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Do improvis0 para um peculiar conceito de música intuitiva na Região

O saxofonista Luís Senra começou o seu percurso na Escola de Música de Rabo de Peixe e hoje já pisou todos os palcos dos Açores, até mesmo os mais improváveis, como o topo da montanha do Pico e algumas grutas da Região. Nesta entrevista, fala da sua paixão pela numerologia e terapia de cristais e como estas influenciam a sua “música intuitiva”, que define como uma “forma de experienciar a música que não requer experiência ou conhecimento prévio”, mas tem antes por base uma liberdade expressiva que dialoga com o espaço e o momento.

Correio dos Açores – Pode falar um pouco sobre o seu percurso? Quando percebeu que ia ser músico?
Luís Senra (músico) – O meu percurso enquanto músico começou aos 11 anos, quando decidi aprender a tocar clarinete na recém-criada Escola de Música de Música de Rabo de Peixe. Poucos anos depois, ingressei a Filarmónica Lira do Norte e aos 18 anos fiz o exame de admissão para o Conservatório Regional de Ponta Delgada para estudar saxofone. Pelo meio disto, ainda passei cerca de oito anos a tocar flauta transversal. Durante este período mais dedicado à formação, fui participando em diversos workshops e masterclasses e comecei a ter experiências musicais noutras filarmónicas e orquestras ligeiras, e a receber os meus primeiros convites como músico convidado em alguns projectos da ilha. Entretanto, comecei a ter contacto com outros estilos de música que não o erudito, como o jazz e o free jazz, tendo assim descoberto a linguagem da música improvisada livre – esta linguagem tornou-se parte fundamental do meu percurso e é a essência do meu trabalho actual.
Com estas novas ferramentas e linguagens adquiridas, e estando numa fase da minha vida muito ligado à natureza, em 2006 surge o meu projecto ligado à música improvisada na natureza com a tour «Entre grutas e algares», onde desenvolvi performances em grutas visitáveis dos Açores, e que teve o seu ponto máximo a performance na montanha do Pico durante o Montanha Pico Festival. Em 2007, assumo a profissionalização da música e a partir daí fui desenvolvendo performances, workshops e residências artísticas em programações de festivais de arte de diferentes ilhas dos Açores, Portugal continental e Espanha. Em 2020, venci o Jovens Criadores Walk&Talk, um programa que premeia autores açorianos. Hoje, e depois de uma fase muito intensa de paragem para reestruturação interna, tenho vindo a desenvolver performances através da linguagem da música improvisada e intuitiva onde procuro estabelecer uma relação com os lugares e as pessoas com quem me vou cruzando, tendo como ponto de partida os sons e a sua observação.
Creio que o que de facto percebi foi que me tinha tornado músico. Não me lembro de ter a aspiração de o ser e quando dei por mim já o era. Sinto que foi um processo bastante natural, com as oportunidades a surgirem e naturalmente aceitei-as. A certa altura a música já tinha ganho um peso enorme na minha vida, já era a minha vida, e acabei por abraçar isso.

Quais foram as suas maiores inspirações?
As minhas maiores inspirações foram as sessões colectivas de improvisação livre, formações sobre música improvisada e a natureza. Foram “lugares” que me inspiraram a sentir a música e a vida de maneira diferente: mais leve, livre, cheia, interligada, onde me era possível tocar e exprimir de forma livre, íntima, com o coração e aprender a conectar-me com outras pessoas ou lugares de forma profunda e bonita – lugares onde podia ser eu sem medo.

Quando é que descobriu a terapia de cristais e a numerologia?
Descobri a numerologia há cerca de 10 anos, quando um amigo próximo fez uma formação e partilhou comigo alguns dos seus conteúdos e técnicas. Tive uma ligação instantânea com a ferramenta. Quanto à terapia com cristais, surgiu-me no ano de 2020 em plena pandemia quando a música estava parada e estava em casa. Decidi, então, fazer um curso intensivo numa escola online e formar-me como litoterapeuta.

O que é um check-up energético e de que forma o pratica?
Um check-up energético é uma verificação e análise ao estado actual do nosso corpo energético – chakras, campo áurico, vibração ou fluxo energético, por exemplo – com o intuito de detectar possíveis desequilíbrios e revelar padrões energéticos que possam ser importantes para compreender a origem desses desequilíbrios e definir estratégias para a sua transformação. Normalmente, executo-o como fase inicial de uma sessão de terapia com cristais.

