O ex-Reitor da Universidade dos Açores, Jorge Medeiros, admitiu ontem, numa ‘aula aberta’ na Universidade dos Açores que há características nas plantas dos Açores que podem ser utilizadas no combate contra algumas doenças, nomeadamente, a doença de Alzheimer. Jorge Medeiros, ao longo da sua investigação, estudou cerca de 400 espécies de plantas com substâncias flavonóides, 200 das quais apresentam actividades biológicas. Durante a homenagem prestada pela Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade dos Açores, foi também relevado o trabalho que desenvolveu, em conjunto com o ex-Reitor Vasco Garcia, para lançar nos Açores os primeiros anos da licenciatura em Medicina.
Correio dos Açores – Como é que se sente em dar a sua última aula aos alunos da Universidade dos Açores?
Jorge Medeiros – Gostaria de considerar isto como fazer um ponto daquilo que eu desenvolvi, quer na área da investigação, quer na área docência ao longo de 45 anos. E, por isso, pronto, também sei que é a minha última aula que vou dedicar a todos os meus antigos alunos.
O tema da sua conferência são os flavonóides e a sua importância para os Açores…
Bom, os flavonóides são umas substâncias que são produzidas pelas plantas e que têm várias actividades biológicas. Portanto, têm sido usados na luta contra o cancro, na luta, por exemplo, contra a Covid, na luta contra vários cancros, como o da mama, ovário, bexiga. Bem como anti-HIV, anti-inflamatório e, portanto, tem várias actividades.
O primeiro composto que eu isolei em doutoramento no Missisipi State University nos Estados Unidos, foi precisamente um flavonóide. Nós criamos uma certa relação com essas classes que extraímos e isolamos. Daí que eu tenha tido sempre esta afeição pelos flavonóides.
Os flavonóides podiam ser explorados, nos Açores para, por exemplo, produção de vacinas ou cura de doenças?
Pois, acontece que, realmente, eu fiz uma procura relativamente a cerca de 400 e tal espécies de flavonóides existentes nos Açores. Destas, 209 já tinham sido estudadas quimicamente e destas 209, 75% contêm o flavonóides que apresentam actividades biológicas. Portanto há várias plantas que uso como exemplo pois apresentaram muita actividade, inclusive, contra a doença de Alzheimer e que podiam ser explorados aqui na Região. Por isso mesmo faço um apelo aos meus colegas, quer ao Governo Regional, quer aos empresários desta terra, quero à classe médica dos Açores, quer até também aos meus antigos alunos, para que dêem a importância àquilo que tem e não se fiquem só maravilhados por aquilo que vem do exterior. Porque nós realmente temos possibilidades de ter defesas que foram criadas pela própria natureza para as plantas poderem viver num ambiente com as especificidades que tenham os Açores.
Para além deste apelo, tem alguma outra mensagem que queira deixar?
O que acho é que isto foi realmente um trabalho pioneiro. Sou, talvez, a primeira pessoa que começou a desenvolver, que começou a extrair e a identificar vários produtos das plantas que tinham actividade biológica, e, portanto, considero que o meu trabalho só terá os efeitos que eu gostaria que tivesse se, realmente, reconhecerem a importância que estes flavonóides têm.
Reconhecimento
Francisco Martins, Vice-reitor para a Administração, Planeamento e Infra-estruturas da Universidade, realçou a “brilhante carreira” de Jorge Medeiros que, em sua opinião, “chegou ao topo de dois diferentes ramos, tanto da docência como dos anos que esteve há frente tanto vice-reitor como pró-reitor e que entregou parte da sua vida e da sua saúde a esta casa.” Transmitiu “o sentido de reconhecimento institucional pelo seu contributo e por tudo o que fez pela Universidade dos Açores”, e como disse, que Venham daí estes flavonoides!”
Helena Vasconcelos: Jorge Medeiros
internacionalizou a investigação
Helena Cristina Vasconcelos, Presidente da Faculdade de Ciências e Tecnologia, considerou Jorge Medeiros “um professor excepcional, alguém que dedicou décadas da sua vida ao ensino e deixou um legado significativo na nossa comunidade” da Universidade dos Açores.
Considerou “importante não apenas celebrar as conquistas e contribuições do professor Jorge Medeiros, mas também reflectir sobre o impacto duradouro que estes tiveram e continuarão a ter na vida da academia e das gerações presentes e futuras”.
