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“Não era um revolucionário mas sentiram queeu queria mudança e vivi-a com muita alegriae entusiasmo”, diz Monsenhor José Constância

Sacerdote, de 77 anos de idade, estava em Santa Maria quando se deu a revolução de Abril e chegou a ser eleito para a Comissão de Trabalhadores do Aeroporto.

À “ânsia das pessoas” pela mudança política, de uma maior abertura e prosperidade, Monsenhor José Constância acrescentou o entusiasmo que vinha do Concílio Vaticano II e que viveu, em parte no Seminário Maior e no Seminário Menor da diocese, onde era professor. Rumo a Santa Maria em 72 encontrou uma sociedade mais aberta e disponível para a novidade, fruto da presença de muitos continentais que trabalhavam no aeroporto e de uma maior abertura social e ideológica. Foi em Vila do Porto, como capelão do aeroporto e depois pároco e Vigário Episcopal, que viveu a revolução de Abril de 74.
“Tinha 26 anos de idade. Senti com alegria, a minha e a das outras pessoas, a concretização da revolução. Estava numa ilha que, embora pequena, era muito aberta” e por isso recordo “o entusiasmo daquele dia e daquelas notícias” refere numa entrevista ao Igreja Açores, que faz parte de uma série de momentos que quer o Sítio On-line quer o programa de rádio vão desenvolver para assinalar os 50 anos do 25 de Abril.
“Nesta ilha sentia-se uma grande alegria que porventura não foi igual em todas as ilhas. No Corvo, contava-se com piada que foi o sacerdote que já lá estava há 40 anos, o padre Eugénio Rita, quem deu a notícia aos corvinos a partir do seu rádio e, consequentemente, com a sua própria leitura do momento”, acrescenta ciente de que a rádio era um instrumento poderoso nessa altura nas ilhas, quiçá a fonte de informação mais comum.
O próprio Monsenhor José Constância tinha um programa no Asas do Atlântico, uma das estações mais antigas do arquipélago. “Embarcados da Vida” era assim uma espécie de momento doutrinal onde deixava as ideias que tinha da Igreja e para a Igreja, sempre animado por uma Igreja Povo de Deus, presente no mundo e nas realidades concretas do trabalho e da vida.
“Eu era Capelão do aeroporto e nomearam-me membro da Comissão de Trabalhadores, o que foi muito interessante porque o papel era muitas vezes o de moderador: por um lado apoiar as mudanças e, por outro, moderar alguns exageros, ao ponto de me terem chamado a atenção disso” refere com alguma ironia.
“Foi uma experiência muito interessante porque me permitiu estar no mundo, relacionando-me com muitas pessoas” precisa, como que a justificar uma das suas ideias mais repetidas, pois é no mundo que a Igreja deve estar.
“Hoje estamos com dificuldades sociais grandes, temos também dificuldades políticas e a própria Igreja vive um tempo de trepidação, pouco interessante até, mas ainda assim, nada disto se compara aos tempos difíceis de antes do 25 de Abril. Que, por isso, tem de ser lembrado como um tempo de luz que nos devolveu a esperança, apesar de todas as dificuldades que a democracia ainda não conseguiu resolver” adianta o sacerdote que actualmente serve nas Flores, onde é pároco in solidum com mais dois sacerdotes e Ouvidor.
“Não se pode fazer a história dos Açores sem se fazer a história da Igreja nestas ilhas” esclarece. Consequentemente, a história do 25 de Abril de 1974, seja no antes seja no depois, tem de ser vista também com a Igreja.
“Havia um certo tradicionalismo” reconhece, mas “as pregações de alguns padres, as conversas, o empenhamento dos leigos ajudou a acelerar uma transformação”, que só não foi maior “por medo do regime e das suas punições”.
“O laicado das décadas de 60 e 70 foi um laicado muito activo no mundo, nas estruturas sociais e culturais; quem não se recorda das Semanas de Estudo, com um foco de mobilização dos Seminários maior e menor, ou os escritos na comunicação social?”, interpela.
“Havia um grande empenho de todos na Acção Católica, nos Cursos de Cristandade… Tínhamos dezenas de leigos que constituíam uma geração laical nova que contribuiu para o brilho da presença da Igreja do mundo e que a Autonomia se fizesse com gente válida, com os limites próprios da época” defende, sublinhando o papel da Igreja na aceitação do 25 de Abril e depois na moderação que teve de ser feita aos exageros próprios também da época, “que também os houve na própria Igreja”.
“Terá havido alguns leigos e alguns padres que entraram num apoio a uma certa visão que queria fazer as coisas à pressa; creio que nem sequer era o espírito do 25 de Abril, mas parece que havia uma pressa de impor uma determinada visão da realidade e isso, mais tarde, com o curso dos acontecimentos do Verão quente no continente causou medo nos Açores”.
“Nessa altura a Igreja teve porventura um trabalho mais interventivo embora sem dar nas vistas”, referiu ainda, lembrando que “poucos eram os que tinham militância partidária”, mas os que “estávamos entusiasmados com a mudança no sentido de uma maior liberdade e desenvolvimento continuámos a trabalhar com os leigos”.
À pergunta se teve dissabores com a hierarquia, na altura com dois bispos- D. Manuel Afonso Carvalho, titular e D. Aurélio Granada Escudeiro, bispo co-adjutor- responde diplomaticamente: “sabe, Santa maria era uma ilha pequena, a que davam pouca importância. Talvez os colegas padres que estavam em São Miguel e na Terceira sentissem mais as dificuldades com a hierarquia”.
“Julgo que a maioria de nós nunca fez política partidária mas não deixávamos de anunciar e desenvolver a Doutrina Social da Igreja e só isso, por si só, já era muitas vezes considerada um afronta ao regime”.
“As pessoas estavam fartas da ditadura, sobretudo da pobreza” refere, prosseguindo: “não imagina, há 50 anos, as ilhas como eram; sentia-se muito o atraso que era fruto do regime que vivíamos. Tivemos uma época quatrocentista. Só há cem anos é que as ilhas se abriram do ponto de vista das ideias; era uma vida difícil, de isolamento. Éramos portugueses, cantávamos o hino mas eramos pobres, o mar galgava a terra e a terra tremia e as pessoas não tinham o que comer. Mas afinal que país é este, perguntávamos…”. Depois veio a guerra do Ultramar, a emigração e as pessoas continuavam a perguntar que país era este, acrescenta.
“Não é de estranhar que quiséssemos todos a mudança”, enfatiza. “E, para nós, o 25 de Abril trouxe a Autonomia político administrativa, que não foi fácil e que ainda está envolta num certo contencioso, mas nada que se compare ao antes do 25 de Abril”, reconhece.
O que sobra deste tempo?
“Não sei, acho que se perdeu entusiasmo”.
“O Concílio continuou na Diocese, com avanços e recuos e o 25 de Abril também trouxe a Autonomia, mas hoje vivemos pouco este espírito e esta dinâmica. O entusiasmo do Concílio, que hoje apelidamos de sinodalidade, está longe. Devíamos estar mais longe da pobreza; os espíritos dos dois acontecimentos deveriam estar mais activos. Havíamos de ser mais capazes de criar e recriar o espírito dessa época porque ainda há tanto por fazer”, conclui. I.A.

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