Patrício Raposo é um jovem açoriano licenciado em Desporto pelo Instituto Politécnico de Beja e, de momento, a tirar o mestrado em Ensino da Educação Física na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. No dia 27 de Agosto de 2022, criou o ‘Prime Foot Training’, um projecto especializado em treino individual de futebol em São Miguel. Depois de ter passado vários anos como jogador, foi treinador, observador e analista. Em entrevista ao Correio dos Açores, Patrício explica quais foram os motivos para criar este projecto, o feedback das pessoas e as suas ambições para o futuro. Tudo começou quando o coordenador de formação do CD Santa Clara lhe pediu para treinar um jovem jogador da Escola do Pauleta que esteve a estagiar no Futebol Clube do Porto.
Correio dos Açores – Como surgiu este projecto? Há quanto tempo?
Patrício Raposo (Fundador do ‘Prime Foot Training’) – O projecto já estava planeado há muito tempo para abrir em São Miguel. A decisão surgiu em meados de Agosto, quando fui contactado pelo coordenador da formação do CD Santa Clara porque tinha um jovem jogador da Escola do Pauleta que ia ter treinos no Porto e achou que eu era a pessoa indicada para dar treinos. Dei alguns treinos ao miúdo, uma semana antes de ele ter ido estagiar aos sub-13 do FC Porto. Despertou-me uma paixão enorme de dar treinos individuais e sobretudo por saber que posso potenciar e ajudar os jogadores. Neste caso, os quatro treinos que dei, antes do rapaz ter ido para o Porto, deu-me coragem de abrir algo que já queria há muito tempo.
Queria abrir porque vejo que é algo que falta ao futebol. Podemos trabalhar de forma individual os miúdos tendo em conta o contexto de jogo e aquilo que acham que podem melhorar. Acho que é isso que fazemos no ‘Prime Foot Training’: potenciar os jogadores.
O ‘Prime Foot Training’ abriu há sete meses.
Além de potenciar os jogadores, quais são os outros objectivos do ‘Prime Foot Training’?
Gostávamos de criar, no futuro, uma academia de futebol, para potenciar os jovens futebolistas, tanto os jovens masculinos como as jovens femininas, de todas as idades, com o objectivo de potenciar e desenvolver as capacidade físicas, cognitivas, tácitas e técnicas dos jogadores. Queria, também, ter uma equipa de futebol de 7 a competir na Associação de Futebol de Ponta Delgada (AFPD). É possível? Não sei. Mas sonhar, hoje em dia, é grátis, e eu sou um sonhador.
Quem pode participar nos treinos? Como está estabelecido as etapas de trabalho?
Qualquer pessoa pode participar, seja qual for a idade que tiver e o seu género, precisa apenas de ter interesse pelo futebol.
O trabalho está dividido pelas faixas etárias. Neste caso, há a etapa da iniciação à prática, dos 6 aos 12 anos, a especialização, dos 13 aos 17 anos, e a performance, dos 18 anos para cima.
A iniciação à prática surge porque é uma adaptação ao futebol, visto que todos os jogadores ainda não começam a jogar futebol de 11 – estão a jogar o futebol de 5, de 7 e de 9. A fase da especialização acontece porque há uma maturação dos jogadores e começam a jogar em campo de futebol de 11.
A performance é a etapa onde supomos que todas as componentes dos jogadores estão desenvolvidas. Quando falamos em performance, falamos a partir de jogadores com idade a partir dos 18 anos. Estamos a falar de jogadores com níveis de intensidade maior. Por exemplo, há uns meses, vi um jogo do Manchester City, e analisei o Phil Foden, que foi um jogador formado nesse clube, e antes de receber qualquer bola, olhava sempre para trás para ver se aparecia alguém. Isso é um pormenor que faz toda a diferença. Todo o pormenor conta. A complexidade do jogo no futebol de sénior é totalmente diferente. Há uma maior preparação.
Temos a nossa metodologia de trabalho para cada faixa de etária. Não vamos colocar um jovem de 5 anos a fazer um exercício de força com a mesma intensidade que um jogador de 16 anos, obviamente.
Como tem sido a afluência? Há uma maior adesão em São Miguel do que no Porto?
