Marina Couto, médica neurologista no Hospital do Divino Espírito Santo, afirma, que ainda não foi descoberto nenhum fármaco que cure a doença de Parkinson nem tampouco que impeça a progressão desta condição médica, que “é uma das principais causas de morbidade e mortalidade neurológica em todo o mundo.”
Correio dos Açores – O que é a doença de Parkinson e como é que esta afecta a vida diária dos pacientes?
Marina Couto (Médica Neurologista) – A doença de Parkinson é uma das doenças neurodegenerativas mais comuns da idade adulta.
As características clínicas da doença de Parkinson surgem por degeneração progressiva dos neurónios cerebrais produtores de dopamina, que se localizam numa estrutura denominada núcleos da base. No entanto, também existe degeneração de outro tipo de neurónios (neurónios não produtores de dopamina) que causa sintomas motores e não motores. Vai ser a depleção de dopamina, bem como de outros neurotransmissores, a responsável pelas alterações motoras clássicas e pelas outras manifestações não motoras e neuropsiquiátricas presentes na doença.
A doença de Parkinson é a principal causa de parkinsonismo, uma síndrome que se manifesta por tremor de repouso, rigidez, bradicinesia, instabilidade postural e alterações da marcha.
A doença de Parkinson é uma das principais causas de morbidade e mortalidade neurológica em todo o mundo.
Qual considera ser a importância do Dia Mundial da Doença de Parkinson?
Todas as iniciativas que visam promover a literacia em saúde, dando a conhecer determinadas patologias, são importantes. No caso específico da doença de Parkinson serve para informar sobre sintomas e sinais, esclarecer sobre os tratamentos, e ajudar doentes e cuidadores.
Qual é a prevalência desta doença na população açoriana?
Não temos dados de prevalência/incidência da doença de Parkinson na Região.
A doença de Parkinson é uma fonte crescente de incapacidade e mortalidade entre distúrbios neurológicos. A prevalência estimada é de 94 casos por 100.000 pessoas, ou aproximadamente 0,3 por cento na população geral com 40 anos de idade ou mais. A incidência anual de novos casos varia de 8 a 18,6 por 100.000 pessoas/ano.
A incidência e a prevalência da doença de Parkinson estão a aumentar. No ano de 2016, a prevalência global estimada da doença de Parkinson era de 6,1 milhões de pessoas, aumentando em relação aos 2,5 milhões em 1990. Uma tendência semelhante foi observada na mortalidade ajustada por idade por doença de Parkinson. Embora o envelhecimento da população mundial seja responsável por grande parte do aumento em números absolutos, a incidência ajustada à idade também está a aumentar, por razões que não são totalmente compreendidas.
Em Portugal, é estimado haver cerca de 20 mil casos da doença. Em cada ano, estima-se que existam perto de 2.000 novos casos. Por analogia, a Região terá cerca de 800 casos, com 80 novos casos por ano.
Quais são os sintomas mais comuns da doença de Parkinson?
As principais características são tremor de repouso, rigidez, bradicinesia, instabilidade postural e alterações da marcha. Tendencialmente, as três primeiras alterações iniciam-se de um dos lados do corpo, sendo esse sempre o lado mais afectado ao longo da doença.
De forma geral, o tremor de repouso manifesta-se inicialmente numa das mãos, quando o membro está relaxado e tem um tempo de latência, ou seja, demora algum tempo entre o início do relaxamento e o aparecimento do tremor.
No início da doença, a rigidez manifesta-se também no membro superior (no mesmo do tremor), consistindo numa maior resistência ao movimento passivo e activo do mesmo. A rigidez também se manifesta no plano axial, como por exemplo a nível cervical. A bradicinesia pode ser traduzida por lentificação dos movimentos. A instabilidade postural manifesta-se com desequilíbrios e quedas. As alterações da marcha resultam das alterações anteriormente descritas, resultando numa marcha de pequenos passos, com anteflexão do tronco e diminuição do normal balanceio dos membros superiores.
Outras manifestações incluem micrografia (diminuição do tamanho da escrita), disfunção cognitiva e demência (que é mais comum do que na população da mesma idade sem doença de Parkinson), sintomas psicóticos (alucinações e delírios), alterações do humor (incluindo depressão e ansiedade) e do sono, fadiga, alterações do olfacto (este pode ser um sintoma pré-motor, isto é, surgir antes das alterações motoras), dor e alterações da sensibilidade, bem como alterações cutâneas.
