(conclusão)
III
A DETERMINANTE GEOGRÁFICA
Os Açores enfrentavam e enfrentam uma realidade insular específica. Não constituem um conjunto de ilhas próximas dum território continental nacional, mas um Arquipélago no centro do Atlântico Norte no passado longínquo assolado por piratas.
Na pequena Ilha do Corvo, a mais Ocidental e mais vulnerável existe uma ampla gruta embutidana sua costa, de difícil reconhecimento a partir do mar, na qual e em “embarcações de boca aberta” se escondia toda a população para escapar à invasão dos “piratas”. Lá se escondiam famílias inteiras que deixam as suas casas ao alvitro dos violentos “piratas”. Na Ilha, existe ainda uma “laje” na qual se abraçavam as “senhoras ou meninas” antes de emigrarem, segundo o escritor português Raúl Brandão in “As Ilhas Desconhecidas”.
A Ilha do Corvo tinha e tem direito à igualdade, à acessibilidade, ao abastecimento, aos serviços de administração pública, aos serviços públicos educacionais e de saúde, como no resto do Arquipélago. A Ilha do Corvo necessita de abastecimento regular.
Rejeitando considerar que se trata de uma vingança da geografia, é, porém, necessário ter presente que as caraterísticas geográficas permanentes do Arquipélago não só dificultam o seu desenvolvimento como exigem soluções específicas para uma maior mobilidade e interação populacional como também para o abastecimento tanto em bens alimentares e de outros tipos necessário ao desenvolvimento, designadamente as matérias primas e as comunicações.
O Arquipélago é composto por nove ilhas cuja população, as deficientes condições de vida e a emigração foram ao longo do tempo não muito longínquo reduzindo a metade.
As ilhas estendem-se por mais de 600Km de mar – que muito raramente parece um rio – que as afasta ainda mais porquanto dificulta ou impede o seu acesso… Assim se foram individualizando ao longo dos séculos e admitindo que uma governação política e administrativamente repartida seria a mais apropriada. A autonomia desfez o mito.
Nos anos setenta do século passado, as ilhas evidenciavam um nível de desenvolvimento muito baixo e diferenciado entre si. Eram, cautelarmente, ciosas detentoras de potencialidades próprias, mas que de pouco lhes valiam. Ostentavam carências específicas que as desertificavam e as isolava fazendo-as perder a confiança no futuro melhor.
Chegar a casa nos Açores depois de uma estadia no exterior do Arquipélago não era desembarcar numa das ilhas. Estar em casa era sim ter os pés em terra firme da sua própria Ilha.
Os Açores não eram um todo integrado, ainda que conceptualmente, tinham pouca esperança de o conseguir com êxito quando a autonomia política e administrativa lhes foi outorgada.
Eram governadas localmente por um “governador de Distrito” distinto, com honras de ministro, que se relacionava com o poder central individualmente e com regimes de cooperação com o poder central ponto a ponto.
Só a emigração conseguia minorar as dificuldades. Em muitas zonas do até muito tarde se andava de pé descalço…
Contudo, o ser humano tem razões que a matéria desconhece. Subitamente nos anos setenta do século passado tudo muda.
Os Açores passam a dispor de uma assembleia legislativa e de um governo único classificados como órgãos de governo próprio pela Constituição da República, consistentemente pela primeira vez em quinhentos anos.
Começam as primeiras experiências, como o primeiro Orçamento Único, o primeiro Plano de Investimento, o Estatuto Político Administrativo elaborado regionalmente.
Os açorianos começam a perceber que é possível a globalização política e económica e quais são as suas vantagens em relação a um passado de escassez em todas as áreas.
O Partido está unido e interage com os órgãos de governo próprio, a oposição política compreende o quadro das prioridades regionais e a urgência em executá-las.
A Região Autónoma nasce.
Tudo isto parece simples de constituir e de perenidade garantida. Todavia, não é bem assim, nem cá dentro nem no exterior. Por exemplo, a Córsega por muito que se tenha esforçado e por muito que valha para a França nunca conseguiu que a Constituição Francesa reconhecesse a sua autonomia. O Parlamento francês e os sucessivos presidentes da França têm sistematicamente recusado incluir na Constituição as disposições que o reconheçam, pelo menos até hoje.
