Carlos Rodrigues é um jogador açoriano de futsal. Foi, nesta época, o melhor marcador do Campeonato de Futsal dos Açores, marcando 20 golos em 10 jogos, uma média de dois golos por jogo. Carlos lesionou-se no final de Fevereiro quando o seu clube, o GDCP Vila de São Sebastião, tinha alcançado 10 vitórias em 10 jogos e estava a 9 pontos do segundo classificado. Faltavam, então, quatro jogos para o Vila de São Sebastião ser campeão mas, sem o Carlos e outras lesões, a equipa acabou em segundo lugar em igualdade de pontos com o primeiro classificado e campeão dos Açores, a equipa dos Biscoitos. No seu palmarés, Carlos Rodrigues tem ainda uma passagem pela equipa de futsal do Santa Clara, num ano em que esteve a dois jogos de subir para a I Divisão nacional de futsal.
Correio dos açores – Pode falar do seu percurso até aos dias actuais?
Carlos Rodrigues – Antes de mais quero agradecer pela oportunidade em dar esta entrevista e pelo reconhecimento que estão a dar ao futsal açoriano. O futsal faz parte da minha vida desde os meus 12 anos de idade. Comecei nos Iniciados no clube da minha freguesia, CDCC Posto Santo, representei todos os escalões de formação do clube, ainda fiz a parte final da minha formação na ADRC Casa da Ribeira e, depois, uns anos mais tarde, acabei por ter oportunidade em sair da ilha Terceira para representar o CD Santa Clara (nessa fase jogando nos Seniores), saindo assim um pouco da minha zona de conforto. Voltei mais tarde à Terceira para representar o SC Barbarense e, por fim, nessa última época, representei o GDCP Vila de São Sebastião. Quero salientar ainda que durante a minha formação tive a oportunidade de representar as selecções da Associação de Futebol de Angra do Heroísmo, em diferentes escalões etários, onde conseguimos vários títulos regionais e menções honrosas ao nível nacional para a Associação local.
Dividiu a formação entre a Casa da Ribeira e o Posto Santo…
O clube que marcou claramente a minha formação no futsal foi CDCC Posto Santo pois, ao ter representado todos os seus escalões em diferentes idades, até poder finalmente jogar nos Seniores, foi no clube da minha freguesia onde cresci e aprendi a base do que era o futsal. Ao nível de formação, na minha altura, não existia uma preocupação ao nível táctico, muitas vezes era o recurso técnico que cada jogador tinha, que servia para os treinadores na minha formação conseguirem atingir os seus objectivos. Era dar asas à criatividade e imprevisibilidade que acontecia durante o jogo e assim os jogadores mais dotados tecnicamente conseguiam sobressair de uma forma natural. Foi no Posto Santo, em que eu venci em todos os escalões de formação, fui campeão regional em todas as idades e participei em várias Taças Nacionais, chegando mesmo a conseguir um 3º lugar a nível Nacional, no escalão de Juvenis. Na altura ficamos vistos como a ‘Geração de Ouro’ do futsal açoriano.
Na Casa da Ribeira, o contexto foi completamente distinto, eu cheguei já com idade suficiente para jogar no escalão máximo e foi sempre nessas condições que joguei, nos Seniores, onde mesmo com apenas 17/18 anos de idade já tinha conseguido alcançar a minha primeira Série Açores de Futsal. A diferença foi, objectivamente, ao nível táctico, foi quando cresci e aprendi a ver o jogo de outra forma e o meu treinador, na altura, fez-me perceber que mais do que os nossos recursos técnicos, era ao nível táctico que os jogos se ganhavam, pois os Seniores não têm qualquer tipo de comparação com aquilo que vemos na formação. E foi aí que eu tive de perceber que usando mais a cabeça e a inteligência em cada momento de jogo é que conseguia ter o máximo de proveito no nosso jogo e no nosso rendimento individual. Mas, quero reforçar que ainda venci, no meu último ano enquanto júnior (na altura Sub-20) ao serviço da Casa da Ribeira o Campeonato e a Taça da Terceira desse escalão (respectivamente). E que, infelizmente, perdemos o campeonato regional para CD Operário pela diferença de golos, pois apesar de jogar maioritariamente no escalão acima, onde em toda a minha formação isso sempre foi o espelho do meu percurso, ou seja jogar sempre com e contra os mais velhos, mesmo assim eu nunca perdia oportunidade de ajudar os da minha idade, porque o futsal, para mim, sempre foi mais do que um jogo, foi a minha vida!
