Retomo o contacto com os leitores das minhas crónicas, após as férias que me atribuí no período da Páscoa. Estou escrevendo na Segunda-feira, 15, de manhã e tenho o telemóvel desligado, porque hoje faço 81 anos e as mensagens e as chamadas previsíveis não me deixariam trabalhar em sossego. Hei-de atendê-las e responder mais tarde!
Regresso ao passado, recuando 50 anos, para me situar nas vésperas da Revolução do 25 de Abril. Com a ajuda do meu Diário, já aqui referido, reconstituo esses dias de emoções várias e de grandes dúvidas sobre a continuidade do regime autoritário, falhada a tentativa inicial, no consulado de Marcelo Caetano, para a sua transição no sentido da implantação das liberdades democráticas.
O factor de bloqueio invocado era afinal a guerra nas chamadas províncias ultramarinas, posteriormente rotulada simplesmente como guerra colonial. O conflito em três frentes, Angola, Guiné e Moçambique prolongava-se há já treze anos e a insatisfação entre os militares, alguns deles já com três comissões nos matos africanos, atingira um ponto deveras explosivo.
Pouco se sabia das diligências em curso para a formação do Movimento das Forças Armadas, mas elas já decorriam, sob o maior segredo, desde o ano de 1973 e fora mesmo já formalizado o objectivo de derrubar o regime, acabar com a guerra e instaurar finalmente em Portugal uma verdadeira Democracia.
A publicação do livro do General Spínola provocara uma grande sacudidela no statu quo político. A demissão dele e do seu superior imediato, General Costa Gomes, dos cargos que ocupavam no Estado Maior General das Forças Armadas, dera origem a substituições apressadas a vários níveis de comando, tudo culminando na manifestação de submissão dos oficiais conotados com o regime e defensores da continuação da guerra, apelidada com crueldade, mas com alguma exactidão, como a “Brigada do Reumático”.
O episódio da saída da unidade estacionada nas Caldas da Rainha, detida já às portas de Lisboa, era visto como o ensaio para alguma outra movimentação militar bem organizada e com resultado diferente daquela, da qual os supostos cabecilhas foram presos.
A remodelação ministerial feita no rescaldo de tais perturbações em nada afectou a marcha dos acontecimentos e foi recebida com óbvio cepticismo pela opinião pública em geral, apesar dos textos encomiásticos publicados nos jornais, sob influência do Exame Prévio, nome sob o qual fora mantida a velha Censura à Imprensa, tal como a sigla DGS substituíra, pelos vistos sem outras alterações, a salazariana PIDE. Os nefandos Tribunais Plenários continuavam a enviar os dissidentes activistas para as prisões políticas no Aljube, em Caxias e em Peniche.
Soube-se mais tarde que Marcelo Caetano, falhadas as diligências para uma aproximação ao PAIGC e ao seu líder, entretanto assassinado, Amílcar Cabral, encarara a sério o abandono da Guiné, onde a guerra estava perdida, e a concentração de esforços em Angola e em Moçambique, disso sendo dissuadido por alguns Altos Comandos. Neste caso, como nos outros, pesaria talvez na consciência dos responsáveis a situação em que ficariam as populações que professavam fidelidade a Portugal, especialmente os que faziam então parte da tropa portuguesa e combatiam os Movimentos de Libertação. Pelos vistos alguns deles foram trazidos, depois da independência das colónias africanas, para território português e integraram-se na comunidade nacional.
Da parte dos países da NATO, com destaque para os Estados Unidos, aguardava-se uma maior abertura quanto à evolução da Autonomia Progressiva do Ultramar, preconizada pelo Chefe do Governo e consagrada na própria Constituição. Eu próprio fui várias vezes portador desses recados, sem qualquer resultado prático, como já aqui narrei a propósito do debate havido na Assembleia Nacional. Os “Ultras” do regime mantinham-se inabaláveis no propósito de “defesa intransigente do Ultramar”, confirmando a herança salazariana.
O regime estava doente, conforme por esses dias lembrei ao velho Conselheiro Albino dos Reis, durante uma reunião da Comissão a que ele presidia, citando a famosa tirada de Carmona, no julgamento em Tribunal Militar, dos chefes da revolta de 18 de Abril, prelúdio do 28 de Maio… E, com efeito, o seu fim aproximava-se a passos largos, de forma radical, tal como surgira, por via agora do Movimento das Forças Armadas.
Na altura em que por todo o País se prepara a condigna celebração dos 50 anos da Revolução do 25 de Abril, espero que, em nome da Liberdade e para a festejar devidamente, haja uma medida de clemência para os encarcerados, que permita restituir ao menos alguns deles ao seio das suas famílias. Tenha-se em conta que no caso dos naturais das nossas Ilhas, são bastantes os que estão sendo castigados com uma pena adicional de degredo, de resto inconstitucional, pois cumprem a sua prisão fora da sua ilha, mormente no território continental da República.Por:
Bosco Mota Amaral
(Por convicção pessoal, o Autor não
respeita o assim chamado Acordo
Ortográfico.)