Pode explicar um pouco como funciona a terapia de cristais?
Na terapia são colocados em diferentes partes do nosso corpo cristais (que podem ser minerais, rochas, fósseis ou vidros naturais) como forma ajustar e restituir o nosso equilíbrio energético tendo como base os dados recolhidos no check-up energético.

O que é a númerologia?
A númerologia é uma ferramenta muito antiga e usada “desde sempre” por muitas civilizações para descodificar informações contidas nos números – aqui os números adquirem uma linguagem simbólica onde são interpretados como símbolos e não de forma quantitativa. A sua utilização e interpretação vem da crença ancestral de que os números eram a essência de tudo e que marcavam o ritmo do Universo e da Reencarnação.

O que é um estudo numerológico? Que benefício prático pode ter na vida das pessoas?
Naquilo que é a minha perspectiva, um estudo numerológico é um estudo em que é utilizada a simbologia dos números como forma de aceder a informações contidas nos nossos dados de nascimento, para que se torne possível observar a nossa vida de um plano mais alargado, expandindo, assim, a nossa consciência, percepção e entendimento dela.
A mim faz-me mais sentido referir os benefícios práticos que tem na minha vida, pois acredito que cada um tira os benefícios de forma diferente, segundo aquilo que necessita e o seu ritmo de crescimento pessoal. De forma prática, esta ferramenta tem me permitido compreender melhor algumas situações que me acontecem ou aconteceram ao longo da vida, contribuído para a minha tomada de responsabilidade perante ela e assim sair de um estado de vitimização ou automatização, o viver de uma forma mais consciente, ter uma orientação para os diferentes caminhos possíveis a tomar, para as minhas escolhas, decisões e para a forma como conduzo a minha vida. Mais recentemente, depois de integrar novos conhecimentos e experiências, tem me ajudado a olhar para a vida de uma forma quântica e intemporal, integrando o passado, presente e futuro como algo interlaçado e não separado.

Tem alguma história/ histórias de sucesso que o tenham marcado particularmente?
Não, todas as histórias que tenho tido a felicidade de conhecer são incríveis, únicas, especiais e bonitas. Não me faz sentido encarar as histórias ou resultados como “sucesso” ou “insucesso” pois acredito que cada pequeno passo que se dê, por mais pequeno ou aparentemente insignificante que seja, é um progresso no nosso percurso. Até um passo atrás ou uma “má escolha” pode ser um progresso. É claro que há histórias que têm um impacto diferente em mim, pelos mais diversos motivos, mas todas elas são me especiais.

Pode explicar o conceito de música intui-tiva e como chegou a ele?
Defino o conceito de música intuitiva como uma forma de experienciar a música que não requer experiência ou conhecimento prévio e que se desenvolve a partir dos sentidos, da intuição e de um lugar de comunicação, observação, escuta, resposta, reajuste, adaptação e conexão com o outro e com o meio envolvente – e, claro, a partir de mim mesmo. Não consigo definir em concreto como cheguei a este conceito. Foi um processo longo e profundo até aqui e que passou pela construção, desconstrução e fusão de conceitos, de ideias, de ferramentas e linguagens, pela experiência, observação e reflexão de tudo o que ia estudando, praticando e vivendo, e pela procura das palavras que melhor descreviam o que sentia enquanto tocava. Mas posso dizer que estou extremamente satisfeito com este lugar a que cheguei e que me faz bastante sentido.