A nível sénior teve uma experiência fora da Terceira ao ingressar no Santa Clara
Em primeiro lugar, este ingresso advém de eu, no ano anterior, época 2018/2019, enquanto representava o CDCC Posto Santo, onde nesse mesmo ano nós conquistamos a Série Açores de Futsal, contra o CD Santa Clara que tinha ficado em 2º lugar. Nesse final de época já havia conversações com os representantes do Santa Clara para o meu ingresso na época seguinte. Eu sempre tinha como objectivo pessoal sair da ilha e provar a mim mesmo, que estando noutro contexto, eu conseguia continuar a ganhar e quando apareceu a oportunidade de representar um clube histórico como é o Santa Clara, nem pensei duas vezes, aceitei a proposta e parti para a ilha de São Miguel, para jogar por eles. Alinhando a tudo isso, tive a oportunidade de continuar os meus estudos, na Universidade dos Açores. Foi como se costuma dizer, juntar o útil ao agradável.
Que dificuldades encontrou em outra ilha?
Objectivamente, a principal dificuldade foi sair, finalmente, da casa dos pais e estar longe da minha família. Mas a realidade é que o meu foco e o principal objectivo era continuar a evoluir e a crescer nesta modalidade. Foi assim que posso dizer que comecei a ser profissional de futsal. Fazia o meu dia-a-dia completamente concentrado no futsal e foram claramente dos melhores anos da minha vida.
Tive oportunidade de jogar com jogadores fantásticos, muito bons e muito mais fortes do que daquela realidade a que eu estava habituado, foi uma aprendizagem constante. Na altura, tínhamos cerca de 7/8 jogadores que viviam do futsal e para futsal, logo isso obrigava que eu desse ainda mais de mim para ganhar o meu espaço e continuar a marcar o meu nome. Venci tudo o que podia na ilha de São Miguel, foi uma época maravilhosa, onde fiz amizades que trago até aos dias de hoje. A minha adaptação foi óptima, adorei viver na cidade de Ponta Delgada. E para que tudo isto tivesse o sucesso que teve na altura, não posso deixar de agradecer à minha namorada, que me acompanhou nessa fase da minha vida e me deu o suporte familiar para que nunca me faltasse o mais importante, o apoio em todos os momentos, principalmente, nos anos mais difíceis.
Não conseguiram o acesso, na altura, à primeira divisão nacional…
Depois de termos vencido a Série Açores na época 19/20, esse ano fica marcado pela pandemia da Covid-19, as competições foram interrompidas e nós não conseguimos jogar os Play-Offs com a equipa que tínhamos ganho essa competição dos Açores. Quando tudo fica para o ano seguinte, existiu uma reformulação quase total na equipa de futsal e na equipa técnica. Sabíamos que o acesso seria 2 jogos, onde se fossemos capazes de vencer estaríamos logo na 1ª Divisão, ou seja directamente. Existiu uma oportunidade única por um acesso mais rápido ao escalão máximo. E com as transformações que sofremos na altura, num plantel relativamente modificado, rotinas de jogo diferentes, uma equipa técnica com ideias próprias e que em pouco tempo teriam de ser assimiladas por nós, não se tornava tarefa fácil conseguirmos essa subida de divisão. Até porque, do outro lado, enfrentamos equipas experientes e muito bem reforçadas que queriam chegar ao objectivo máximo, foram duas vagas que valiam muito e foram poucos jogos que seriam batalhas pelo sonho de uma época. Na minha opinião pessoal, penso que o Santa Clara podia ter feito uma aposta maior e ter tentado que os jogadores que, na altura saíram da nossa equipa, pudessem ter ficado, nem que fosse mesmo só para aquele Play-Off, pois todos nós merecíamos mais que qualquer outro jogar aqueles jogos. Foi o trabalho de uma época passada que estava ali em jogo e o clube tinha tudo nas suas mãos para, com um investimento maior, ter conseguido alcançar algo que seria histórico para os Açores. Apesar de tudo isso, eu penso que conseguimos dar uma excelente réplica naquela fase final e mesmo perdendo pela margem mínima, eu fico orgulhoso por aquilo que fizemos e, acima de tudo, muito feliz por ter jogado ao lado de jogadores muito bons.
Como se sentiu ao regressar à Terceira para jogar no Barbarense?
Mal terminei a minha época no Santa Clara, já estava, à uns meses antes, a delinear o meu regresso à Terceira…
A minha entrada no Barbarense surge na oportunidade de jogar por um clube que já ambicionava, há alguns anos, ser campeão dos Açores. Foi, essencialmente, essa ambição, dedicação e compromisso que as pessoas do clube tinham que me cativaram em aceitar e assinar pelo SC Barbarense. A realidade é que tive um regresso perfeito, porque o clube continuou a dar-me a oportunidade de ser profissional de futsal, fazendo aquilo que mais gosto, estando 100% focado no treino e no jogo.
