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“Abril será ouvido/Enquanto se for lutando/Para por a nu palavras/Que se teimam em vestir”

Em 1974, o artista picopedrense Gilberto Bernando estava destacado em Angola como desenhista do exército português. Hoje, relembra a revolução como “um dos dias mais felizes” da sua vida. Desde então que Gilberto Bernardo tem usado a sua arte para fortalecer a memória colectiva…No âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, a freguesia do Pico da Pedra inaugura hoje, às 11h00, um mural com um desenho e poema do artista Gilberto Bernado, a que se seguirá a actuação da Banda Filarmónica Aliança dos Prazeres. Entre as 9h00 e as 12h00 irão decorrer algumas actividades de animação para os mais novos com os tradicionais desenhos a giz, uma tradição que a freguesia mantém desde 1990. Às 16h00 está marcada a 2.ª edição do minitorneio de futsal “Liberdade”, no Campo de Jogos Octaviano Mota.

Correio dos Açores – Onde estava durante a Revolução dos Cravos em 1974 e que memórias tem desse tempo?
Gilberto Bernardo – Em 74 eu estava em Angola, no comando da zona de Carmona. Embora eu fosse atirador da infantaria, naquele dia eu estava destacado na Zona militar norte com desenhador, posição em que fiquei até ao final da comissão. Na secção de desenho tínhamos o hábito de ouvir as notícias todas as manhãs, mas naquele dia as notícias não chegaram. Apenas a meio da manhã é que apareceu um oficial, nosso amigo, que nos informou que estava a acontecer alguma coisa em Lisboa, mas ainda não sabíamos que desfecho ia ter. Acabou por ser um dos dias mais felizes da minha vida. Fomos obrigados a sair da nossa terra e da nossa família e amigos para uma guerra em que não sabíamos se voltávamos. Na altura tinha 23 anos e regressei a Portugal em Setembro de 74 e, claro, apesar de todas as peripécias que aconteceram, quando chegamos a coisas já estavam normalizadas.

O mural que marca a efeméride inclui um desenho e um poema da sua autoria. Como é que acredita que a sua arte contribui para a memória colectiva do 25 de Abril?
A freguesia pediu-me para criar um desenho para transformar num mural de azulejo. Eu já tinha o desenho do cravo e, entretanto, fiz algumas alterações. Já o poema foi escrito em 1990. No Pico da Pedra comemoramos sempre o 25 de Abril. E, sempre que possível, ajudei a fazer exposições e escrevi artigos ou poemas, pois acredito que isso pode alertar as pessoas para facto de que houve, sim, uma mudança. E essa mudança é como aquele cravo que temos de regar todos os dias: temos de regar a liberdade para que ela viva no nosso coração.

No seu poema diz o seguinte: “Abril será ouvido/ Enquanto se for lutando/ Para por a nu palavras/ Que se teimam em vestir”. 50 anos depois, ainda há aspectos da ditadura que teimam em voltar?
Este poema foi escrito em 1990 e traduz algumas das coisas que pensava na altura. Abril apontava para um sentido e, por vezes, este sentido não foi cumprido. Haviam palavras que não se diziam naquela altura… há sempre coisas que não ficaram completamente resolvidas. Liberdades que, infelizmente, não pertencem a todos. No entanto, essa liberdade é uma coisa que tem de se construir no dia-a-dia e, para que isso seja possível, é necessário o respeito pelo outro e, muitas vezes, não é isso que acontece.

Como vê a importância de ensinar sobre o 25 de Abril às novas gerações?
Temos de continuar a transmitir os valores que a liberdade nos trouxe em democracia: dar voz a todos e respeitar essa mesma voz. Temos de passar às novas gerações que, apesar de existir, sim, essa liberdade de expressão, liberdade não é seguir tudo aquilo que alguém diz sem reflexão. Vamos ver o melhor das pessoas, mas também vamos pensar, meditar e perceber se esta “ideia” é verdadeiramente o que queremos para nós e para o nosso país.

O que é que sente 50 anos depois da revolução?
Não é fácil de fazer um balanço de meio século… Mas, a verdade é o que se fez muita coisa no nosso país. Para além da mudança política, da mudança física, com a construção de tantas estradas, edifícios, etc., e da mudança cultural que a liberdade nos trouxe, hoje também há uma maior ligação entre as pessoas: as pessoas olham umas para as outras de forma diferente. Por exemplo, quando antigamente vinha alguma figura de Estado aos Açores, as pessoas iam para a beira da estrada ver e acenar ao “senhor”. E com isto quero apenas dizer que esta ideia de quase “divindade dos senhores” já não existe e as pessoas olham umas para as outras de forma diferente. Portugal já venceu muita coisa, mas temos de continuar a trabalhar em favor da liberdade e da democracia para que este continue a ser o país em que queremos viver como os amigos e irmãos que devemos ser, e não como escravos e senhores. Infelizmente, por vezes, vemos que isso ainda não foi bem cumprido. Temos de continuar a regar o tal cravo de maneira a que fique sempre viçoso. A liberdade é uma coisa que se constrói diariamente entre todos e até connosco próprios. Todos os dias temos de lutar para ser cada vez melhores.

Daniela Canha

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