Um grupo de cinco açorianos – Filipe Costa, Hugo Félix, José Francisco Gamboa, Vítor Félix e Vítor Medeiros – começaram uma vida na Islândia, um país que conta com cerca de 380 mil habitantes, mais 144 mil habitantes que os Açores (236 mil habitantes). Depois da entrevista a Vítor Félix, Filipe Costa e José Francisco Gamboa, o quarto entrevistado da série de cinco é Vítor Medeiros, de 27 anos, da freguesia da Fajã de Cima, que é Reykjavík Server, no restaurante Tides. Está na Islândia desde Outubro de 2023, depois de ter feito uma experiência de ERASMUS no país em Setembro de 2022, e explica o motivo de gostar de ser um estranho num país diferente e quais os seus planos para o futuro.
Correio dos Açores – Como surgiu esta ideia de começar uma vida na Islândia? Porquê esse país?
Vítor Medeiros (Reykjavík Server no restaurante Tides) – Esta ideia, uma vez mais, surgiu de uma sugestão proveniente do Hugo Félix, meu amigo chegado. Quando ele me sugeriu, encontrava-me a estudar na Universidade dos Açores e era-me impossível aceitar. Um ano depois tinha apenas duas cadeiras por fazer e achei bem fazê-las por exame quando voltasse e embarcar nesta rica aventura. A escolha do país para além deste grande facto do meu grande amigo estar lá com a “cama feita” para me receber, foi trata-se de um país paradisíaco, único nas suas características, estável e que sempre tive a curiosidade em visitar.
Qual tem sido o seu percurso na Islândia e qual a sua profissão actual?
Actualmente, trabalho no restaurante Tides, recomendado pela Guia Michelin, que faz parte do hotel The Reykjavik EDITION e sou empregado de mesa. Nunca tinha trabalhado em restauração antes e fez-me seguir um percurso diferente que não imaginaria. Notavelmente, os percursos são mais difíceis de criar aqui, embora tudo seja possível com vontade, esforço e caso procuremos pelas oportunidades, sinto que não existem tantas como na nossa terra natal, onde há a facilidade de comunicação, o conhecimento do ambiente envolvente, das empresas e os contactos que de uma forma ou outra influenciem. O facto de não dominar a língua islandesa, claramente que também fecha portas a muitos trabalhos, sobretudo na minha área de comunicação.
Como tem sido a experiência?
A experiência tem sido magnífica e enriquecedora em todos os termos, como pessoais, sociais e económicos. Abre-nos horizontes quando saímos totalmente da nossa zona de conforto. E neste momento sinto um admirável conforto neste país que facilmente me abraçou. As maiores dificuldades, certamente foram a adaptação às temperaturas muito baixas, os dias curtos em que vemos o sol apenas por duas horas no Inverno e a comida que comparada com a nossa rica cozinha portuguesa deixa um pouco a desejar.
A linguagem foi um entrave?
A linguagem será sempre um entrave em qualquer sítio onde não haja a língua portuguesa, nem que seja na mais simples informação da rua, num placar, num produto na prateleira, haverá sempre este expectável entrave. Contudo, este país diferencia-se e torna tudo mais fácil pelo facto de haver um número muito elevado de pessoas que dominam a língua inglesa impecavelmente, entre todas as faixas etárias, não só os jovens. O facto de trabalhar numa cadeia de hotéis de grande prestígio internacional e com pessoas oriundas de todos os cantos do mundo faz com que utilizemos somente a língua inglesa entre nós, com os residentes e com os restantes visitantes que ficam no hotel.
Quais são as maiores diferenças e semelhanças entre a Islândia e a Ilha de São Miguel?
Ambas são naturalmente insulares, mas com grandezas territoriais totalmente diferentes. A população da Islândia compara-se à dos Açores, mas a extensão de território compara-se a todo o Portugal. Sente-se a presença do mar e das características vulcânicas de ambas as ilhas, mas não se sente o facto de tudo ser pertinho, somente se reduzirmos este espaço à capital Reiquejavique. Obviamente não há a sensação de Verão, a liberdade de poder sentir o mar como nos Açores é possível sentir, com as temperaturas perfeitas para tal. A paisagem é totalmente diferente em ambos os sítios também, onde em São Miguel há muito o verde húmido e fresco que não é possível ver dadas as temperaturas baixas. A mais semelhança e diria quase única é o facto de sentirmos insulares e a passividade de viver numa ilha calma e com o contacto com a natureza, apesar de serem naturezas diferentes.
Sente que a carreira de restauração é mais valorizada na Islândia do que nos Açores?
Quando falamos em valorização falamos em salários, e claramente, o salário mínimo aqui é muito mais aceitável, ainda para mais num país onde tem um dos custos de vida mais altos do mundo. Mas claro, é muito mais compensador trabalhar na área de restauração num país como a Islândia e o facto de não haver esta preocupação económica faz-nos sentir mais seguros e valorizados. Se balancearmos o custo de vida e os salários, trabalhar na área da restauração é muito mais compensador na Islândia.
Planeia ter um emprego numa área relacionada com a sua área no futuro?
Sim, planeio e é dos meus próximos objectivos quando terminar o curso na Universidade dos Açores. Como referi antes, o meu ramo é a comunicação e é-me mais difícil conseguir algo na minha área num país onde predomina a língua islandesa, que para mim é muito difícil de aprender. Porém há sempre a possibilidade em trabalhar num hotel, como o que trabalho actualmente no ramo da comunicação.
Planeava sair dos Açores há muito tempo? Tem saudades da ilha de São Miguel?
Com a Universidade dos Açores, no último ano de universidade fiz o programa ERASMUS, onde foi a minha primeira vez em que saí do território português e percebi que viajar, viver outras culturas e sair totalmente da nossa zona de conforto, que para mim é a ilha, seria muito enriquecedor a nível pessoal, como foi a experiência ERASMUS. Terei sempre saudades da ilha, sobretudo da minha família, amigos e de tudo o que a ilha oferece, todavia está nos meus planos voltar só de visita, por enquanto. Adoro planear e pensar no futuro, embora com as imprevisibilidades foi ensinado a não pensar tão longínquo sendo incerto quando voltarei por definitivo.
Afirma que é uma pessoa que “gosta de ser um estranho num país diferente”. Porquê?
Nos Açores, tal como na Islândia e após ter concluído isto com os locais, é impossível passar despercebido, conhecemo-nos desde infância, nem que seja pela frequência de nos vermos pelas mesmas ruas. Na Islândia, o facto de não ser local dá-me esta sensação de ser um ‘estranho num país diferente’ e enquadra-se na forma como sou. Dá-me mais passividade e leveza, como se fugíssemos a uma certa obrigação social que nos vê e às vezes julga. E o facto de sermos “estranhos” também nos dá mais possibilidades de conhecermos novas coisas, como pessoas também.
O que diria às pessoas que planeiam viver no estrangeiro? Aconselha a Islândia?
Diria como Platão o disse: “O começo é a metade do todo”. E com isto digo que a parte mais difícil será sempre o início, a iniciativa, o improvável e a forma como saímos da nossa zona do conforto. Recomendo que haja uma boa análise feita antes de se sair e que saibamos que todas as experiências são pessoalmente diferentes. A Islândia, a meu ver, é um país muito acessível pela sua facilidade e rapidez na burocracia, mas como disse tudo depende de uma visão pessoal, se gostam do frio ou preferem sítios quentes, tudo é subjetivo e há que ter isto em conta.
Filipe Torres