A música intuitiva surgiu antes ou depois das suas descobertas na terapia com cristais e númerologia? Houve uma influência mútua?
Atrevo-me a dizer que “sempre” toquei de forma intuitiva a partir do momento que comecei a explorar a música num contexto de música improvisada e livre. O que surgiu, entretanto, foi um maior entendimento e compreensão dos conceitos, das linguagens e, mais importante, da tomada de consciência de como este processo criativo desenvolvido na música estava intimamente ligado ao meu próprio processo pessoal, de crescimento pessoal. Isto aconteceu durante uma fase de paragem para reestruturação interna, onde questionei qual seria de facto o papel da música na minha vida e de que forma ela poderia contribuir para o meu crescimento pessoal e não servir “apenas” como manifestação artística ou “trabalho”. Reconheci, então, um ponto comum entre o que sentia ser muito importante trabalhar em mim, e que o trabalho da tal música intuitiva tinha – um lugar de comunicação, observação, escuta, resposta, reajuste, adaptação e conexão com o outro e com o meio envolvente. Foi aí que a música saiu de uma linguagem mais artística – como música improvisada – para uma linguagem mais pessoal – a música intuitiva. A númerologia e todas as minhas outras ferramentas de trabalho pessoal são isso mesmo, ferramentas pessoais, e não estão directamente ligadas à música (intuitiva), mas tiveram um papel fundamental pois deram-me linguagem, clareza, compreensão, conhecimento, consciência e organização para que fosse possível fazer todo aquele processo que descrevi acima, como se tudo fosse complemento para tudo.

Já participou como moderador de sessões de clube de leitura. Que leituras contribuíram para a sua perspectiva artística e abertura para novas ideias?
Na fase inicial do meu processo criativo foram as leituras sobre natureza que mais me influenciaram e serviram até de ponto de partida para a criação de projectos artísticos, onde destaco o livro “Shinrin-yoku”, de Quing Li. Mas é a partir do momento que introduzo leituras de diferentes áreas como a filosofia, psicologia, teologia, história, neurociência e, especialmente, física quântica que sinto ganhar uma maior abertura para novas ideias e interligação de conceitos e das diferentes áreas da minha vida. Leituras mais recentes que me ajudaram e aceleraram nesse processo foram os livros de Amit Goswami – “A Física da Alma” e “Consciência Quântica” – e, de uma forma bastante especial, os de Carlos Rovelli “E se o tempo não existisse?” e “Buracos Brancos”.

Tem alguma história que o tenha marcado particularmente na tua artística?
Tenho dois, na verdade. A primeira foi quando foi feito a campanha de crowdfunding para ajudar-me a comprar o saxofone. No final foi um sucesso, mas foi um processo muito duro, muito desgastante e que deixou bastantes marcas emocionais por muito tempo. A segunda foi o ter tocado na montanha do Pico quando tenho medo de alturas. Foi super desafiante e, talvez, dos momentos mais incríveis, bonitos, mas ao mesmo tempo dos mais desesperantes e assustadores da minha vida.

Quais foram os momentos mais marcantes da sua carreira até agora?
Pergunta muito difícil, mas diria as diferentes edições do já extinto festival Jazzores e tudo o que gerava à sua volta (os concertos, workshops e jam sessions) e a formação com o pianista Thollem McDonas, pois virou de pernas para o ar a forma como sentia a música e ainda hoje é uma importante base para mim, também a participação no concerto dos Zá! no Festival Tremor de 2005, porque teve um impacto positivo gigante na minha visibilidade enquanto artista e a maravilhosa experiência que foi as performances nas cavidades vulcânicas da ilha do Pico. Mas foram tantos os momentos incríveis e mágicos ao longo de todos estes anos, mas estes foram talvez os que senti mais alegria.

Como vê a evolução do seu percurso? Existem novos campos que gostaria de explorar?
Vejo a evolução do meu percurso com bastante alegria e satisfação, com um enorme orgulho em mim e por aquilo que foi um processo tão bonito, com muitas fases diferentes, com bastantes desafios, é certo, mas cheio de experiências, com tanta aprendizagem, com tantos lugares e pessoas bonitas pelo caminho e que tanto contribuiu para aquilo que sou hoje enquanto pessoa. E vejo com ainda mais orgulho e emoção o ‘lugar’ onde cheguei, com os conceitos que desenvolvi e com este processo lindíssimo que foi a integração da música com todas as outras áreas da minha vida, a integração do processo criativo com o meu processo de crescimento pessoal. Não vejo, neste momento, outros campos que gostaria de explorar, pois sinto que não explorei ainda o suficiente o “lugar” onde estou. Sinto ser altura para experimentar, experienciar, vivenciar e solidificar este recente processo de integração e partilhá-lo com as pessoas.

Daniela Canha

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