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“A minha tia ficou com uma metralhadora navaranda da casa de primeiro andar e fomos lá ver”

Tomaz Dentinho e o 25 de Abril de 1974

Correio dos Açores – Que idade tinha quando se deu a revolução de 25 de Abril de 1974?
Tomaz Lopes Cavalheiro Ponce Dentinho (Centro de Estudos de Economia Aplicada do Atlântico) – Tinha 16 anos, estava a estudar no sexto ano do Liceu Pedro Nunes em Lisboa, um liceu onde já se sentia a acção do MRPP e dos movimentos de esquerda, curiosamente liderados por pessoas que passaram a ser de direita depois do Verão quente de 1975.
Pouco tempo antes tinha sido o 16 de Março e alguns meses antes saiu a edição do livro sobre a guerra na Guiné, em Angola e Moçambique de Spínola. No cinema, as pessoas riam-se dos documentários sobre o regime. De perto, sabia-se que uns conhecidos da Capela do Rato tinham sido presos. Nos campos de férias recebíamos visitas de jornalistas porque cantávamos músicas de Zeca Afonso e desde sempre que o escutismo era preferido à mocidade portuguesa, também chamada de bufa. A maioria dos primos mais velhos iam para a guerra, mas alguns também fugiam para França. Na verdade, depois da incapacidade de Marcelo Caetano fazer mudanças já em clara perda, de se desconsiderar os portugueses que há séculos se tinham estabelecido em Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde e de não se ter o discernimento e coragem de evoluir para a democracia e para a liberdade das pessoas e dos sítios, todos estavam à espera que alguma coisa acontecesse, todos o queriam.

Onde se encontrava e como soube do início da revolução?
Estava em casa, o meu pai saiu com o meu irmão mais velho para o Largo do Carmo onde estava o Francisco Sousa Tavares a discursar em cima de um tanque, como me disseram. Mais acima do meu prédio ficava o Rádio Clube Português, de onde foi emitida a “Grândola Vila Morena”. Um pouco acima, a minha tia ficou com uma metralhadora na varanda da casa de primeiro andar e fomos até lá para ver os dois soldados aninhados. Ainda passámos pelo Rato e seguimos uma manifestação de PCs e MRPPs já gritando, de forma diferente, até à Praça do Chile. Era uma novidade e uma alegria embora cedo nos apercebemos do clima de divisão entre as oposições. À noite fomos ver televisão a casa dos vizinhos, pois era coisa que não havia lá em casa e aí se esperou algum tempo pelo aparecimento da Junta de Salvação Nacional com o General Spínola a encabeçar e com o General Costa Gomes a, sorrateiramente, se colocar à frente de Silvino Silvério Marques.

