Face a Face!… com João Beleza Vaz, Director da ANACOM
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João Beleza Vaz, Director da Delegação da ANACOM dos Açores.
Fale-nos do seu percurso de vida no campo académico, profissional e social?
Nasci na Base Naval de Lisboa, na Casa de Saúde da Marinha em 1979. Sendo o meu pai Oficial de Marinha e ex-aluno do colégio militar e com o meu irmão a frequentar o mesmo estabelecimento de ensino, a minha escolha foi inevitável. Assim, em 1989, entrei para o Colégio Militar com 9 anos. Frequentar o Colégio Militar foi uma jornada de que me orgulho bastante. Os valores que me foram incutidos, ainda hoje, norteiam a minha vida. Terminado o Colégio Militar ponderei diversas opções para o meu percurso académico, entre elas a Marinha – Escola Naval. A publicação das listas de acesso às universidades “civis” saía antes do fim das provas de admissão à Escola Naval, que são caracterizadas por dinâmicas e prolongadas no tempo. Aquele espírito de grupo e o esforço físico associado à admissão na Escola Naval eram-me familiares e desistir não estava no meu léxico. Acabei naturalmente por ingressar no curso de Marinha em 1997.
Concluí a licenciatura em Ciências Militares Navais em Outubro de 2002. Como Oficial efectuei várias comissões de serviço em navios da Marinha de Guerra Portuguesa, tendo embarcado em fragatas, patrulhas e lanchas. Fui Comandante e Oficial Imediato de navio. Em terra, servi na Direcção de Comunicações e Sistemas de Informação no Estado-Maior-General e no Centro de Comunicações de Dados e Cifra da Marinha. Especializei-me em Comunicações na Marinha, frequentei o Curso de Promoção a Oficial Superior no Instituto de Estudos Superiores Militares e, na área técnica, frequentei diversos cursos na área de redes e sistemas e na área de sistemas de comunicações satélite.
Fui responsável pela arquitectura de comunicações de diversas missões militares e gestor das comunicações satélite militares, participei em diversos fóruns internacionais tais como NATO (C3B – CAP1), na Agência de Defesa Europeia (GOVSATCOM e EU SATCOM Market). Representei Portugal na Federated Mission Networking, desde a sua génese até 2019.
Após 23 anos de serviço, porque a carreira militar obriga a constantes mudanças de áreas e por um particular gosto pela área tecnológica, decidi concorrer a um Concurso Público para Directores da ANACOM, tendo concorrido para a Delegação dos Açores. No final do ano de 2023 decidi abater ao quadro da Marinha, mudando mais uma página na minha vida.
Na ANACOM, por entre diversos desafios, integrei o Júri do Concurso Internacional do SIRESP em 2023. Fui nomeado Presidente Comissão de Planeamento de Emergência das Comunicações. Desde que ingressei na ANACOM tenho dado uma especial atenção aos Sistemas de Cabos Submarinos, talvez pelo facto de, na minha formação ter tido disciplinas que vão da oceanografia, hidrografia, direito internacional marítimo às telecomunicações.
Que influência tiveram os seus pais na sua formação académica?
Os meus pais tiveram toda a influência pois educaram-me com determinados valores e princípios que quero acreditar que estão relacionados com as escolhas de frequentar, quer o Colégio Militar, quer a Escola Naval. Estas instituições consolidaram, de alguma forma, os valores que me foram incutidos no seio familiar.
Como se define a nível profissional?
Profissionalmente caracterizo-me como perseverante, rigoroso, dotado de elevado juízo crítico e orientado aos objetivos. A objetividade e o sentido crítico são essenciais, especialmente nos tempos em que vivemos em que é fácil perdermos o foco no que realmente é importante.
Quais as suas responsabilidades?
Actualmente tenho o privilégio de ser o Director da Delegação da ANACOM dos Açores. Mais recentemente fui nomeado para presidir a Comissão de Planeamento de Emergência das Comunicações, comissão que integra o Sistema Nacional de Planeamento Civil de Emergência.
Como descreve o sentido de família no tempo de seus pais. Qual o sentido que ela tem hoje e que espaço lhe reserva?
Tenho um conceito de família um pouco mais moderno do que os meus pais tinham. Hoje, talvez pelo ritmo acelerado de vida, a divisão e partilha das tarefas diárias pela família é vital.
Infelizmente, o modo de vida actual, deixa-nos pouco tempo para as crianças e isso tem um natural impacto na sua educação. É fundamental encontrar tempo para interagir e conhecer os próprios filhos. Os pais passam muito tempo a trabalhar e os filhos muito tempo na escola ou em actividades, por isso o pouco tempo que resta tem que ser tempo de qualidade.
A família é aquilo que temos de mais importante. O tempo passado na Marinha levou-me a ter que abdicar de tempo familiar durante longos períodos. Estas ausências e abstinência familiar, típicas de quem abraça uma causa em nome do seu país, fizeram-me ver o quão importante é a nossa família. Actualmente abraço uma causa diferente, também ela nobre, mas perto da minha mulher e filhas.