A afluência em São Miguel tem sido maior. O nome é chamativo. Cada vez mais os pais estão a apostar as crianças no futebol. Isso é bom porque faz a nós, pequenas e microempresas, tenham mais potenciais clientes. Como é óbvio, tenho 90% maior afluência na ilha do que no Porto. Por exemplo, hoje, posso dizer que tenho 15 miúdos no nosso programa. Agora, na Páscoa, fizemos um pack e esgotamos, onde, inclusive, tive de recusar, infelizmente, alguns pedidos dos pais porque não havia mais espaço.
Quais são os benefícios de ter treinos com o ‘Prime Foot Trainig’ em comparação com os treinos dos clubes?
Quando estamos num contexto de equipa, nós temos um a três treinadores por equipa, por exemplo, e se tivermos 25 jogadores, temos de dividir um treinador para cada sete jogadores. Nós, na ‘Prime’, temos vários packs – de individual, pares e grupo. A nossa atenção é totalmente focada no miúdo. É óbvio que ele vai melhorar 100% em comparação com os treinos do clube, visto que lá não têm um treino tão específico. Não digo que o nosso trabalho tem mais ou menos qualidade do que os treinos dos clubes, nada disso. É apenas pela atenção total ao miúdo que nós damos durante uma hora, e estamos virados para onde eles querem melhorar. Nos clubes – e eu sei disto porque já fui e sou treinador – nós trabalhamos muito naquilo que a equipa precisa, e não naquilo que o miúdo precisa. Se fosse assim, tinha de utilizar 12h por dia para trabalhar de forma individual.
Quais foram as maiores dificuldades sentidas no início do projecto?
Estávamos, inicialmente, estávamos a treinar num campo público em Ponta Delgada. Não pagávamos nada, mas era de uso público. Tivemos sorte que todas as vezes nós fomos para lá treinar lá, não havia mais ninguém. Por exemplo, se mais algum grupo fosse para lá, enquanto fazia o treino, teria de sair de lá. Conseguimos agora o campo na Lagoa. E isso mudou completamente a visão dos pais, visto que foram dadas melhores condições de trabalho aos miúdos. As maiores dificuldades que nós sentimos foram a falta de apoio, material e condições. Com o tempo, acredito que vai dar certo.
Onde são os treinos?
Em São Miguel é no Campo Gualberto Borges Arruda, na Lagoa, e no Porto, costuma ser no campo da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. Tentámos fazer protoloco na Trofa, mas por motivos operacionais o protocolo não avançou. O treino costuma 1h, mas às vezes dura 10 a 30 minutos a mais. O preço nunca muda.
Qual é o feedback dos atletas e dos familiares dos mesmos?
Dos atletas, é um caso impressionante. Tenho vários miúdos que me enviam mensagem, inclusive, os jovens que não fazem parte da ‘Prime’ e que querem saber mais informações. Por exemplo, há pessoas de outras ilhas e de Lisboa que já me enviaram mensagens para pedir treinos, mas que não sabiam que estávamos apenas localizados em São Miguel e no Porto.
Os miúdos que temos na ‘Prime’, nós gostamos de saber o feedback deles e temos essa preocupação. E tem sido fabuloso. O feedback dos pais, também, tido sido muito bom. Há um caso, por exemplo, de um pai, que me disse que queria que o seu filho tivesse connosco nos próximos três anos. Um pai que colocou o seu filho no projeto há um mês e já quer ter uma garantia de longo-prazo. Isso faz-nos pensar. No bom sentido, claro. No geral, tem sido tudo muito bom.
Nós tentamos fazer a nossa observação dos atletas, quando conseguimos, no fim-de-semana. Por exemplo, há um miúdo que está nos sub-15 do CD Santa Clara e o seu pai pediu para melhorar os seus apoios defensivos e ser orientado para onde quer jogar. E o pai disse-nos que o seu filho está a melhor exponencialmente naquilo que pediu para ser melhorado. É um treino muito específico e, mesmo assim, os pais conseguem ver que os seus filhos estão a melhorar nesse aspecto do jogo. E é isso que nos enche o coração.
Quais são as maiores dificuldades das crianças que começam a jogar futebol?
É a relação com a bola. Quando digo isto, é com o gesto técnico, conseguir fazer um passe e recepcionar uma bola. A maior diferença que sinto dos miúdos dos 5 anos e com os jovens de 16 e 17 anos é a energia. É uma energia contagiante. A relação da criança com a bola não é muito boa, mas também isto está ligado com a idade. Eles querem jogar, aprender e brincar. É impressionante!
