Em Março de 1974 estava em Bissau, integrando a comissão liquidatária da Companhia de Caçadores 3519, uma companhia de madeirenses, que havia terminado a sua missão na Guiné e na qual eu me havia integrado em rendição individual.
Vivia-se naquela altura em Bissau um período de verdadeira euforia, motivada pela recente publicação do livro do General António Spínola “Portugal e o Futuro”.
Sabia-se das divergências entre o governo do professor Marcelo Caetano e o General António Spínola quanto à política colonial que o levaram ao afastamento do cargo de governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné e à sua substituição pelo General Bettencourt Rodrigues.
O novo governador era considerado um homem da linha dura do regime e adepto do combate sem cedências ao PAIGC, e por isso corria à boca pequena nas esplanadas de Bissau, que serviam de local de descanso e de retempero de forças a quantos, na capital, esperavam pelo regresso a casa ou pelo regresso à mata, que a resignação do General Spínola era o advento de mudanças importantes que se anteviam para breve na vida política nacional.
A situação na Guiné era cada vez mais difícil e o endurecimento das acções militares, resultantes da política traçada pelo General Bettencourt Rodrigues, levou ao êxodo da população, ao agravamento das condições de vida, à fuga das aldeias, à destruição das sementeiras e das colheitas e à falta de condições para garantir o regular abastecimento em alimentos essenciais.
Em Bissau, começava a ser racionado o abastecimento de arroz, que era o principal alimento humano. A população dava sinais de cansaço e de desespero perante a penúria de alimentos que se sentia na cidade.
Todos estes sinais, e as informações que íamos trocando com amigos de serviço no Quartel-General, deixavam adivinhar que o regime estava próximo do fim…
Foi com esta esperança que, a 5 de Abril, chegamos a Lisboa, onde fiquei até ao dia 7, data em que fui desmobilizado. Nessa altura encontrei um amigo de curso que tinha ficado por Lisboa e me perguntou pelo meu futuro, se continuaria em Lisboa para acabar o curso ou viria para os Açores. Disse-lhe que iria acabar o curso, mas antes pensava passar uma temporada nos Açores.
Este meu amigo, além de naquela altura prestar serviço militar no Ministério da Marinha, tinha um familiar chegado que era Contra-Almirante e pessoa bem informada. Disse-me ele então: “Põe-te a mexer para os Açores porque falta pouco para isto rebentar”…
Pelo sim pelo não, fui logo à TAP no Marquês de Pombal, marcar viagem para os Açores, onde cheguei no dia 8 de Abril a Santa Maria, ilha por onde se fazia escala para chegar a São Miguel.
Por sorte, consegui que a SATA me assegurasse lugar no dia seguinte para São Miguel, mas não era fácil arranjar sítio para pernoitar na Ilha de Gonçalo Velho, porque o único hotel existente tinha um reduzido número de camas e na altura estava com a capacidade esgotada. Por isso, o lugar para passar a noite seria a própria aerogare. Entretanto, naquela Ilha, encontrava-se um amigo a quem eu queria dar um abraço, e por isso resolvi, à hora da missa na Capela do Aeroporto, aproveitar a ocasião para me encontrar com o Padre José Constância que ali celebrava missa.
A nossa amizade tinha raízes fundadas na altura em que ele apoiou um grupo de reflexão de Jovens que eu coordenei e que se juntava no Convento dos Frades da Lagoa, em jornadas de reflexão e aprofundamento da fé, que se prolongavam por três dias.
Nestes encontros participavam rapazes e raparigas, desafiando costumes e correndo riscos, estes superados pela enorme vontade e pela energia que alimentava o sonho de encontrar caminhos que conduzissem a uma nova sociedade onde cada qual pudesse crescer em função da sua capacidade, onde não houvesse necessidade de emigrar para sobreviver, onde a liberdade fosse coisa natural, e onde a terra em que nascemos não fosse madrasta mas sim mãe na qual cada um pudesse realizar-se como homem ou mulher, e também como cidadão.
