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Crónica da Madeira: Pepe Dâmaso: Não há culpados nesta ruína turística é urgente encontrar soluções

Que o turismo ao aproximar os povos do mundo inteiro salve sempre as culturas e identifique as Regiões- os patrimónios artísticos, ambientais, etnográficos, gastronómicos e outros que são parte integrante dos homens. Mas o turismo, porque é humano, tem como obrigação primeira, defender o próprio homem dignificando-o, respeitando-o.
(Palavras de João Carlos Abreu em Nova Iorque)

Nos anos oitenta Herrera Piqué, que foi diretor do Museu Canário e Conselheiro da Cultura do Governo de Canárias convidou-me a proferir uma conferencia no Museu Canário sobre o turismo a cultura e o ambiente. Naquela época não se falava muito da defesa do ambiente e o turismo em Canárias crescia vertiginosamente. O sul de Grã Canaria enchia-se, descontroladamente de hotéis e restaurantes. Onde existiam rochas e terrenos, junto à orla marítima, em pouco tempo, transformavam-se em polos turísticos. O meu trabalho defendia o desenvolvimento turístico, com regras, para que esse não agredisse o ambiente, descartelizando-o e não ferisse as populações marginalizando-as. Salientei que o turismo sendo humano deveria defender sempre o homem na amplitude da sua grandeza de ser quem é: um sonhador e construtor de projetos. Estes deveriam integrasse na paisagem, de forma que não a insultasse. Tudo deveria ser feito com equilíbrio. Que se fizesse do turismo não só uma forma de lazer, mas também um importante veículo de cultura e de defesa do ambiente. A cultura deveria constituir um chamariz que sensibilizasse os turistas e os atraísse. Se tal sucedesse haveria um aproximar e uma união dos povos, com um entendimento lógico e uma esperança renovada de paz. O tão desejado Mundo Melhor. Evidentemente que cabia aos governos organizarem leis apropriadas, sabendo-se que a evolução rápida do turismo poderia acarretar problemas de densidade turística e que esta jamais poderia ultrapassar a densidade da população local. Chamei a atenção para um aspeto positivo do turismo: salvar os patrimónios que se desmoronavam, por falta de verbas. Reconstruir os monumentos e mantê-los abertos à população e aos visitantes. Simultaneamente fazer reviver as tradições que se estavam a perder. Ressaltei a importância de disciplinar os roteiros turísticos dos locais visitáveis, de forma a evitar uma propaganda contraria aos interesses promocionais das regiões. A concentração de multidões não permitiria que as pessoas desfrutassem das paisagens. Passados muitos anos, da data em que proferi esta conferência, verifico que muito do que afirmei aconteceu. Hoje quando visito regiões turísticas em Espanha, as suas ilhas, em Chipre, em Malta, em muitas zonas onde alguns investimentos selváticos se fizeram, submetendo o ambiente à economia, caprichos e ambições descomedidas de investidores, alguns, cuja falta de sensibilidade fá-los cegos, por conveniência. Perante estas situações, experimento a sensação de ouvir a voz do grande mestre, Cesar Manrique, que com essa se opôs e não deixou que Lanzarote fosse adulterada no seu ambiente e todas as construções se integrassem na paisagem, de forma a não desequilibrá-la. Um dia numa reunião agradabilíssima, na sua casa, um dos convidados disse da sua simpatia pela Praia do Inglês, como lugar de repouso. Cesar Manrique, exclamou-lhe: homem, por caridade! Uma zona que tem semáforos, já não tem paz; não é nunca o lugar ideal para férias … Anos mais tarde, numa reunião do governo, do qual eu fazia parte, no “Porto Santo”, alguém sugeriu ali a colocação de semáforos. Arrepiei-me e disse-lhes as palavras de César Manrique. Felizmente até hoje ninguém cometeu essa loucura: Porto Santo não tem semáforos. Em 1992 participei como um dos oradores, num Congresso da Comunidade Económica Europeia, na cidade de Limassol, em Chipre. O meu trabalho versava a importância da Cultura no Turismo. Eram muitos os congressistas que abordaram temas verdadeiramente interessantes. Acompanhou-me nesta viagem o meu Assessor de Imprensa, o Jornalista Gilberto Teixeira. Apresentadas as conclusões finais do congresso, verificou-se que uma questão não discutida iria tornar-se perigosamente em lei: o desvio de turistas de Veneza, sobrecarregada de tantos visitantes, para outros destinos. Por esses dias, a 6 de abril do referido ano tinha sido inaugurada a Disneylândia em Paris. Apercebi-me que havia um hobby que forçava, de certo modo a aprovação deste ponto. Aconteceu o inesperado: levantaram-se duas congressistas suíças às quais me juntei e fizemos com que fosse eliminada esta espécie de “proibição”. A nossa atitude justificava-se pela maneira como foi apresentada a questão. Passados 32 anos, a partir da última quinta-feira, dia 25 de abril, para visitar Veneza as pessoas têm de pagar 5 euros. Uma medida que está a causar uma grande polémica em Itália: uns são a favor outros contra e alguns fazem as contas: 5 euros só para a entrada mais X para o Vaporetto e mais Y para outra taxa. A soma total é de 17 euros. Uma família de 5 pessoas tem de pagar só em taxas 85 euros. Estive com um pequeno grupo de amigos, madeirenses, nos Galápagos. Ali diariamente só pode entrar, por dia, 90 visitantes. Compreende-se são ilhas pequenas, qualquer número a mais do estipulado prejudicaria gravemente o ambiente. Com o mesmo grupo foi a ilha de Pascoa, no fim do mundo. Encontramos ali pouquíssimos visitantes: só franceses e alemães, que como nós foram a procura dos Muais. Naturalmente, que nestes últimos 20 anos o número de turistas subiu consideravelmente: milhões de pessoas, viajam de um país para o outro facilmente, até mesmo para os destinos mais distantes. Há tarifas de avião com preços acessíveis, em voos charters, o que permite esta grande movimentação. Além do mais a filosofia de vida, hoje, dos jovens, os saídos das universidades e já instalados na vida, incluí roteiros de viagens: o desejo de conhecer outros povos e outros países. Por outro lado, depois da pandemia, verifica-se que as pessoas, assustadas com a dolorosa experiência de vida, mudaram de hábitos: preferem viajar a enveredar as suas economias em outras compras.

