“A diversidade de artrópodes é fundamental para promover a resiliência dos ecossistemas insulares, garantindo o seu funcionamento eficaz e a sua capacidade de se adaptar e recuperar de perturbações naturais e humanas. A conservação e protecção dessas espécies são, portanto, essenciais para a manutenção da saúde e da estabilidade dos ecossistemas insulares.” Quem o diz é Paulo Borges, professor na Faculdade de Ciências Agrárias e do Ambiente da Universidade dos Açores, que durante os últimos 20 anos promoveu o desenvolvimento de dois grandes projectos de monitorização da biodiversidade de artrópodes nas florestas nativas dos Açores, usando-os como indicadores de qualidade ambiental.
Correio dos Açores – Que relevância atribui ao Dia Mundial da Terra?
Paulo Borges (Professor na Faculdade de Ciências Agrárias e do Ambiente da Universidade dos Açores) – Num momento em que o nosso planeta está em perigo perante as ameaças das alterações globais, é importante assinalar este dia e reflectir sobre como mitigar essas ameaças.
Qual é a importância dos artrópodes para os ecossistemas dos Açores?
Estes pequenos animais ocupam uma enorme variedade de habitats, sendo fundamentais na composição, estrutura e funcionamento dos ecossistemas terrestres, incluindo os habitats agrícolas. Pela sua acção, fornecem, directa e indirectamente, muitos serviços aos ecossistemas e à humanidade. Entre os artrópodes, os predadores generalistas são muito importantes na gestão e controle biológico de pragas nos ecossistemas agrícolas. Os artrópodes protagonizam outros importantes serviços nos ecossistemas, participando na reciclagem de nutrientes (decomposição; formação e enriquecimento do solo), controle de pragas, polinização, etc., por exemplo, como as abelhas, as borboletas, as vespas, e muitos outros, são polinizadores essenciais para muitas plantas, incluindo aquelas que produzem frutas, legumes e sementes que são vitais para a alimentação humana e para a biodiversidade vegetal.
Quais são as espécies de artrópodes endémicas dos Açores que são mais vulneráveis? Que medidas estão a ser tomadas para proteger essas espécies?
Os Açores, sendo um arquipélago isolado no meio do Atlântico Norte, abrigam cerca de 300 espécies endémicas de artrópodes, muitas das quais estão ameaçadas ou em risco devido a factores como perda e degradação de habitat, espécies invasoras, alterações climáticas, entre outros. Nos últimos anos, realizámos a avaliação do seu estado de conservação para a IUCN ou União Internacional para a Conservação da Natureza (em inglês, International Union for Conservation of Nature), uma das principais organizações internacionais dedicadas à conservação da natureza e à sustentabilidade. Como resultado, temos mais de 50% das espécies com estatuto de elevada ameaça, sendo essa percentagem mais elevada nos escaravelhos, atingindo 75%.
As medidas mais importantes para salvar estes animais da extinção são a melhoria dos seus habitats, o que nos Açores actualmente implica diminuir o avanço das espécies de plantas invasoras. Um factor positivo nessa direcção foi a aprovação de dois projectos internacionais geridos pelo Governo Regional dos Açores, LIFE-BEETLES e LIFE-SNAILS que estão a restaurar os habitats mais importantes para muitas das espécies de artrópodes dos Açores nas ilhas Terceira, Pico e Flores (LIFE-BEETLES) e Santa Maria (LIFE -SNAILS).
Qual o impacto da actividade humana, como o turismo e a agricultura, nos ecossistemas da Região?
A actividade humana, incluindo o turismo e a agricultura, pode ter vários impactos significativos nos ecossistemas, tais como: perda de habitat – o desenvolvimento de áreas turísticas nas zonas costeiras, por vezes, leva à destruição ou fragmentação de habitats naturais, o que pode resultar na perda de biodiversidade e na extinção de espécies; poluição – a agricultura pode gerar poluição do ar, da água e do solo devido ao uso de produtos químicos, descarte inadequado de resíduos e emissões de veículos; erosão do solo – práticas agrícolas intensivas, como o uso excessivo de pesticidas e fertilizantes, podem causar erosão do solo, diminuindo sua fertilidade e contribuindo para a degradação do ecossistema; introdução de espécies invasoras – o turismo e o comércio internacional de produtos agrícolas podem introduzir espécies invasoras em ecossistemas naturais das nossas ilhas, perturbando o equilíbrio ecológico e ameaçando espécies endémicas.
Para minimizar esses impactos e promover práticas mais sustentáveis, devem ser adoptadas medidas urgentes. É essencial implementar regulamentações e políticas eficazes para o uso da terra e o desenvolvimento de áreas turísticas, garantindo que os ecossistemas sejam protegidos e preservados.
Quais são os maiores desafios que os ecossistemas insulares enfrentam em termos de conservação da biodiversidade?
Infelizmente são muitos, mas podem ser resumidos os mais importantes da seguinte forma:
Fragmentação e degradação dos habitats – a urbanização, agricultura, expansão do turismo e infra-estrutura associada podem resultar na fragmentação e perda de habitat para muitas espécies nativas, principalmente nas zonas costeira dos Açores.
Avanço das espécies invasoras – um grupo assinalável de plantas exóticas invasoras como o incenso, a conteira e a hortênsia estão a alterar os solos das florestas nativas dos Açores, levando à diminuição da biodiversidade.
Alterações climáticas – as ilhas frequentemente enfrentam os impactos das mudanças climáticas, como aumento do nível do mar, tempestades mais intensas e mudanças nos padrões de precipitação. Isso pode resultar na perda de habitat costeiro, erosão de praias, intrusão de água salgada em aquíferos e mudanças nos padrões de temperatura e precipitação, afectando a distribuição e sobrevivência das espécies nativas e endémicas.
