À medida que o século XXI avança, terminando em 2025 o primeiro quartel, vai-se entranhando no mundo uma sensação de loucura obsessiva, aquilo a que os indonésios chamam amok e que este ano foi título de uma destas crónicas. Como se não bastasse, aos doentios amoks que proliferam como cogumelos nas sociedades democráticas, juntou-se agora a pandemia do TikTok, uma virose mental subtil que anda a dar a volta à cabeça da juventude europeia e americana. Sob a capa da liberdade de expressão, um bem humano que em si, se usado com equilíbrio e bom senso, é inestimável, os amoks -tik- toks vão corroendo os pilares e valores fundamentais das nações do chamado Ocidente que, diga-se “enpassant”, ano após ano está menos ocidental e mais oriental. Não tardará que os laxistas que permitiram tal “orientalização” desatem a culpar todos (exceto, eles, claro!) pelo descalabro civilizacional, seguindo aliás o tradicional rumo dos passa culpas, quando não da vitimização. Uma simples revisão das notícias a que foi dado maior destaque nalguma imprensa nacional e internacional mais recente, dá para perceber a intensidade dos amoks que vão tomando conta de nós, com a ajuda dos tiktoks existentes.
Recuando a março passado e a nível nacional, damos com uma manchete do jornal “Público” que destaca os desafios à democracia entre os 9 perigos que condicionam o futuro do país. Vinte anos depois do último estudo-diagnóstico realizado, a Administração Pública portuguesa acordou da letargia e descobriu o óbvio, identificando ameaças que vão das alterações climáticas e da pressão sobre os recursos naturais, ao desenvolvimento tecnológico e multipolarização globalizada, passando pela questão demográfica e concentração populacional urbana, tendo como horizonte 2050.O diagnóstico chega tarde, além de repetir o que é há muito conhecido. Se é assim que o planeamento de políticas da Administração Pública funciona, começamos a perceber a razão pela qual está na moda governar à vista, ou pior do que isso, as causas de algum atraso estrutural português. Avançando para 5 de abril corrente, a primeira página do “Sol” surpreende com outra das boas, anunciando que os atrasos na aplicação das novas regras europeias nos controlos fronteiriços (entre elas, o reconhecimento facial) ameaçam excluir Portugal da área Schengen, destinada a permitir a livre circulação de pessoas no espaço da União Europeia. Diz o jornal que o governo português “andou a dormir durante 3 anos” e só tem até ao fim do ano para se equipar devidamente. O que deverá acontecer, segundo dizem, pois desencantaram no último Conselho de Ministros do Dr. Costa uns 30 milhões a tal fim destinados. Deu-lhes o amok, mas esperemos que a ida do ex-PM para o lugar europeu que lhe vaticina o Presidente da República, acabe por facilitar a solução. Ainda no espaço nacional, mas datando desta semana, a revista “Visão” questiona na capa o que sucederá à Europa com as guerras em curso, incluindo as guerras comerciais; a possível (des) União Europeia; a ameaça de catástrofe climática; finalmente, interroga se a desinformação vai potenciar o extremismo. Ao lermos as análises publicadas por diversos especialistas, apodera-se do leitor uma sensação de impotência perante o futuro, o que leva a entender a anestesia em que anda mergulhada grande parte da Humanidade, nomeadamente nos países mais desenvolvidos. Desde a globalização dos facebooks, instagrams e twitters/X, esperava-se que tal acontecesse, situação exponenciada desde o aparecimento do TikTok.
O fenómeno TikTok teve origem na China em 2016 sob a marca Doyin, criada pela empresa ByteDance e destinada a acolher vídeos de formato curto, colocados na internet por utilizadores. Desenvolvido em pouco mais de 6 meses, um ano após o lançamento, a Doyinjá tinha 100 milhões de utilizadores e alcançara 1000 milhões (1 bilhão) de visualizações diárias. Para se expandir a nível mundial, a empresa-mãe lançou em 2017 a plataforma TikTok, partilhando com a Doyin a mesma interface de utilizadores. Em 2018, a “mamã” Byte Dance adquiriu por 1 bilhão de USD a Musical.ly, uma empresa de Shanghai com agência na Califórnia, abrindo caminho para o rentável mercado dos Estados Unidos e, por tabela, do resto do mundo. O crescimento foi tal que, logo em 2021, TikTok alcançou 1 bilhão de utilizadores e teve 4 bilhões USD de receitas publicitárias. Proventos que em 2023 somaram para cima de 14 bilhões, muito à custa da publicidade paga por multinacionais americanas como a Apple e a Amazon. Altamente flexível, imaginativa e apelativa, sobretudo para as camadas jovens, a plataforma social TikTok teve um crescimento muito mais rápido que congéneres como o Facebook, suscitando animosidades, algumas bastante justificadas. Várias investigações concluíram que certos comportamentos desviantes de jovens utilizadores tinham origem tik-tokiana, para além de suspeitas de uso para fins ainda mais graves, inclusive políticos e criminosos. Destes se destaca o uso de dados para fins ilícitos, uma doença digital comum às redes sociais. Mas sejamos otimistas, porque entre amoks e tiktoks, alguém irá escapar.
Vasco Garcia