Hoje, reservo todo o tempo disponível para a família.
Que importância têm os amigos na sua vida?
Os amigos têm uma importância vital. No percurso da minha vida ganhei diversos amigos desde o tempo do Colégio Militar, da Escola Naval até às naturais amizades que se vai fazendo ao longo da vida. Contudo, eu estratifico-as em categorias, pois nem todas estas amizades estão ao nosso lado nos momentos difíceis, nem todos nos conhecem profundamente ou estão predispostos a perder do seu tempo para nos ouvir ou apoiar. Neste campo, tenho tido algumas aprendizagens ao longo da vida com algumas surpresas. Faço aqui uma ressalva para a particularidade dos amigos do Colégio Militar, cuja vivência de 8 anos em tenras idades levou à criação de sinapses que jamais se quebrarão. Provavelmente, neste caso, a palavra amigo não seja a melhor para descrever esta conexão.
Para além da profissão que actividades gosta de desenvolver no seu dia-a-dia?
Gosto de muitas outras actividades tal como desporto, bricolage, reflexão / conversas e convívio. Contudo, a actividade profissional tem dificultado o balanço que é fundamental entre o trabalho e o lazer. Mas é uma questão de tempo para encontrar esse equilíbrio.
Que sonhos alimentou em criança?
A de poder reformar-me sem trabalhar!! Desde pequeno, sempre que me perguntavam o que queria ser quando fosse grande, eu respondia que queria ser reformado como o meu avô Manuel! Isto talvez por o meu avô ser um homem feliz.
O que mais o incomoda nos outros?
A falta de consideração, de ética e moral.
Que características mais admira no sexo oposto?
Cumplicidade e respeito.
Gosta de ler? Diga o nome de um livro de eleição?
Sim, cada vez gosto mais de ler. O livro que me aguçou o interesse em outras áreas foi o “Roubar o Fogo”, de Steven Kotler e Jamie Wheal.
Como se relaciona com o manancial de informação, nomeadamente as notícias falsas, que inunda as redes sociais?
Evito redes sociais. Escolho aquilo que leio e mesmo considerando-me dotado de algum sentido crítico, por vezes sou levado a acreditar em algumas informações menos correctas… a realidade tem vindo a superar a ficção.
A massificação da internet e o aparecimento das redes sociais democratizaram o espaço mediático e permitem que pessoas mal-intencionadas, ou com outros interesses, façam uso destes meios e manipulem percepções da realidade.
Como lida com as novas tecnologias e que sectores devem a elas recorrer para melhorarem o respetivo rendimento?
Gosto bastante de tecnologia, contudo ela evolui de uma forma mais rápida do que aquela que consigo assimilar ou pôr em prática.
Vivemos num mundo completamente acelerado, onde ninguém detém uma visão holística e integrada da tecnologia, sendo certo que a adopção de tecnologias emergentes sem um devido amadurecimento e análise pode levar a que os prejuízos sejam bem mais desvantajosos e perigosos que os próprios benefícios. Esta análise torna-se fundamental em determinados sectores, onde a adopção de tecnologias sem uma devida análise e maturidade podem representar um risco acrescido.
A inteligência artificial está no centro do debate e pode por em risco o ser humano. Até onde deve ir essa inovação?
Risco para o ser humano existe sempre, mais que não seja o risco de algumas profissões tenderem a desaparecer e de outras emergirem. O potencial da IA é imenso e levanta claramente questões filosóficas e de humanidade. Confesso que pretendo reflectir sobre este tema, contudo preciso de mais conhecimento e maturidade para formular uma opinião mais cuidada. Certo é, estamos perante uma nova era.
Costuma ler jornais?
Sim. Todos os dias gosto de folhear os jornais regionais e nacionais e ler as notícias que mais me interessam a nível profissional.
Gosta de viajar? Que viagem mais gostou de fazer?
Confesso que viajando muito, por motivos profissionais, o interesse de viajar mesmo para destinos diferentes desvanece-se.
Uma viagem que me marcou foi uma efectuada ao Gana, onde estive na Fortaleza Portuguesa S. Jorge da Mina, na cidade de Elmina. Esta feitoria portuguesa, no Golfo da Guiné, foi fundada em 1482 com o intuito de controlar e defender o comércio do ouro e a navegação dos portugueses na costa ocidental de África. No arranque dos Descobrimentos portugueses ao longo da costa africana, no século XV, empreendeu-se uma política de construção de feitorias, de forma a poder vender, com segurança, os produtos nacionais em troca de ouro, especiarias e escravos, principalmente.
Quais são os seus gostos gastronómicos? E qual é o seu prato preferido?