Como seguiu os momentos mais decisivos do 25 de Abril e os tempos que se lhe seguiram?
No dia 1º de Maio fiz uma banda com um lençol da Convergência Monárquica que arregimentou os monárquicos ligados aos 12 independentes das eleições de 1969 na manifestação daquele dia onde Álvaro Cunhal e Mário Soares, chegados do exílio, partilharam o palco sem deixar entrar a única oposição ao regime não socialista representada pela Convergência Monárquica. No Liceu Pedro Nunes nunca mais se viram os que tinham rasgado os cartazes contra a guerra colonial e, pouco mais tarde, tentaram sanear um aluno que se “riu durante um meeting do MRPP”, mas naquela primeira intervenção não tiveram argumentos para o fazer. As aulas de Organização Política e Administrativa da Nação passaram a ser de Introdução à Política e com outro professor; as notas de Filosofia foram dadas por leilão entre os alunos todas acima de 14; o MRPP convocava meetings pelas salas e os de direita iam atrás pelas salas a dizer que “o meeting do intervalo estava desconvocado”. Mais tarde, um de direita deu uma surra no líder do MRPP e duzentos “fascistas” e “social fascistas” foram expulsos do Liceu pelo MRPP. Tentávamos entrar, mas os do comité, alguns dos quais iam a festas de anos lá em casa, não nos deixaram entrar. Contou-me o Luís Represas, mais tarde, que uma rapariga da UEC (União de Estudantes Comunistas) ficou cega num destes momentos de “purga” dos fascistas e social fascistas. Uns dias depois, estávamos a atacar o Liceu de fora e uns dias mais tarde tínhamos um capitão de Abril a gerir o Liceu chamando as forças vivas, incluindo o PPM que, entretanto, chamamos de Frente Estudantil Monárquica (éramos três mas Sá Carneiro quis saber quem éramos e do PPM pediram-me para acabar com a iniciativa).
No Verão de 1974 visitei, no Cargueiro Uíge, a Terceira, o Faial e São Miguel. Lembro-me de que a ideia de autonomia do poder local e o referendo pela autonomia das pessoas e dos sítios defendido pelo PPM me ter ajudado nas conversas de quem tem 16 anos pela autonomia dos Açores.
Lembro-me, igualmente, das longas noites a colar cartazes e a pintar paredes (que vergonha tenho agora de ter pintado PPM no aqueduto). Lembro-me de amigos que foram com os pais para o Brasil e, sobretudo, de ter perdido os amigos para a vida dos campos de férias quando cada um foi para seu lado das divisões preparatórias da considerada inevitável guerra civil quando a “contra-revolução” chegou ao Rio Tejo. Lembro-me do Comício do Partido da Democracia Cristã quando foi cercado pelos “antifascistas” e das correrias pelo Parque Eduardo VII, entre cavalos da Guarda Republicana. E também do comício do MRPP onde vi espantado alguns primos da família e dos seus amigos de punho erguido. E lembro-me do 25 de Novembro, do cerco à Rádio Renascença, das histórias das ocupações das terras, da sabedoria das tias de Elvas em hospedar, na mesma casa, militares do COPCON e primos que fugiam para Espanha.
Em 1975 entrei na Universidade Católica e dediquei-me aos estudos mas em 1976 fizemos a única campanha não socialista no Alentejo: no dia anterior chegava às sedes de concelho com livros sobre a Reforma Agrária do Ribeiro Teles, fazia sentencies para anunciar a sessão de esclarecimento que distribuía e às 9H30 começava a sessão com vinte pessoas e um carro com Henrique Barrilaro Ruas, António Quintais e o meu pai chegados de Lisboa; às 11H00 havia uma invasão do PCP que, sem reacção da nossa parte e às ordens de quem os mandava, se sentavam para ouvir os oradores. Eu e o Gonçalo da Câmara Pereira aprendemos muito nessas semanas e ficámos amigos. A revolução tinha acabado e as terras começavam a ser restituídas aos seus donos.

Quais os benefícios da revolução?
Normalmente, não há benefícios directos nas revoluções, mas teria havido benefícios enormes se, pelo menos, 10 anos antes se tivesse referendado a autonomia e independência dos actuais PALOPs; se se tivessem estabelecido eleições livres e democráticas em todo o lado e, associado a isso, se tivesse realizado a integração na Europa 20 anos antes de quando aconteceu. É claro que a revolução trouxe liberdade das pessoas e dos sítios, mas tendo sido feita porque não houve evolução, o Produto Interno Bruto per capita descolou de vez da evolução do Produto Interno Bruto per capita de Espanha, muitos milhares de pessoas tiveram de fugir à pressa de Angola e Moçambique, a Indonésia ocupou Timor durante décadas. Com excepção de Cabo Verde, todos os países dos PALOP entraram em mecanismos de corrupção e de conflito que levam muito tempo a sarar. Enfim, face ao que deveria ter sido a evolução em 1964, a revolução em 1974 foi uma desgraça.

Qual a renovação que é preciso fazer para garantir o primado da democracia em Portugal e nos Açores?
É preciso estabelecer o círculo de compensação para que os eleitores dos círculos pequenos na periferia tenham tanta liberdade de voto como os de Lisboa ou Porto. É preciso dar a gestão da Casa de Bragança à Casa Real, dar assento no Conselho de Estado ao Senhor Dom Duarte e incluir a Família Real no Protocolo de Estado. E é preciso dar mais autonomia e responsabilidade às pessoas e aos sítios. Com isso, aumenta a nossa liberdade e responsabilidade.

Qual a pergunta que gostaria que lhe fizesse a propósito do 25 de Abril de 1974 e qual a sua resposta?
Por que razão não foi instituída a monarquia em 1950 e por que razão a geração dos meus pais não teve a coragem de instaurar a democracia e o referendo pelo menos 10 anos antes da revolução. Quem tem medo da mudança e não evita as catástrofes fica aquém das expectativas.
Com a monarquia teríamos libertado as colónias a referendarem o seu destino, instituído a democracia e não perdido tempo em anos de guerra e décadas de perda de produto. Tenho muita certeza de que seria esse o cenário mais provável.

João Paz
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