Os ciclos políticos são comuns em democracia. Os partidos políticos sucedem-se na dominação do instrumento governativo que é o poder, sempre que o eleitorado considera que um determinado tempo político acabou. Não obstante os arranjos que por vezes são necessários para exercer o poder executivo, mesmo a necessidade desses arranjos é a evidência empírica de que o ciclo anterior acabou. Não para a eternidade, mas acabou até o mesmo eleitorado julgar necessário proceder a nova partilha de alternância. E se há sempre franjas do eleitorado que são móveis, estes ciclos são mais curtos ou longos, conforme o volume dos que votam considera que é tempo de proceder a uma renovação. Apesar de ser o tempo o maior fator para esta reciclagem política e partidária da governação, ele é muito mais amplo e tem um lastro muito mais abrangente. Por mero exemplo, a governação do arquipélago da Madeira, ou o longo caminho de governação da autarquia de Ponta Delgada pelos sociais-democratas, dão força à tese de que o tempo é apenas mais um fator, e nem sempre determinante, mesmo em democracia.
O lastro maior é sempre a relação com as pessoas que elegem. O contrato social que deve existir entre quem governa e quem é governado. Este é o canal mais importante e, por isso, mais determinante, na relação entre a candidatura a um ato eleitoral e os resultados desse ato. Se um elenco governativo for capaz, mesmo durante longo tempo, de promover a resolução dos problemas da generalidade das pessoas, o mais certo, pelo raciocínio empírico mais uma vez, é que venha a governar muito tempo, pois a grande maioria do eleitorado manter-se-á contente, com os seus problemas a serem resolvidos e não apenas a caminho de o serem. Aquilo a que, muitas vezes na oposição, as forças políticas apelidam de “sindicatos de voto”. Seria mais fácil para quem aplica o poder executivo se esta componente fosse a única determinante. Mas não é, pois a governação de uma autarquia, de uma região ou de um país, é muito mais complexa. E resolver os problemas das pessoas, muitas vezes, é só a última coisa em que os políticos pensam.
A ação concreta começa muitas vezes por ações bastante díspares. Para além da resolução dos problemas da generalidade do eleitorado, aquele que ficará satisfeito e renovará, ou reciclará, o apoio a um determinado partido, tornam-se de difícil gestão outros assuntos pendentes, como os sindicatos de pressão patronal, empresarial ou familiar, que por norma representam poucas pessoas, por isso poucos votos, mas uma enormidade de poder financeiro, económico e emocional. E como todos também sabemos, para se privilegiar a resolução dos problemas da generalidade das pessoas, para com isso se conservar o poder executivo, é preciso não só disponibilidade, vontade e visão ampla, mas igualmente muito dinheiro. Este é o compêndio habitual que leva a que os partidos centrais das democracias governem à vez, navegando entre a resolução dos problemas de uns e de outros conforme podem, querem ou ambicionam.
No entanto, de alguns anos a esta parte, aqueles que se apresentam a eleições, simplesmente não têm presente a dicotomia entre resolver os problemas da generalidade das pessoas e todos os outros fatores. E não têm em atenção esta dicotomia porque simplesmente não conhecem, não sentem e não sabem quais são verdadeiramente esses problemas dessas pessoas concretas, porque nunca os tiveram, nunca os sentiram e por isso, os desconhecem para além da habitual retórica política e partidária. Muitos nunca foram a uma entrevista de trabalho, nunca tiveram necessidade formal de atualizar um currículo, fazer uma formação para subir de escalão ou renovar conhecimentos. Nunca passaram uma manhã no centro de emprego, ou tiveram de se deslocar à segurança social para além das visitas condicionadas em campanha eleitoral.
E apesar disto tudo, outorgam-se ao direito de governar os governados. Governar precisamente aqueles que já passaram, ainda passam e passarão por tudo aquilo. E acham normal que assim seja. E aqueles que não vêem os seus problemas resolvidos, «o povo pá», acha normal mudar de governantes, à espera que outros lhes resolvam os problemas. Finalmente.
Fernando Marta