Fui educado a comer tudo, portanto eleger uma comida favorita é difícil. Um bife é algo que me agrada bastante, assim como alguns petiscos tradicionais portugueses (lapas grelhadas, caracóis, etc.).
Qual a máxima que o/a inspira?
A máxima que me tem inspirado é que a Atitude é algo que faz toda a diferença na nossa vida. Tenho também sempre presente que aquilo que colhemos é fruto daquilo que semeámos.
Em que época histórica gostaria de ter vivido?.
Na Era dos Descobrimentos.
Que notícia gostaria de encontrar amanhã no jornal?
Portugal tem os melhores indicadores económicos da Europa e foi simultaneamente eleito pela Organização das Nações Unidas, como o primeiro país no ranking dos países mais felizes do mundo à frente da Finlândia.
Se desempenhasse um cargo governativo descreva uma das medidas que tomaria?
Acordos e entendimentos políticos alargados em torno das áreas de Educação, Saúde, Justiça, Segurança e Defesa por forma a estabelecerem-se objectivos concretos a médio prazo.
O país não pode ser redefinido a cada ciclo de 4 anos. Alcançar determinados objectivos requer tempo e consistência das medidas e políticas.
É importante dotar o país de desígnios e dar um rumo concreto. Quando não há rumo, não há vento favorável.
Enquanto cidadão, que análise faz à situação política regional?
Quando as opções, aparentemente mais credíveis, falham constantemente, acho perfeitamente natural que as restantes opções comecem a tornar-se uma alternativa, criando paradigmas. Estes, não são necessariamente desvantajosos, são sim, diferentes. Todavia, obrigam à procura de consensos entre as partes, o que me parece um processo de decisão ainda mais democrático, embora com mais atrição.
Em caso de nova crise política e novas eleições, os eleitores vão dar maioria absoluta à coligação PSD/CDS/PPM ou vão reforçar ainda mais a votação no CHEGA?
Não nos podemos sujeitar a mais crises políticas e estou em crer que os políticos têm essa convicção, assim como têm a convicção que não se consegue antecipar, com algum grau de certeza, um desfecho de eleições antecipadas.
Que perspectiva tem das telecomunicações nos Açores? Quais os seus pontos positivos e negativos?
Os Açores são uma região arquipelágica com uma elevada descontinuidade territorial e com baixa densidade demográfica. Ao analisar o relatório anual “O consumidor de comunicações eletrónicas”, publicado pela ANACOM, percebemos que a região dos Açores é das que regista a maior proporção de famílias com acesso a serviços de comunicações eletrónicas. Não deixa de ser paradigmático. Isto significa que tem havido uma intervenção dos sucessivos governos e entidades públicas na mitigação da insularidade e no princípio de coesão territorial.
Não quero com isto dizer que não há muito ainda a fazer. Há muito a fazer nos Açores nesta área e as particularidades do arquipélago criam desafios ímpares.
Em relação às redes móveis existem, ainda, muitas zonas com lacunas de cobertura. As obrigações de cobertura ditadas pelo “leilão do 5G” pretendem mitigar estas lacunas. Todavia, é importante perceber que quer a descontinuidade territorial, quer a orografia de determinadas ilhas e densidade populacional criam grandes desafios aos operadores de comunicações electrónicas, sendo que a maior preocupação deve ser dada à disponibilidade do 112.
A ANACOM está em campo a aferir o cumprimento destas obrigações.
Sendo os Açores uma região arquipelágica com grande descontinuidade territorial, não podemos ignorar a necessária interligação das comunicações entre ilhas e com o continente.
Recentemente, foi assinado o contrato para construção do novo Anel CAM entre a Infraestruturas de Portugal (IP) e a empresa Alcatel Submarine Networks (ASN). Este sistema será pioneiro a nível mundial, em paralelo com o cabo submarino que liga Vuanuatu e a Nova Caledónia. Este será o primeiro cabo submarino a integrar a componente SMART (Science Monitoring And Reliable Telecomunications) que permitirá, por entre outras possibilidades, uma detecção e aviso antecipado sísmico e tsunami. Esta componente foi uma das recomendações do Grupo de Trabalho liderado pela ANACOM para a substituição do Anel CAM. Existe mais uma recomendação do grupo de trabalho, ainda não implementada até à data, relacionada com a necessidade de se criar um grupo de trabalho para se estudar a substituição dos cabos submarinos que interligam as ilhas dos Açores. Este grupo deve ser constituído por um grupo alargado de entidades e individualidades de reconhecida competência na área.
Este estudo afigura-se importante não só para se identificarem modelos de financiamento, como se definirem requisitos funcionais e técnicos adequados à nova realidade e aos novos contextos.
É importante referir que, num contexto geopolítico complexo, existem preocupações securitárias que devem prevalecer, em particular, quando falamos de um sistema de cabos submarinos doméstico que garante a coesão territorial nacional e cujas redundâncias são parcas ou inexistentes.
João Paz