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Quanto vale uma vida?

A pergunta que titula esta reflexão é apenas retórica porque a vida não tem preço. E a humana, em particular, deve ser defendida desde o momento da concepção até ao momento da morte, sempre com dignidade.
O documento publicado esta segunda-feira pelo Dicastério da Doutrina da Fé, que levou cinco anos a ser elaborado, denuncia as situações de violação dessa dignidade reafirmando muita da doutrina dos documentos do magistério.
A lista é longa embora não seja assim tão exaustiva. Inclui, entre as violações da dignidade humana, para além do aborto e da eutanásia, a maternidade de substituição, a guerra, o drama da pobreza e dos migrantes, o tráfico de pessoas, a teoria de género e a violência digital.
O texto opõe à dignidade humana “tudo aquilo que é contrário à própria vida, como toda espécie de homicídio, o genocídio, o aborto, a eutanásia e o suicídio voluntário” e que também atenta contra a dignidade e integridade da pessoa “as mutilações, as torturas infligidas ao corpo e à mente, as constrições psicológicas”.
As condições de vida sub-humana, os encarceramentos arbitrários, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e de jovens, as insuportáveis condições de trabalho com as quais muitos trabalhadores se vêem confrontados, sendo apenas instrumentos de lucro fácil, fazem parte da lista apresentada pelo documento “Dignidade Infinita”.
O documento condena também, e de forma veemente, a pena de morte e a tortura e pede maior dignidade para os que se encontram presos, muitas vezes obrigados a viver em condições de cativeiro indignas.
Mas, o que mais gosto neste documento é a ideia que subjaz a todo ele: de inclusão e de acolhimento. Uma vez mais o Papa, que veio do outro lado do mundo, e que há de ter inspirado através dos seus pronunciamentos este texto, apresenta uma espécie de refundação dos direitos humanos, à luz do Cristianismo, que é porventura a mais capaz e abrangente resposta aos problemas da humanidade, reconhecendo de forma integral uma dignidade à vida e à pessoa, independentemente da sua origem ou das suas circunstâncias pessoais.
“O sentido mais importante é aquele ligado à dignidade ontológica, que compete à pessoa enquanto tal, pelo simples fato de existir e de ser querida, criada e amada por Deus. Esta dignidade não pode jamais ser cancelada e permanece válida para além de toda circunstância em que os indivíduos venham a se encontrar” lê-se no ponto 7 do documento que nos coloca ainda na sua fundamentação e na explicação dos seus pressupostos.
“Uma dignidade infinita, inalienavelmente fundada no seu próprio ser, é inerente a cada pessoa humana, para além de toda circunstância e em qualquer estado ou situação se encontre. Este princípio, que é plenamente reconhecível também pela pura razão, coloca-se como fundamento do primado da pessoa humana e da tutela de seus direitos. A Igreja, à luz da Revelação, reafirma de modo absoluto esta dignidade ontológica da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus e redimida em Cristo Jesus”, refere logo o primeiro parágrafo.
Este conceito de dignidade radica numa relação entre criação e criatura e não assenta apenas em direitos ou deveres entre criaturas, o que faz com que a vida, e a defesa da sua dignidade, não seja matéria negociável entre seres humanos.
Mais à frente no documento lêem-se e identificam-se métodos e ações que beliscam a dignidade humana ferindo-a do ponto de vista pessoal e comunitário, quando se fala da pobreza, em migrantes, em perseguições ou situações de guerra; situações que, no fim de contas, resultam da tentação abusadora do homem, quando se arma em criador e quer dominar o outro não o respeitando na sua condição nem na sua humanidade.
Para muitos, este documento pode ser “mais do mesmo”, a Igreja a “ser igual a ela própria”. Mas, desta vez, apetece dizer em alto e bom som: ainda bem!
A Igreja deve estar no mundo. E o mundo hoje precisa dela, como sempre precisou, embora hoje precise ainda mais. E, precisa sobretudo de cristãos empenhados que defendam a dignidade humana até ao limite. Dito concretamente a partir de alguns exemplos apontados pelo texto “Dignidade Infinita”: cristãos que sejam contra o aborto, mas que não excluem quem não teve outra alternativa; que sejam contra o aborto mas lutem também contra a existência da pena de morte; que até possam censurar a chamada ideologia do género mas que lutem com a mesma convicção contra o tráfico de seres humanos ou a exploração sexual das mulheres e não lhe chamem apenas a mais velha profissão do mundo, como se fosse uma inevitabilidade.
Este documento nada acrescenta ao património doutrinal da Igreja; bem pelo contrário, reafirma-o com uma preocupação: não excluir nenhum ser humano e defender a pessoa humana em todas as circunstâncias e dimensões da vida. E assim se vai construindo o legado deste pontificado: todos, todos, todos. Não é slogan, é mesmo uma forma de concretizar esse mandamento máximo do amor.
Quandonos tornamos demasiado políticos e a política entra em demasia nas nossas vidas, causando guerra e sofrimento, em vez de paz e justiça, mesmo quando as armas são apenas palavras, atos e atitudes, isso significa, quase sempre, que falhamos.

Carmo Rodeia

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