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A Natureza, essa grande inventora

Quando vai à farmácia comprar um remédio para as dores de cabeça, alguma vez pensou quem – e como – o inventou? Na realidade, a grande maioria dos medicamentos têm como princípio ativo substâncias que foram encontradas na Natureza, ou cuja inspiração vem de compostos naturais.
Mas por que razão a Natureza se deu ao trabalho de inventar remédios para o sere humano? Na realidade, as substâncias que para nós são medicamentos fazem parte das estratégias de defesa de muitas plantas, cogumelos, algas marinhas, alguns animais e de outros seres vivos que precisam deles para sobreviver. Isto é sobretudo verdade para animais pequenos e frágeis, que não têm outro modo de se defender, e para seres vivos que não se podem mover, como as esponjas marinhas, as plantas terrestres e as algas. Para se defenderem dos predadores que as querem transformar na sua próxima refeição, ou de serem infetadas por bactérias e fungos, tiveram de recorrer à “guerra química”, fabricando compostos que são venenos para os seus inimigos, ou que pelo menos lhes causam efeitos desagradáveis. A frase “só a dose faz o veneno”, atribuída a Paracelso, médico do séc. XVI, vem aqui muito a propósito: um veneno que mata por aumentar os batimentos cardíacos dum coelho pode estar na base de um medicamento para pessoas com insuficiência cardíaca, e outro que inibe os impulsos nervosos dos insetos e os paralisa pode vir a ser um bom tratamento para a Doença de Alzheimer. Isto tem a ver com a dose e com o tamanho de quem ingere o “veneno”, do modo de administração, e muitas vezes também de modificações que são feitas às moléculas para alterar as suas características mais negativas.
Há milhares de anos que os nossos antepassados recorrem ao poder curativo da Natureza, mas infelizmente é muito difícil garantir uma dose que não seja tóxica, mas que tenha a eficácia desejada, porque as plantas e outros adeptos desta “guerra química” da Natureza fabricam quantidades diferentes dos compostos de defesa, em resposta a variações do ambiente. Com o desenvolvimento da Ciência conseguiu-se identificar muitas destas substâncias, caracterizar a sua ação e transformá-las em medicamentos com uma dose conhecida. O chamado “fracionamento bioguiado” é uma boa estratégia: partindo por exemplo de uma planta, faz-se um extrato (ou seja, uma infusão), cuja ação se testa contra um parâmetro que tenha a ver com uma determinada doença – ou seja, faz-se um “bioensaio”. Em seguida vai-se tentando separar esse extrato em frações diferentes, e faz-se mais bioensaios a cada fração, até se chegar à substância que causa o efeito desejado. Depois disso ainda há muito caminho a percorrer, mas nos casos de sucesso chega-se a um medicamento que pode ser utilizado em terapêutica e vendido nas farmácias.
A título de curiosidade, o primeiro medicamento da era moderna, o ácido acetilsalicílico, fez 100 anos em 1999. No século V a.C., Hipócrates escreveu que o pó ácido da casca do salgueiro aliviava as dores e diminuía a febre. Esse remédio também é mencionado em textos das civilizações antigas do Médio Oriente, Suméria, Egito e Assíria. Mas foi preciso esperar até ao final do séc. XIX para se isolar o ácido salicílico a partir da casca do salgueiro, e com a sua modificação em ácido acetilsalicílico, menos agressivo para o estômago, nasceu um medicamento que ainda é usado em todo o mundo. Quem diria que a Natureza foi a grande inventora por trás deste sucesso?

Maria do Carmo Barreto

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