Eu e os meus colegas com todas essas condições que o clube nos deu, fizemos uma época que ficou na história do Barbarense. Uma vez mais, alcancei o título de campeão dos Açores, vencemos todas as competições locais, tivemos uma época onde só perdemos um jogo contra equipas dos Açores, atingimos patamares na Taça de Portugal que, na altura, o clube nunca tinha conseguido e fomos a uma final de um Play-Off de subida à 2ª Divisão Nacional, algo que até ao dia de hoje somente o SC Barbarense conseguiu atingir e onde, apesar de termos perdido, a nossa prestação nessa competição, permitiu-nos, no ano seguinte, jogar na 2ª Divisão Nacional, levando o clube a um patamar acima. Por fim, quero só ressalvar que no meu segundo ano ao serviço do clube, onde joguei na 2ª Divisão, conseguimos atingir o principal objetivo proposto para aquela época, com a manutenção do SC Barbarense na 2ª Divisão Nacional.
Para si, quais são as principais diferenças entre jogar na Série Açores e na 2ª divisão nacional?
As diferenças ainda são relativas. Ao nível da intensidade, os aspectos tácticos, maturidade das equipas adversárias, jogadores altamente experientes e muito competitivos, penso que a Série Açores tem, claramente, evoluído nos últimos anos, com as equipas a reforçarem-se com jogadores de outros lados, treinadores cada vez mais competentes ao nível estratégico. Já se trabalha com mais ambição, procurando atenuar as diferenças, mas penso que essas equipas e os jogadores açorianos em particular, só estarão devidamente preparados quando começarem a competir todas as semanas contra as equipas de outro contexto.
É que não é só na 2ª Divisão que existe essas diferenças, até mesmo na 3ª Divisão conseguimos ver já equipas com outro tipo de intensidade e conhecimento do jogo, a percepção dos momentos de jogo e essa maturidade. Penso que essas diferenças só desapareciam a partir do momento em que tivesses uma ou duas, ou mais equipas açorianas, a jogar constantemente lá fora e conhecerem a realidade dessas equipas do continente.
Ingressa este ano na Vila de São Sebastião. O que o seduziu neste projeto?
A Vila de São Sebastião é uma referência no que toca ao contexto da formação na Região, venceu já em todos os escalões de formação os títulos regionais e foi, inclusive, disputar os nacionais. Existem muitos miúdos com imenso potencial no clube. Isso foi claramente algo que me fez motivar, poder vir para cá e ajudar esses miúdos a continuarem a crescer e a evoluírem no seu jogo. Depois, foi sem dúvida o treinador, o Carlos Brasil, alguém que tinha sido importante para mim no passado, ainda na minha fase final da formação, alguém que me conhecia melhor do que ninguém e sabia como tirar partido das minhas qualidades. O clube também tinha ambição de querer fazer uma época melhor que a anterior.
Aliando isso às condições que o clube me proporcionava e o compromisso que essas pessoas tinham em querer fazer o clube atingir um patamar mais acima, juntando toda a qualidade que existe nestes jovens jogadores da formação, foi aquilo que me motivou, principalmente, em querer fazer algo de histórico pela Vila de São Sebastião.
Está lesionado desde o fim de Fevereiro. Como aconteceu a sua lesão?
Lesionei-me no dia 24 de Fevereiro, num jogo para a Taça Associação de Futebol de Angra do Heroísmo, a contar para os quartos-de-final. Infelizmente, acabou por ser uma lesão em contexto de jogo, numa bola dividida em que perdi a estabilidade no joelho de apoio e este acabou por torcer. Uma lesão muito grave que me tirou de jogo o resto da época e que me vai obrigar a ser operado ao joelho, numa intervenção que é complicada. Fiz uma ruptura do ligamento cruzado anterior. A realidade é que estou já mentalmente preparado para o que tenho pela frente e, com o apoio certo e com as pessoas certas ao meu lado, elas vão-me ajudar a regressar mais forte do que nunca e espero que muito em breve!
Sentiu um sentimento agridoce ao vencer este ano o troféu de melhor marcador sem conseguir ser campeão?