Existem ecossistemas em perigo nos Açores em resultado das alterações climáticas? Se tiver que classificar cada uma das ilhas em termos de sustentabilidade, ao nível do ambiente, qual será a ordem?
Durante os últimos 20 anos, a minha equipa promoveu o desenvolvimento de dois grandes projectos de monitorização da biodiversidade de artrópodes nas florestas nativas dos Açores, usando os artrópodes como indicadores de qualidade ambiental. No geral, as ilhas com áreas maiores de floresta nativa são as melhor classificadas: Terceira, Pico e Flores e estamos através do projecto LIFE-BEETLES a tentar recuperar áreas degradadas.
No entanto, é importante ressaltar que todas as ilhas dos Açores enfrentam desafios únicos e podem ter diferentes pontos fortes e áreas de melhoria em relação à sustentabilidade ambiental. Por exemplo, a ilha de Santa Maria possui uma área muito pequena de floresta nativa com um património único de artrópodes e moluscos terrestres, e através do projecto LIFE-SNAILS será possível ampliar a cobertura de plantas endémicas.
Qual é a relação entre a diversidade de artrópodes e a resiliência dos ecossistemas insulares face a perturbações naturais e humanas?
A diversidade de artrópodes desempenha um papel crucial na resiliência dos ecossistemas insulares face a perturbações naturais e humanas. Os artrópodes desempenham uma variedade de funções ecológicas nos ecossistemas, incluindo polinização, decomposição de matéria orgânica, controle de pragas e reciclagem de nutrientes. Quanto maior a diversidade de artrópodes num ecossistema, maior a probabilidade de que essas funções sejam desempenhadas de forma eficaz e resiliente a perturbações.
A diversidade de artrópodes pode influenciar a capacidade de um ecossistema de se recuperar de perturbações naturais, como tempestades ou secas, bem como de perturbações humanas, como a introdução de espécies invasoras ou a destruição de habitats. Ecossistemas com maior diversidade de artrópodes podem ter uma capacidade maior de se adaptar e se recuperar dessas perturbações. Consequentemente, a diversidade de artrópodes é fundamental para promover a resiliência dos ecossistemas insulares, garantindo o seu funcionamento eficaz e a sua capacidade de se adaptar e recuperar de perturbações naturais e humanas. A conservação e protecção dessas espécies são, portanto, essenciais para a manutenção da saúde e da estabilidade dos ecossistemas insulares.
Quais são os principais resultados que obteve da sua investigação sobre artrópodes nos Açores?
O nosso trabalho teve vários tipos de impactos, e queria salientar três: com mais de 200 publicações internacionais nos últimos 20 anos, a minha equipa colocou os Açores no mapa da investigação internacional usando os artrópodes como indicadores. Os resultados destas investigações inspiraram muitos projectos e geraram parcerias importantes com colegas de inúmeras Universidade de vários países. Além disso, contribuímos para o desenho das áreas protegidas nos Açores e a nossa investigação inspirou as candidaturas pelo Governo Regional dos projectos LIFE-BEETLES e LIFE-SNAILS.
Como é que os cidadãos se podem envolver na conservação dos ecossistemas insulares em geral?
Existem inúmeras maneiras pelas quais os cidadãos se podem envolver na conservação dos ecossistemas insulares. A educação é fundamental para aumentar a consciencialização sobre a importância dos ecossistemas insulares e os desafios que enfrentam. Os cidadãos podem-se envolver participando em programas de educação ambiental, workshops e campanhas de sensibilização. Nos Açores, existem muitas organizações e instituições locais que trabalham na conservação dos ecossistemas insulares e dependem do apoio de voluntários, nomeadamente Os Montanheiros e Amigos dos Açores. Os cidadãos podem-se envolver em actividades de monitorização da biodiversidade, restauração de habitats, limpeza de praias e trilhas, entre outras actividades.
A participação em programas de ciência cidadã será importante, e temos uma iniciativa já a decorrer no AZORESBIOPORTAL.
Os cidadãos podem, ainda, adoptar práticas sustentáveis nas suas vidas diárias, tais como reduzir o consumo de recursos naturais, reciclar, reduzir o uso de plástico, escolher produtos locais e orgânicos sempre que possível, e praticar turismo responsável.
Que métodos utiliza na sua investigação para estudar os artrópodes nos ecossistemas dos Açores? Esses métodos podem ser aplicados noutras áreas de estudo?
Nos últimos 20 anos, utilizámos três técnicas principais, designadamente armadilhas de caída para capturar os artrópodes do solo; batimentos nas copas das árvores para capturar os artrópodes associados à vegetação e armadilhas SLAM. O nome SLAM -”Sea, Land, Air Malaise” refere-se às três principais áreas de amostragem para os insectos: mar (sea), terra (land) e ar (air). As armadilhas SLAM são úteis para estudos de biodiversidade em diferentes tipos de ecossistemas, proporcionando uma amostragem eficaz da fauna de insectos numa determinada área.
Que projectos tem entre mãos actualmente?
Actualmente, uma parte substancial da minha investigação insere-se no âmbito do projecto MACRISK (FCT-PTDC/BIA-CBI/0625/2021) em que pretendemos quantificar o risco de extinção de espécies indígenas e de invasão das introduzidas, utilizando dados da variação espacial e temporal da abundância e incidência. Pretende-se igualmente e avaliar o estatuto dos artrópodes açorianos na Lista Vermelha da IUCN e propor uma lista de espécies exóticas para a Lista Negra.
Carlota Pimentel