Nos Açores foi possível dar o passo de gigante, o da autonomia que a mudança de regime político nacional em 25 de abril de 1974 permitiu constitucionalmente e estimulou politicamente: liberdade, igualdade e descolonização.
A razão humana, os objetivos comuns e a cooperação superariam a determinante geográfica e demonstrariam que a geografia condicionante não passava disso mesmo, de uma condicionante permanente que dificultava o desenvolvimento, mas que poderia ser minimizada em benefício de uma comunidade humana cansada de terríveis desmandos da natureza – terramotos, tempestades atmosféricas e marítimas há muitos séculos.
IV
NÃO PORQUESE EXECUTA,
MAS COMO SEEXECUTA
O PSD/A governou os Açores nas duas primeiras décadas da autonomia. Período durante o qual usufruiu de maioria absoluta. Condição de estabilidade política, em regra, quando é obtida por um único partido e sem a intervenção condicionante de outro órgão de soberania ou da sobreposição de meros interesses partidários. Se não, o desastre político será apenas uma questão de tempo que surge como um fenómeno natural.
A política é uma faca de dois gumes, em qualquer parte do Mundo e até no Vaticano como demonstra a história.
Durante o primeiro período de governação global dos Açores, o PSD/A tinha como construtor politicamente incumbido do novo estado político-administrativo insular a obrigação de através dos poderes políticos outorgados por eleições:
- Instalar os órgãos de governo próprio, assim como de assegurar o seu funcionamento regular;
- Estruturar a administração pública regional autónoma;
- Estabelecer o modo de relacionamento político e administrativo com o poder central;
- Recuperar um aliado, no passado recente esquecido, a diáspora açoriana nos Estados Unidos e no Canada de valor inestimável;
- Lançar um programa de desenvolvimento económico que respeitasse o princípio da eliminação das desigualdades entre as ilhas açorianas e uma esperança segura de desenvolvimento económico insular global.
Sabendo perfeitamente o que fazer, era imperioso pensar no caminho a percorrer e nas decisões certas com inteligência, frieza quanto ao tempo e modo de execução assim como na sua resiliência continuada e futura, o que hoje é costume designar por sustentabilidade.
Afirmo com conhecimento de causa presencial que se tratou duma missão política e de gestão do interesse regional cumprida exemplarmente e não ideológico-partidária. Rigorosamente e como havia de demonstrar mais tarde, o PSD/A não tinha como desígnio perpetuar-se no poder regional. Sempre me senti bem no PSD e se mais não contribuí foi por minha causa.
Posso confirmar que a ação governativa e os objetivos alcançados no domínio da transição de regimes político-administrativos foram reconhecidos no plano nacional e internacional.
Eu próprio fui pessoalmente valorizado por ter participado naquele tempo de construção da autonomia político-administrativa, de inquestionável inovação, cujos exemplos mais notórios dizem respeito à estabilidade e ritmo com que foi instalada a administração pública regional e global do Arquipélago de 9 ilhas; o sucesso de gestão financeira pública durante os primeiros tempos e mesmo nos futuros; a procura da suficiência energética através da geotermia; o equilíbrio das contas públicas regionais, quando o esperado era precisamente o contrário; a construção de portos e aeroportos sem os quais as ilhas se desertificam; o bom e produtivo relacionamento com os órgãos de soberania.
Durante cerca de nove anos a Região Autó-noma apenas contraiu um financiamento, o necessário para fazer face à reconstrução da destruição causada pelo sismo de 1980. Neste caso específico o programa de recuperação da devastação causada pelo sismo foi notável, tanto nas medidas tomadas como na qualidade da sua execução.
O PSD/A conscientemente soube gerir a cooperação entre as duas componentes da governação pública: o braço político e o de gestão, que proporcionaram o crescimento económico e a valorização de setores produtivos como as pescas e a agricultura que sustentava a indústria tradicional e resiliente.
Assim, contra algumas opiniões respeitáveis e algumas vozes mais sonantes, o PSD/A logo que assumiu o governo dos Açores, ainda nos anos 70 do século passado, conseguiu definir e executar a política económica mais adequada para o nível de desenvolvimento insular como para alcançar um objetivo de coesão regional e de redução da desigualdade entre as ilhas que, ao tempo, tendia a aumentar das maiores e mais populosas para as menores e menos populosas, quebrando assim o mito de que o mais pequeno e menos possidente está condenado a ser pobre toda a vida e o maior e mais poderoso rico para sempre.
