um povo mais distante. Em São Miguel, por exemplo, se um turista começar a falar com os micaelenses, tenho quase a certeza absoluta de que se continuarem a falar, vão beber uma cerveja no final do dia. Aqui, são mais distantes na primeira interação. Mas depois acabamos por ter uma boa ligação!

Planeava sair dos Açores há muito tempo? Tem saudades da ilha de São Miguel?
Sempre tive um bichinho para querer sair e ter uma experiência fora, por exemplo, desde a altura da Escola Antero Quental, onde, inclusive, a minha professora de Economia C no 12.º ano, que aproveito para mandar-lhe um beijinho, perguntou-me ‘porque tens essa vontade de experienciar algo no exterior, se depois vais perceber que em São Miguel existe uma qualidade de vida onde não existe em lado nenhum’. Isto para dizer que sinto muita saudade de São Miguel. Não regressei desde que optei pela Islândia, mas, daqui a um mês e tal, estarei de volta à ilha. Esta saudade surge porque apesar de nós não recebermos muito em São Miguel como aqui, não nos conseguem tirar a beleza natural, que é inigualável nos Açores, e o bom clima – mesmo sabendo que às vezes faz as quatro estações num só dia. Não há salário que pague o poder de ir dar um mergulho ao pesqueiro. Nós temos uma grande qualidade de vida em São Miguel. A comida, que é algo que não referi nas diferenças, na Islândia é muito diferente. Não há muita comida feita localmente, é quase tudo importado. Quero fazer a minha reforma em São Miguel, sem dúvida.
O que diria às pessoas que planeiam viver no estrangeiro? Aconselha a Islândia? Porquê?
A nível de viver no exterior, acho que cada pessoa é uma pessoa. Ou seja, cada pessoa deve escolher aquilo que quer no momento e da vontade da pessoa. Mas aconselho viver no estrangeiro. Percebemos a qualidade de vida nos Açores e faz-nos crescer. Apenas olhando de fora conseguimos perceber o quão sortudos somos por termos nascido no arquipélago.
Em relação à Islândia, o clima, em primeira impressão, é um bocado chato de lidar, como tudo na vida nos Açores. Mas em termos de burocracia é mais fácil. Em menos de três dias na Islândia, consegui ter o meu contribuinte, que se chama Kenitala, e consegui ter uma conta bancária no mesmo dia. Ou seja, é tudo facilitado, até porque pertence à União Europeia. Qualquer pessoa que esteja a pensar em emigrar, acho que é uma excelente experiência, e a Islândia é um país muito indicado para tal experienciar.
Quero, ainda, aproveitar este momento para mandar um abraço e um beijinho para todos os micaelenses. Costumam dizer que estamos sempre a olhar para o quintal do vizinho e esquecemo-nos de olhar para o que é nosso. Por isso, quero dizer que têm de aproveitar que a ilha tem para vos oferecer. É algo que nem com três ou quatro salários daqui vos paga.

Filipe Torres
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