Para connosco reflectir havia pessoas adultas, preocupadas como nós. Gente da sociedade civil que também sentia e partilhava as nossas inquietações e dos quais destaco o médico Dr. António Silveira da Rosa, o Eng.º Dinis Pimentel da Silva, o empresário Juvenal Pimentel da Costa, o médico Dr. Aníbal Furtado Lima e Laura Furtado Lima, e os empresários Jaime Alves, José Luís Filipe, Luís Figueiredo, Jeremias Pimentel, João Gago da Câmara, e o conceituado Professor Jorge Amaral, que disseram sempre presente, juntando-se também a grandes nomes da Igreja que se empenharam e apoiaram este movimento de reflexão, que incomodou muita gente e chegou a ser perseguido como um grupo para -político e agitador, digno de atenção permanente por parte do governo civil de então.
O Padre José Constância não me deixou pernoitar na aerogare e ofereceu-me lugar na sua casa para dormir, o que permitiu pormos a escrita em dia e reflectirmos sobre a situação política e social, coisas que estavam sempre presentes nas nossas preocupações e faziam parte da militância cristã que nos norteava.
Refiro este encontro porque no fim da década de sessenta e no início da década de setenta, houve um intenso trabalho de intervenção social, liderado pelos movimentos da Acção Católica e dos Cursos de Cristandade, que prepararam nos Açores o advento da democracia.
Paralelamente havia vários grupos laicos e agnósticos que iam desenvolvendo um trabalho político aproveitando a vinda mais ou menos prolongada a São Miguel de figuras oposicionistas ao regime, e dessa forma fazerem formação dessas pessoas que seria depois, futuros quadros políticos.
É de notar que esses movimentos, embora não se encontrassem entre si, contavam com o apoio e a participação de grandes figuras da Igreja católica nos Açores, considerada a grande escola de formação e de valorização intelectual que tínhamos.
Nomes como Cunha de Oliveira, José Enes, Francisco Carmo, Weber Machado, Agostinho Tavares, Manuel António Pimentel, Valadão dos Santos, José Franco, Manuel Medeiros, Moreira das Neves, José Piques Garcia, Benjamim Cabral, José Constância, Costa Freitas, António Leite, Edmundo Pacheco, Hermínio Pontes, José Gomes, entre outros, destacaram-se pela acção, pela palavra e pelo pensamento, neste movimento de grande importância na Igreja Açoreana e muitos desses nomes cruzaram-se com os movimentos da oposição enquanto outros apoiaram e participaram no movimento de jovens que coordenei entre outros, com Aguinaldo Almeida e Alexandre Amaral, com a bênção do padre Aristides Zacarias Pacheco Arruda, me levou inúmeras vezes a visitar Armando Cortes Rodrigues que nos oferecia sempre um pequeno almoço. Cada vez que lá ia sentia-me mais pequeno perante aquele grande mestre e vulto da literatura, que era Armando Cortes Rodrigues).
O movimento de jovens teve uma importante âncora que era o Capelão militar, padre Leonardo Moniz, que nos franqueava a Igreja de Santo André, que estava confiada à capelania militar, e onde todos os Domingos, pelas onze horas, se enchia de jovens e de adultos para a celebração Eucarística, sempre cantada e acompanhada de música executada por instrumentos de corda e por bateria.
Era uma festa empolgada pelas homilias que estavam a cargo do padre Costa Freitas e de outros que intermitentemente se disponibilizavam para participar naquela regular celebração.
Chegado a São Miguel, e depois de arrumar as malas desfrutar os momentos próprios do reencontro com a família, passados dois dias, encontrei-me com o Dr. José da Silva Fraga, com o qual mantinha desde há muito uma sã amizade.
Com frequência, encontrávamos tempo para conversar sobre política e agora que tinha regressado, era preciso aferir com ele, como iam correndo as coisas por cá. Silva Fraga além de ser um insigne advogado era um apaixonado pela política e preocupava-se com a forma como viviam e sofriam os seus compatriotas Açoreanos.
Foi sempre um inconformado com o regime ditatorial, e enfrentou -o como pode, direi de forma atrevida para o regime, através da escrita na imprensa, onde defendeu a liberdade de expressão e o direito à imigração, nos seus trabalhos intitulados “ Conversando com Salazar”, e publicados no jornal “Açoriano Oriental”, à data semanário, e do qual chegou a ser Director, e regularmente no Jornal Correio dos Açores.
Várias vezes teve de refazer os escritos que a censura truncava, e foram muitas as reclamações e exposições que dirigiu ao governo de Lisboa insurgindo-se contra situações que considerava injustas para os Açores.