O programa de desenvolvimento ficou para a história como uma política de “desenvolvimento harmonioso” e consistia em primeiro lugar na resolução do problema de acessibilidade entre ilhas e com o exterior através da construção de infraestruturas de transportes apropriadas para combateras carências das ilhas geograficamente mais pequenas, menos populosas e mais afastadas. As mais dotadas teriam de aguardar que a prioridade fixada fosse cumprida com êxito.
Quando refiro os dois braços obreiros – o político e o técnico – do compromisso político recebido por votação popular, universal e justa quero significar que o PSD/A soube, sem armadilhas, conjugar, equilibrar e assegurar a sua força realizadora local nos vetores essenciais da mudança profunda de que os Açores necessitavam há de 500 anos.
O político demonstra porquê e o técnico diz como.
Recordo que o PSD dedicou uma parte si-gnificativa de um dos seus regulares congressos a debater esta matéria, a tensão entre a componente política e a técnica nas decisões, deliberações e na execução, o que foi importante para a compreensão da matéria em causa como para boa governação.
Creio que a memória não me trai se escrever que foi compreendido um princípio norteador: o político revela a necessidade e o técnico a oportunidade.
A oposição política também contribuiu para que fossem reduzidas as carências em infraestruturas e na acessibilidade a cadeias de fornecimento das ilhas mais vulneráveis em primeiro lugar e só depois se elaborasse o programa de desenvolvimento global.
A oposição inteligente e solidariamente não calou discordâncias nem críticas contundentes, mas não elevou os interesses partidários acima dos interesses regionais.
Deixou que o PSD governasse colocando acima de tudo as famílias e suas necessidades, as empresas e sua atividade produtiva, assim como reconhecia a obra de desenvolvimento possível que estava a ser realizada e as prioridades que o Orçamento e Plano regionais estabeleciam.
Sem estabilidade política e sem a primordial assunção do interesse regional – desenvolvimento e melhoria das condições de vida, coesão e inclusão insular, consolidação da autonomia – como o desígnio da Região Autónoma não teria sido possível chegar tão longe em tão pouco tempo. Fazia parte do interesse regional ação a ele dedicada por parte das formações partidárias. A compreensão e o respeito por este princípio foi a chave dos primeiros anos de autonomia e de governação.
Beneficiando da estabilidade política e de mandatos quadrienais foi ainda possível ao governo do PSD melhorar a informação prestada à Assembleia Legislativa Regional e elaborar programas de investimento e de desenvolvimento para 4 anos.
Durante os primeiros anos, a Região Autónoma dispôs de recursos financeiros suficientes com origem no apoio do Estado destinado a financiar o défice orçamental e dos Estados Unidos como contrapartida da utilização da base aérea das Lajes na ilha Terceira.
Nem sempre o Governou Regional navegou num mar de rosas político e financeiro.
As dificuldades surgiram quando o Governo americano, primeiro reduziu o montante das transferências financeiras e depois a sua totalidade, destinando à Fundação Luso Americanao todo apoio que aos Açores era prestado.
A interação entre Partido, Parlamento e Governo manteve-se o com mesmo nível de cooperação e o mesmo sentido de defesa do interesse regional.V
TODO O MUNDO É COMPOSTO
DE MUDANÇA
No ano de 1985, o PSD no plano nacional ganhava significativa expressão nacional e crescente adesão do povo. Foram marcadas eleições para a Assembleia da República.
A maioria absoluta no Parlamento nacional estava inegavelmente ao seu alcance.
Comuniquei à Comissão Política Regional a minha vontade como a minha disponibilidade para integrar a lista de deputados pelo círculo dos Açores.
Tinha a certeza que daquela vez o PSD/A elegeria 4 deputados, no total de 5, que seria então o número de lugares atribuídos aos Açores.
Não me preocupava o lugar na lista. Poderia mesmo ser o primeiro da “lista de suplentes”, como veio a verificar-se.
Compreendi a solução encontrada, pois ainda era Secretário Regional das Finanças e o meu afastamento poderia gerar alguma dificuldade. Todavia, não desisti.