Sem dúvida que sim. Até porque eu trocava esse prémio de Melhor Marcador pelo título de Campeão dos Açores… Ao nível individual, antes de me ter lesionado, estava a caminhar para a melhor época de sempre ao nível de números. A realidade é que a forma como a equipa jogava ia de encontro às minhas melhores características. Estávamos todos muito bem oleados e eu sentia-me muito confiante e forte, porque os meus colegas conseguiam fazer sobressair o meu jogo da melhor forma. Os meus pontos mais fortes apareciam porque eu encontrei um contexto em meu redor que fazia tudo da minha parte parecer fácil. Depois, os meus colegas conseguiam tapar os meus pontos mais débeis e fazer com que tudo corresse bem. Ou seja, o meu treinador conseguia tirar o melhor de mim em todos os momentos de jogos, e os meus colegas eram espetaculares porque proporcionavam o melhor do meu jogo. Para deixar só os meus números, até ao momento da minha lesão, eu fiz 23 jogos oficiais, marquei 37 golos e fiz 20 assistências para golo. Penso que, por aqui, conseguimos ter noção daquilo que se estava a criar naquele momento, e a minha pergunta, é se eu não me tivesse lesionado com essa gravidade, até onde isto podia ter ido…
Na Série Açores, marquei a todas as equipas e fiz 20 golos em apenas 10 jogos, numa média de 2 golos por jogo. Para mim, foi incrível individualmente o que fiz, mesmo sem ter jogado os últimos 4 jogos do campeonato e ter conseguido ser o melhor marcador. É sinal que eu estava a trabalhar muito forte e muito bem, até altura da lesão.
A sua equipa estava bem encaminhada para a vitória na Série Açores. A que se deveram os resultados menos conseguidos no fim da época?
Para mim essa é a questão mais difícil… Na Série Açores, vencemos a todas as equipas, vencemos 10 jogos consecutivos, algo que ninguém fez, vencemos em casa da equipa que ficou em primeiro lugar com os mesmos pontos que nós, algo que também ninguém fez. Penso que tudo estava bem alinhado para sermos campeões. Noutros anos isto teria sido mais do que suficiente para alcançarmos o título e fecharmos o 1º lugar, mas a realidade é que não foi assim. E na minha posição mais pessoal, deixa me ainda mais frustrado o momento em que me lesionei, porque a realidade é que vínhamos de 10 jogos e 10 vitórias, depois fico de mãos e pés atados, por não poder ajudar a minha equipa ganhar os últimos 4 jogos que faltavam, pois com diferença pontual que tínhamos de 9 pontos de vantagem, estava tudo nas nossas mãos para vencermos a Série Açores. Sem querer tirar nenhum mérito ao vencedor final, penso que foi mais demérito da nossa parte não termos feito ou aguentado aquilo que muitos pensavam que já não ia fugir. De uma forma mais objectiva, directa, penso que todas as lesões que tivemos nos últimos dois meses de competição fizeram com que a equipa perdesse algum gás para aguentar todo o trabalho que já vinha a ser feito antes. Perdemos muitas soluções e depois isso acabou por mexer emocionalmente com todos e fez com que essa época terminasse de uma forma menos justa.
Mas, olhando para o copo meio cheio, temos de concluir que o GDCP Vila de São Sebastião fez a melhor época da sua história, venceu o seu primeiro troféu da Taça AFAH, atingiu patamares honrosos na Taça de Portugal, onde fomos a equipa que mais longe chegou das que estavam na Série Açores, e infelizmente, terminou em 2º lugar na Série Açores com os mesmos pontos que o 1º classificado, o que não deixa de ser mais um marco para o clube.
Por fim, quero desejar toda sorte para o GD Biscoitos para o Play-Off que vão disputar e que consigam dar uma boa imagem do futsal açoriano na competição.
Que expectativas tem para a próxima época?
Ao nível pessoal, estou altamente focado na minha recuperação.
Que mensagem quer deixar aos jovens praticantes de futsal?
A minha mensagem vai directamente para o jovem jogador açoriano. A mentalidade é aquilo que nos torna mais fortes, o compromisso, a dedicação, o profissionalismo, a paciência e a nossa capacidade de sermos resilientes, é o que nos pode diferenciar dos outros jogadores que jogam lá fora. Temos de nos lembrar que não é só o talento que nos vai fazer estar noutros patamares. Se queremos chegar a patamares mais altos, temos de ser capazes de aprender, lutar pelo nosso espaço e trabalhar diariamente por aquilo que ambicionamos. Cada vez mais o trabalho fora de campo é mais importante que o trabalho dentro de campo, o nosso carácter, o respeito que temos de ter pelo outro e por quem toma decisões terá de existir sempre. Se queremos mudar alguma coisa, tem de começar obrigatoriamente por nós e pela nossa mentalidade. Mente forte, jogue forte! O jovem jogador açoriano poderá ter espaço onde quiser, mas tem de começar por si mesmo, porque lembra-te disto: O teu jogo só brilha quando a tua mente está em sintonia!
Frederico Figueiredo