Acredita que está mais preparado para assumir esta função com os conhecimentos que ganhou como treinador, observador e analista?
Sem dúvida. Não só como treinador, observador e analista, mas também como jogador. Joguei futebol durante toda a minha formação e lembro-me de aspectos de campo tanto dentro de campo como fora dele. Agora, como observador e analista, ajudou-me, mas mais para analisar o desempenho de um jogador. Por exemplo, no fim-de-semana, para observar um jogo, já não preciso de 90 minutos para perceber os erros de um jogador. Se calhar, há dois anos, antes de ser observador e analista no CD Santa Clara, precisaria de 180 minutos para perceber os erros de um jogador, agora em apenas 40/45 minutos consigo perceber. Este é um trabalho fruto de aquilo que aprendi e aquilo que ainda vou aprender.
Quais são as diferenças entre o jogador natural de São Miguel e outro do Porto?
Acho que está, principalmente, na maturidade de um jogador do Porto para um jogador de São Miguel. Quando digo maturidade, significa em todos sentidos: no nível competitivo, no psicológico e no compromisso. Noto muito no Porto que há competição em todo o lado, enquanto em São Miguel há menos equipas. Não culpo o jogador açoriano, como é óbvio. Mas claro que noto que o jogador do Porto consegue ser superior ao jogador micaelense em grande parte das vezes. Não estou a dizer isso apenas pela influência do jogador, mas também do meio que o rodeia, ou seja, o contexto que ele tem à volta. Se tiver vários clubes em várias competições, vou estar cada vez mais preparado. Nos Açores, por exemplo, temos o CD Santa Clara na Segunda Liga, enquanto no Porto, por exemplo, há várias equipas na primeira, segunda e terceira divisões.
Recebeu alguma proposta de algum clube de futebol para colaborar?
De facto, já tivemos um pedido de uma equipa da ilha de São Miguel, mas, obviamente, não vamos avançar com mais pormenores. Já nos passou pela cabeça apresentar um projecto a um clube mas, como estamos a ter muito afluência dos miúdos, não pensamos tanto nisso como pensávamos.
Referiu que quer abrir uma academia de futebol no futuro. Para este ano, quais são os seus planos para o projecto?
No Verão, gostaríamos de fazer algo diferente. É uma actividade que já foi feita, mas não era assim tão pormenorizada na ilha. Claro que vamos dar continuidade aos treinos individuais durante todo o Verão. No entanto, gostávamos de fazer uma semana de férias onde os miúdos só teriam o futebol como foco. Queremos ser o programa que vai dar pernas para continuar posteriormente. E se for possível, podiam fazer uma actividade de paintball, por exemplo, algo ligado à actividade física. Isto é algo que acontece aqui, no Porto. Gostaria de fazer e já estamos a trabalhar para realizar isso.
O que é necessário para um futebolista ser bem-sucedido?
Em minha opinião, um jogador de futebol para ser bem-sucedido tem que corresponder a três grandes componentes: componente técnico, cognitiva e táctica. Depois disso, poderíamos aliar o físico, mas, hoje em dia, temos provas vivas, como o Lionel Messi, que mostra que o físico não é tão importante como era há 50 anos. Essencialmente, são essas três componentes. Na componente cognitiva, não nos podemos esquecer que a mentalidade é o músculo mais forte do atleta.
Acredita que o futebol em São Miguel está em crescimento?
Está em constante crescimento. Temos o exemplo disso: os sub-19 do CD Santa Clara é uma equipa que está ligada à SAD e está a fazer com que o modelo competitivo e o futebol jogado na ilha sejam maiores. Tenho pena que muitas pessoas não vêem isso como algo positivo para o futebol açoriano, porque, na realidade, é positivo. Quando, por exemplo, jogamos nos sub-19, numa primeira fase, as pessoas perguntam “porquê apenas jogam dois ou três jogadores açorianos?”. Eu percebo. O nível competitivo é tão exigente que não o tínhamos, por exemplo, há dois anos. O futebol em São Miguel está em constante crescimento, em todos os escalões. A equipa dos sub-23 do CD Santa Clara vai criar mais oportunidade para o jogador açoriano aumentar a qualidade do futebol jogado em São Miguel. O futebol açoriano vai crescer ainda mais, espero eu.
Filipe Torres