Admirava-o como mestre e como amigo mais velho, que em muitas ocasiões substituiu o conselho paternal que perdi, com a partida prematura de meu pai. O Dr. Silva Fraga era um inconformado com a situação. No início da década de setenta, conjuntamente com outras figuras proeminentes da sociedade micaelense, chegaram à conclusão que a única maneira de mudar o regime tinha de ser por dentro, e muitas dessas figuras acabaram por integrar a Acção Nacional Popular, que tinha resultado da refundação da União Nacional feita por Marcelo Caetano. Silva Fraga fez questão de nunca se filiar na Acção Nacional, apesar de integrar o Movimento. Depois do 25 de Abril, não descansou enquanto não obteve do Quartel-General em Ponta Delgada uma declaração de como o seu nome não constava nos ficheiros de militantes da ANP, que se encontravam à guarda da Junta de Salvação Nacional, constituída na sequência da Revolução de Abril. Naquela altura, não havia aviões diários, não existia televisão, telex, fax ou internet, e o mar ampliava ainda mais a distância entre as Ilhas que eram “Adjacentes” do continente, e só lembradas pela Metrópole quando delas precisava. Apenas a rádio oficial que o regime controlava, nos mantinha ligados ao mundo pelas notícias que difundia e pela música que emitia. Mesmo assim, a sensação que pairava era que o regime tinha os dias contados e só restava esperar pelo dia e pela hora.
Apesar do isolamento, ou talvez por causa disso, a oposição contava com muitos adeptos e entusiastas fazendo jus à militância liberal doutros tempos, em que os Açores estiveram sempre na linha da frente, apoiando D. António Prior do Crato, e estabelecendo o Governo Interino em São Miguel.
Desde os bancos da escola que gostava de falar da política e sobre ela opinar, levado certamente, pelas conversas frequentes, e às vezes apaixonadas, que meu pai mantinha em casa, em oposição ao regime, para apoquentação de minha mãe que pedia moderação, por causa da polícia, que por duas vezes nos bateu à porta e levou meu pai para o interrogar.
Ele estava sinalizado desde as eleições em que participou o General Humberto Delgado, e nas quais esteve envolvido como apoiante da candidatura e participante numa das mesas de voto em Rabo de Peixe.
As Semanas de Estudo realizadas nos Açores foram um espaço de debate importante, e importantes foram também os Círculos de Amigos da Ribeira Grande com Ezequiel Moreira da Silva e Padre Edmundo Pacheco, e da Lagoa com Jorge Amaral Borges, que abriram portas para se falar da sociedade e das questões que a atormentavam.
Nas eleições de 1969 para a Assembleia Nacional, a oposição democrática concorreu nos Açores, e os resultados obtidos, foram de forma a tocar as campainhas de alarme.
A Acção Nacional Popular estava dividida entre os que se arrastavam com o poder e os que queriam mudar o poder por dentro.
Para tanto, a ANP investiu no recrutamento de jovens para as suas fileiras, lançando mão do Eng.º Fernando Monteiro, que se tinha revelado um dinâmico Presidente da Câmara da Ribeira Grande, e que devido ao seu feitio sociável e aos conhecimentos pessoais que possuía, conseguiu juntar um importante núcleo de gente nova para a ANP, convencidos que estavam, de que dessa forma poderiam contribuir para a mudança de regime que era desejável e reclamado pela sociedade.
A oposição ao regime era comandada em São Miguel pelo Dr. Borges Coutinho (Marquês da Praia) e pelo Major Melo Antunes que, pelos inúmeros conhecimentos estabelecidos, e pelos laços familiares que tinham nas Ilhas, lhes permitiu criar uma verdadeira “escola da consciência democrática”, que era apreendida por quantos frequentavam os encontros que promoviam.
Neste xadrez, aparece uma esperança na política Açoreana, que sempre se distinguiu dos companheiros da sua idade, pela inteligência, pelo saber e pelo modo de estar na vida.
Era uma jovem esperança que havia sido levada para a política pela mão do seu mestre de Direito, que entretanto havia sido nomeado chefe do governo, substituindo Oliveira Salazar. Marcelo Caetano juntou outras pessoas para serem agentes da mudança que o regime precisava como quem precisava de oxigénio para sobreviver.