Disse estar “ciente da enorme responsabilidade de fazer justiça a um percurso académico tão distinto e notável como o professor Jorge Medeiros”, referindo que a aula aberta “marcou o reconhecimento do mérito de um destacado membro da nossa Universidade. Uma sessão em que a nossa instituição reconhece o percurso exemplar do professor Jorge Medeiros.”
“Ao longo da sua notável carreira”, disse, o professor Jorge Medeiros “inspirou e influenciou gerações de alunos, com a sua paixão pelo conhecimento e o seu compromisso inabalável com excelência académica. A sua dedicação incansável, a sua abordagem cativante e, por vezes, também muito peculiar e o seu profundo entendimento da química deixaram o impacto mudável em todos os que tiveram o privilégio de aprender com ele.”
Ao longo dos anos em que leccionou na academia, Jorge Medeiros, segundo Helena Vasconcelos, “não se limitou a transmitir conhecimentos. Também promoveu valores essenciais, como a integridade, o respeito e a empatia, não só entre os colegas que com ele trabalharam, mas também nos seus alunos. Indo além das teorias e dos conceitos, inspirou-nos a apreciar o mundo natural através da química. Por outro lado, também contribuiu significativamente para a internacionalização da investigação levando os Açores além fronteiras”.
Como autor de várias publicações e fundador do grupo de investigação em químicas dos produtos naturais, Jorge Medeiros “trouxe à Universidade dos Açores esta importante área científica reconhecida a nível mundial, que se consolidou em definitivo na nossa comunidade académica”, disse.
Portanto, é com profunda admiração e respeito que a Faculdade de Ciência e Tecnologia “se junta a esta merecida homenagem ao professor Jorge Medeiros”.
Vasco Garcia: “Jorge Medeiros
lançou licenciatura em Medicina”
O Ex-reitor da Universidade dos Açores, Vasco Garcia, interveio também para destacar as qualidades do homenageado desde o tempo do Instituto Universitário dos Açores, em 1976. Referiu-se ao período em que Jorge Medeiros esteve a acabar a licenciatura em Engenharia no Instituto Superior Técnico, e estava a fazer uma mini tese ou um relatório de licenciatura sobre a eutrofização da Lagoa das Sete Cidades.
Contou o episódio em que um barco de borracha levava a equipa de investigadores, entre eles Jorge Medeiros, “para o meio” da lagoa das Sete Cidades para fazer” as medições do oxigénio e da turbidez, e tínhamos, com muito sacrifício, comprado uma parede chamada um oxygen meter, que media a oxigenação água. Não sei por que carga de água o barco virou e foi tudo para dentro da lagoa. Quando eles me aparecem nas instalações precárias que na altura ocupávamos na ala direita da estação agrária de Ponta Delgada, onde são hoje os serviços de desenvolvimento agrário, vinham todos pingados e eu perguntei o que sucedeu? E eles responderam o barco virou, depois perguntei: e o oxygen meter onde está? E eles responderam ‘oh senhor, a gente salvou-se’. Pedi desculpas porque a minha primeira preocupação não tinha sido se alguém se tinha afogado, mas sim com o oxygen meter…”
Jorge Medeiros passou depois, a uma fase diferente em que, com uma bolsa do Governo Regional fez a tese de doutoramento nos Estados Unidos. Foi para a Universidade de Mississípi, em Star Ville. “A coisa correu tão bem que ele foi convidado para ficar lá. Na altura, telefonou-me a pedir a minha opinião e eu disse que ele é que sabia. Há um pormenor que não vou contar, que tem a ver com a vontade que a Guida, esposa do Jorge, tinha para voltar aos Açores. A verdade é que para nossa felicidade, ele voltou para integrar a nossa Universidade. Fez a brilhante carreira que todos conhecemos e que hoje homenageamos”, realçou Vasco Garcia. Destacou a “categoria” com que o homenageado desempenhou as funções de seu vice-reitor, chegando a ser responsável pela grande missão instaladora de um curso que “é, talvez, o curso com mais sucesso na área científica, que é o curso de Medicina. E essa comissão instaladora foi liderada, por minha nomeação, pelo professor Jorge de Medeiros. Deixamos tudo preparado para arrancar com a licenciatura quando eu deixei a reitoria em 2003”. Depois foi Vice-reitor do professor Avelino Menezes “e por aí fora até hoje. Estava convencido que ele ainda estava ao serviço. Quando hoje, numa conversa, descobri que ele estava aposentado eu não queria acreditar. Como é que é possível? Tão novo, ainda está em grande forma!”
FF/JP