Chamou-me a atenção o artigo de opinião do meu amigo e ilustre jornalista desportivo José Silva, publicado no passado domingo, dia 7 de Abril, no Correio dos Açores.
A descrição dos casos de indisciplina dos atletas jovens, dos seus treinadores e até do público adepto (com familiares incluídos) deixou-me “chocado”. É curioso e até é uma coincidência, porque na semana passada estive no continente onde fui assistir (entre os adeptos benfiquistas) ao jogo no estádio da Luz do Benfica 2 – Sporting 2, para a Taça de Portugal e depois em Alvalade (entre os adeptos sportinguistas) no jogo Sporting 2 – Benfica 1, para o campeonato. Quer num como no outro jogo ouvi dos adeptos os impropérios (ofensas, injúrias e afrontas) das piores que se pode imaginar. Ao meu redor estavam jovens e crianças de ambos os sexos e mesmo assim os palavrões e gestos obscenos eram constantes para com o árbitro, para com a equipa adversária e para com os adeptos adversários. Alguns dos adeptos têm um verdadeiro ódio de morte ao adversário, que não vêm como simples adversário, mas sim como um “inimigo a abater”. Para alguns deles o mais importante não parece ser ver a sua equipa ganhar. O prazer que lhes dá é ver o “inimigo” perder. Eu que sou um apaixonado pelo desporto (em especial o futebol) não consigo compreender estas atitudes, cuja causa principal não é a simpatia clubstica que saudável que exista, mas sim o fanatismo (a roçar um fundamentalismo tipo religioso) com desprezo total pelo adversário.
No curso de pós-graduação em medicina desportiva, que frequentei na Universidade de Lisboa, tive a sorte de ter como professor um grande filósofo e uma grande personalidade deste nosso Portugal. Refiro-me ao Professor Manuel Sérgio. Falando neste assunto dizia ele, e passo a citar: “Devemos sempre respeitar o adversário, sempre, porque o adversário é a coisa mais importante da competição, pois sem adversário… não há jogo…! Obrigado Professor Manuel Sérgio pelos vossos ensinamentos.
Alguma coisa os clubes, as associações, as federações e as ligas profissionais precisam de fazer para acabar com este estado de coisas. Já não é possível ir aos estádios com adereços da equipa visitante e ficar entre os adeptos da casa (no estádio de S. Miguel vou com a camisola do Santa Clara e a minha mulher com a camisola do Porto sem qualquer problema). Trata-se de uma situação de civismo. No estádio da Luz não é possível entrar de camisa verde (ou azul) e em Alvalade nem uma camisola vermelha se vislumbrou entre os adeptos fora da claque do Benfica fechada na “caixa/gaiola”, e igual situação, mas inversa, no Estádio da Luz. Que tristeza. Para mim, isto não é desporto, é puro tribalismo primário.
Na quinta-feira, dia 4, fui convidado pelo meu amigo Professor André Seabra (Director da Portugal Football School, da Federação Portuguesa de Futebol), para assistir a uma palestra na Casa das Selecções em Oeiras, sob o título de “Football Talks + Extra Time – Desporto para todos”. A Professora / investigadora (doutorada em Ciência Política) Raquel Vaz Pinto, da Universidade Nova de Lisboa, ela própria uma adepta do futebol, referiu fica “chocada” quando vê miúdos de 10 anos a chorar no relvado, depois de perder uma final de um torneio “qualquer”. Dizia ela que “isto” não é a essência do desporto / futebol de formação. Estes miúdos reagem assim porque lhe é incutida uma ideia errada de que “isto” (ganhar um jogo ou um torneio) é o mais importante da vida. Estes miúdos precisam de ser ensinados a ir cumprimentar o vencedor e dar-lhe os parabéns pela vitória. O que têm a fazer a seguir é treinar e melhorar para que da próxima vez sejam eles a receber os parabéns do adversário.
Este espírito de competitividade é o pior que se pode ter. A competitividade pressupõe “acabar” com o adversário (tipo luta de gladiadores), ao passo que a competição é saudável, pois faz-nos trabalhar para sermos cada vez, melhores, sem necessidade de “arrasar o inimigo” (Jorge Olimpo Bento, Professor Catedrático, já aposentado, da Faculdade de Ciências do Desporto da Universidade do Porto (FCDUP), autor de vários livros, nomeadamente “Em defesa do Desporto”, de 2007).
Eu sou um grande admirador do treinador José Mourinho, que um dia disse: “O futebol é a coisa mais importante do mundo… das coisas menos importantes”. Se todos pensássemos assim não assistíamos às cenas tristes que grassam por esse mundo fora. Esta semana tivemos mais um triste e mau exemplo do nosso capitão da selecção nacional de futebol Cristiano Ronaldo.
Medidas de punição exemplares são necessárias para os infractores, mas falta fazer a pedagogia do desporto que tem de começar em casa, na escola, nos clubes e nas academias e acabar na sociedade em geral. Mais civismo …precisa-se.
Como diria Pierre de Coubertin… “A coisa mais importante não é ganhar, mas sim competir”. “O Olimpismo procura criar um modo de vida com base na alegria encontrada em esforço, o valor educacional de um bom exemplo e o respeito pelos princípios éticos fundamentais universais.” Eu diria, como muitos: “Ganhar e perder é desporto”. Só os deuses não se podem arriscar a perder (Professor Jorge Olimpo Bento).
O que vamos assistindo por aí não é desporto e merece uma grande reflexão. Haja saúde.
António Raposo