Desde cedo se percebeu que o regime colonial estava agonizante e Marcelo Caetano fez propostas para abrir caminho ao auto governo das colónias. Foi olhado com desdém pelos dinossauros da política, mas nunca desistiu. Sabia que o regime era padrasto para as Ilhas, mas os poderosos das ilhas não o apoiavam, preferindo antes prestar vassalagem a Lisboa e receber as propendas que os tornavam donos e senhores dos destinos das Ilhas. A jovem esperança dos Açores era o Dr. João Bosco Mota Amaral. O jovem deputado pertencia à ala liberal na Assembleia Nacional, liderada por Pinto Leite, que morreu num acidente aéreo quando, como Deputado, visitava a Guiné.
Depois deste misterioso acidente, coube a Sá Carneiro assumir a liderança desta linha reformista, na qual se depositava grande esperança. Além de Mota Amaral, integravam a ala liberal, Francisco Pinto Balsemão e Miller Guerra.
João Bosco Mota Amaral representava naquela altura o seguro para uma transição pacífica, e por isso muitos Açoreanos acreditavam nele. É voz corrente que Marcelo Caetano impôs a sua candidatura a deputado pelo Distrito de Ponta Delgada, para estancar o crescimento da oposição, que corria o risco de vencer, no Distrito, as eleições legislativas.
João Bosco destacou-se como um importante elemento da denominada Ala Liberal na Assembleia Nacional.
Foi um dos subscritores do Projecto de Revisão da Constituição de 1933, no qual se previa um novo modelo de governação para as colónias e a consagração da liberdade de imprensa tão reclamada pelos meios progressistas da sociedade.
2 – O 25 de Abril
A notícia do 25 de Abril chega aos Açores quando o dia já ia alto. A falta de comunicações deixava as notícias por conta daquilo que o rádio Clube de Angra, o Clube Asas do Atlântico, ou o Emissor Regional dos Açores podiam difundir. As primeiras notícias foram confusas e foi preciso esperar pelo render de Marcelo Caetano no Largo do Carmo, para aqui se festejar o dia da liberdade. Coisa curiosa foi o facto de muitos dos deputados da Assembleia Nacional ainda terem ido para São Bento no dia 25 de Abril, porque desconheciam a dimensão da revolução.
Um desses deputados foi o Eng. Fernando Monteiro, que havia sido um dinâmico presidente da Câmara da Ribeira Grande, eleito pelo círculo do Distrito de Ponta Delgada. Ele esperava há tempos sem fim por vez para fazer uma intervenção na Assembleia Nacional sobre a vinha e o vinho.
Ao fim de muito esperar, a mesa marcou-lhe a intervenção para o dia 25 de Abril, e ele, de tão concentrado que estava no discurso, sem cuidar de saber o que se passava marchou para São Bento, pronto para subir à tribuna para discursar.
Fernando Monteiro ainda esboçou uma tentativa para falar, mas depois explicaram-lhe que não era possível porque a revolução tinha vencido e a Assembleia ia ser dissolvida.
Fernando Monteiro não queria acreditar que tivesse esperando tanto tempo para dizer de sua justiça sobre a vinha e o vinho, e no dia que iria usar da palavra, foi exactamente no dia em que a revolução levou à dissolução da Assembleia Nacional.
No dia 25 de Abril encontravam-se em São Miguel, a prestar serviço militar, o Major Melo Antunes e o Capitão Vasco Lourenço, que foram dois destacados militares do Movimento das Forças Armadas que levou a cabo a revolução.
As manifestações populares de comemoração do 25 de Abril não foram significativas, tirando a que se juntou nas portas da cidade junto aos serviços da PIDE, para fecharem aquilo que era o símbolo da repressão do regime deposto.
A própria imprensa do dia 26 de Abril dá conta da normalidade em que se viveu o dia anterior, facto que foi confirmado pelo Governador Civil do distrito, António Fonseca, em telegrama enviado ao General António de Spínola, Presidente da Junta de Salvação Nacional.
A grande mobilização popular em São Miguel aconteceu no dia um de Maio, dia do trabalhador que foi, a partir daquela data considerado feriado nacional. O dia estava de verão e permitiu que milhares de populares desfilassem pelas ruas de Ponta Delgada ostentando cravos vermelhos, em apoio ao 25 de Abril e reclamando melhores condições de vida para os trabalhadores.
Nesta manifestação era notória a presença de dirigentes do MDP/CDE, como António Manuel da Silva Melo, Manuel Barbosa, Júlio Quintino, e muitos dirigentes sindicais que nas Ilhas, eram responsáveis por estruturas com forte implantação Distrital.