Como previra, o PSD/A fez eleger 4 deputados. O Presidente do Partido e do Governo que sempre concorreu no 1º lugar da lista não o ocuparia, suspendendo-o. O lugar no Parlamento nacional que lhe pertencia pelo círculo dos Açores, ser-me-ia destinado ainda que supletivamente,
Curiosamente, fui substituído no Governo Regional pelo primeiro Secretário Regional das Finanças, o mesmo que o Governador nomeara para Presidente da Câmara de Ponta Delgada e me convidara para Diretor Regional. O Mundo não é plano, é redondo.
O então Ministro das Finanças, um dos três melhores de todo este tempo de democracia, vendo-me no Parlamento em que o PSD detinha maioria absoluta, disse-me que aquela não era função que deveria exercer porque não se enquadrava no meu perfil.
Algum tempo depois convidar-me-ia para Presidente da Bolsa de Valores que era então um instituto público dependente da tutela do Ministério das Finanças.
Alguns anos depois o PSD/A ganharia uma vez mais as eleições nos Açores. Um conjunto alargado de militantes do PSD/A de várias ilhas e meus amigos pediu-me para regressar aos Açores e ao Governo Regional. E eu voltei ao Arquipélago, do qual em boa verdade nunca tinha saído totalmente, para assumir a Secretaria Regional da Economia.
Porém, os tempos já outros e as vontades também eram outras.
Ao fim de cerca de dois anos voltaria à Assembleia da República para completar o mandato, abandonando o Governo Regional ao qual nunca mais voltei.
Terminado o mandato, enveredaria pelo sistema bancário e mais tarde pela regulação dos mercados de valores mobiliários (CMVM) e, por fim, porque os Açores nunca me tinham libertado, havia de retornar à atividade no PSD/A para, primeiro concorrer à Presidência do Partido e em seguida às eleições regionais no ano de 1996.
Concorri às eleições em 1996 porque, o Presidente do PSD/A entendeu que era o momento de deixar a atividade político-partidária nos Açores.
O PSD/A elegeu-me para líder e como candidato do Partido às eleições regionais que se aproximavam.
Realizadas as eleições, o resultado entre os principais concorrentes – PS e PSD – foi muito aproximado: o mesmo número de deputados e menos cerca de 2 pontos percentuais a favor do PS. De imediato, PS negociou uma coligação parlamentar com o CDS regional de então.
O PSD/A foi afastado da governação durante duas décadas.
VI
O FUTURO É O QUERER
DO PRESENTE
O PSD/A volvidas duas décadas retomou a governação dos Açores vencendo as eleições que se realizaram no ano de 2020.
A não aprovação do orçamento para o ano 2024, o último ano do mandato, determinou a marcação de eleições antecipadas. Os Açores foram vítimas duma estratégia nacional presidencial que implicava a marcação de eleições em todos os territórios eleitorais constitucionais.
O Presidente da República por razões que não tornou públicas identificou fundamentos e interpretações constitucionais que justificavam gerar no País uma nova ordem político-partidária em todo o território nacional: continental, açoriano e madeirense. Errou estrondosamente.
O governo do PSD/A caiu por não ter sido aprovado o orçamento da Região, causa que a Constituição não prevê com os referidos efeitos nem nenhuma razão confirma.
As novas eleições no âmbito das quais o PSD/A concorre em coligação partidária convergente, venceu-as e prossegue a sua governação regional.
Uma vez mais o povo Açoriano votou em quem ele próprio escolhe para governar independente das circunstâncias políticas continentais.
A autonomia política regional, passado cerca de 2 décadas de reconhecimento constitucional, definiu o seu próprio caminho gerindo as entorses políticas exteriores.
O PSD/A demostrou a sua própria qualidade política consolidada como a sua consciência histórica e a sua persistência na defesa da autonomia regional.
Tem desafios tremendos pela frente.
Desde logo, o que acaba de vencer. A tentativa de confusão de interesses políticos respeitantes ao território continental com os respeitantes ao território insular com 500 anos de singular história atlântica.
Houve claramente uma tentativa inaceitável de estender a todo o País um mal político que só ao continente dizia respeito.
Tendo sido os primeiros a realizar eleições neste ano de 2024, o PSD demonstrou a sua isenção política, a integridade da sua representação política regional. Fê-lo com consciência, com verdade e em representação do povo que nele confia.
É este o meu testemunho que me impôs que tivesse um princípio, um meio e um fim atual.
Ponta Delgada, 7 de Abril de 2024.
Álvaro Dâmaso