Em doença avançada, surgem outras alterações tais como flutuações motoras (alterações nos sinais e sintomas causadas por uma resposta positiva ou terapêutica – estado on-, alternando com uma resposta decrescente ou ausente à terapia dopaminérgica – estado off) e discinesias – movimentos anormais e involuntários provocados pelo uso de levodopa.
Quais são os tratamentos mais comuns para a doença de Parkinson?
O tratamento fundamental é sempre repor o neurotransmissor em falta, isto é, repor a dopamina. Isto geralmente é feito com levodopa, através da associação carbidopa-levodopa ou benzaserida-levodopa), mas também com agonistas da dopamina, como o pramipexol, o ropinirol e a rotigotina; de inibidores da monoamina oxidase tipo B, como a rasagilina, safinamida e selegilina; e com a amantadina.
Com a progressão da doença, torna-se necessário também tratar as complicações, havendo necessidade de recorrer a outros fármacos como os inibidores da COMT (opicapone e entacapone). Existe também a possibilidade de tratamento cirúrgico, sendo a forma mais comum a instalação de eléctrodos no cérebro para estimulação das zonas produtoras de dopamina, sendo denominado estimulação cerebral profunda. Este tratamento geralmente é designado por DBS, que é a sigla do inglês deep brain stimulation.
Quantos aos tratamentos não farmacológicos, saliento: educação – o conhecimento por parte do portador de doença de Parkinson, bem como por parte da família são fundamentais para a compreensão e controle sobre a doença; vida social activa – o isolamento social está associado a maior gravidade e pior qualidade de vida na doença de Parkinson; exercício – o exercício regular e diversas modalidades de fisioterapia e terapia da fala parecem oferecer algum benefício para melhorar a função em pacientes com doença de Parkinson; nutrição – não há uma dieta específica para a doença de Parkinson. No entanto, uma dieta rica em fibras, hidratação adequada e exercício regular podem ajudar a reduzir a obstipação associada à doença de Parkinson.
Que avanços têm contribuído para melhorar a qualidade de vida das pessoas afectadas por esta condição?
Existem sempre estudos a decorrer. Destaco duas das últimas descobertas farmacológicas, nomeadamente opicapone, para tratamento adjuvante à levodopa/carbidopa em pacientes com doença de Parkinson apresentando episódios off; passagem da duodopa a comprimidos. Antes só existia sob a forma de gel que tinha que ser administrado através de um tubo que entrava directamente no estômago através da pele.
Apesar de aprovada para a doença de Parkinson desde 1998, destaco também a DBS pois, em doentes em que a medicação oral já não consegue controlar os sintomas, esta melhora vários sintomas da doença de Parkinson e permite um retorno a uma “vida normal” durante vários anos. Não se trata, no entanto, de uma terapêutica curativa.
De que forma as instituições de saúde estão a trabalhar para melhorar o diagnóstico precoce e o tratamento da doença?
Continuam a existir estudos sobre novos fármacos e melhores formas de os usar. Infelizmente, ainda não foi descoberto nenhum que cure a doença de Parkinson nem tampouco um que impeça a progressão da doença.
Quais são os desafios enfrentados pelos doentes e pelas suas famílias?
Os desafios são múltiplos. Por parte dos pacientes, o controlo motor que permita realização de tarefas de forma autónoma, a melhoria da postura e da marcha para evitar quedas.
Por parte das famílias, sobretudo na doença avançada, a ajuda nas actividades da vida diária, como tomar banho, vestir-se, transferir-se, ir à casa de banho e comer, bem como nas actividades instrumentais da vida diária, como fazer compras e preparar refeições. Saliento que o papel do cuidador é fundamental e que é muito importante ter atenção ao bem-estar físico e psicológico do cuidador que corre o risco de exaustão e de ficar ele próprio doente. Cuidar de quem cuida é essencial!
Que medidas preventivas podem ajudar a reduzir o risco de desenvolver a doença de Parkinson?
Não há dados seguros que mostrem que a existência de medidas preventivas ou de determinados estilos de vida reduzam o risco de doença de Parkinson. Está, no entanto, provado que ter uma vida activa, quer do ponto de vista físico, quer do ponto de vista social, contribui para uma maior qualidade de vida e para uma autonomia mais prolongada.
Carlota Pimentel