Os dias que se seguiram caracterizaram-se pelo desmantelamento dos símbolos do regime deposto, como a polícia política, a Mocidade Portuguesa, as comissões de análise prévia à imprensa, a destituição dos governadores civis e a nomeação do I Governo Provisório presidido pelo professor Adelino Palma Carlos, tendo como Ministros sem pasta Pereira de Moura, Álvaro Cunhal e Francisco de Sá Carneiro enquanto Mário Soares assumiu a pasta de Ministro dos Negócios Estrangeiros.
3 – Nos dias seguintes ao 25 de Abril
Logo a seguir ao 25 de Abril de 1974 nasceram alguns movimentos ligados à Igreja católica que procuraram em São Miguel, na Terceira e no Faial, reflectir sobre o modo como deviam preparar a sua participação cívica no momento em que a Liberdade permitia lançar os alicerces da Democracia.
Estes movimentos sabiam que a única força organizada e com implantação também nas Ilhas era o Partido Comunista e o MDP/CDE, em cujos princípios programáticos não se reviam.
O MDP via nestas reuniões uma ameaça à sua organização e desde logo começou a utilizar a política do boato em que se mostrou artífice. Pôs então a circular que nessas reuniões estavam presentes destacados elementos da burguesia — profissões liberais, comerciantes e clero, o que na opinião daquele movimento se traduzia em ajuntamentos reaccionários, e que eram, por conseguinte, um perigo para o futuro da implantação da democracia.
Antes do 25 de Abril, e com a Primavera marcelista, ganhara força e expressão os movimentos da Acção Católica com os movimentos juvenis que agrupavam a JAC (Juventude Agrária Católica), a JOC (Juventude Operária Católica), a JEC (Juventude Estudantil Católica) e a JUC (Juventude Universitária Católica). Para os adultos o movimento denominava-se Liga e correspondia ao prolongamento das organizações juvenis, ao que se juntavam os “Cursos de Cristandade. que haviam sido criados por Eduardo Bonnin Aguiló que era um jovem soldado espanhol que na ocasião cumpria o serviço militar, como tantos outros, jovens na década de 40. Na década de sessenta o Movimento dos cursos de cristandade, expandiu-se e a ele aderiram muitos dos políticos que depois vieram a assumir responsabilidades variadas na sociedade quer em Portugal quer nos Açores.
É por isso natural que os elementos da burguesia a que se referia o MDP oriundos das profissões liberais, dos comerciantes e do clero, agregassem um considerável número de pessoas que militaram nesses movimentos que antes se preocupavam com a sociedade, e entendiam que a partir do 25 de Abril, o seu contributo devia ser dado através dos partidos políticos, à semelhança do que acontecia nas democracias ocidentais.
O Objectivo era:
Mudar a sociedade açoriana;
Acabar com a discriminação e o abandono do poder central relativamente aos Açores;
Reformar a Autonomia Administrativa dividida por três Distritos entre si; Desenvolver cultural, social e economicamente os Açores;
Criar um projecto de unidade Aço-reana;
Defender a Autonomia Política e Administrativa dos Açores, com órgãos próprios de auto governo.
O MDP entretanto pôs a circular um boato, dizendo que a burguesia micaelense estava a promover reuniões que contavam com a participação do Major Melo Antunes e do então Capitão Vasco Lourenço, enquanto outras correntes entendiam que aqueles dois militares apoiavam e incentivavam a acção do MDP/CDE, isto talvez por causa de um comunicado feito por aqueles militares logo a seguir ao dia da revolução no qual chamavam a atenção para os “vira casacas”, posição que também era publicamente sustentada pelo MDP.
Estávamos perante as contradições próprias de um processo revolucionário, iniciado com o 25 de Abril de 1974, e que se prolongou até ao 25 de Novembro de 1975, altura em que um novo movimento militar conduzido por uma facção moderada das Forças Armadas, pôs fim ao “processo revolucionário em curso” liderado por militares radicais que pretendiam a instauração em Portugal de um Estado totalitário inspirado em Cuba e na Rússia. A partir daí seguiu-se o processo de estabilização assente num regime de democracia representativa.
Não se pode festejar o 25 de Abril sem festejar o 25 de Novembro que abriu caminho ao regime democrático que hoje temos e que completa meio século de existência.
Américo Natalino Viveiros