As manifestações dos canarinos
não são contra o turismo,
mas sim pela falta de regras

Os Canarinos, bem como os habitantes das ilhas Baleares, sempre coabitaram bem com os turistas. Populações amigas e hospitaleiras, eles recebem os visitantes com enorme simpatia. Com muitos deles estabelecem laços de amizade. O que aflige os Canarinos é a falta de regras que evite os problemas que surgem todos os dias e coordenar a densidade turística, e que seja controlada a oferta de habitação, hoje com preços altamente exorbitantes, inacessíveis, para os habitantes locais, cuja escassez de alojamentos, com os aumentos descontrolados dos mesmos têm como causa o “Alojamento Turísticos”. Evidentemente que o controle é sempre da conta dos municípios e dos governos. A criação de regras permite educar e disciplinar os visitantes. Os problemas que se poem hoje em relação ao turismo é inequivocamente, a falta de rigor. A elaboração do POT (Plano de Ordenamento Turístico) define o número de camas e restaurantes etc… A propósito das manifestações dos canarinos, que saíram à rua em número tão considerável, sobretudo tendo como cenário o longuíssimo passeio da Praia de ‘Las Canteras’, onde todos os dias, se concentram, largas centenas de turistas. O sempre celebrado artista Pepe Dámaso, esse pintor universal, cujo talento é grito da sua grande sensibilidade, que exalta as Canarias, universalizando-a com a sua genialidade de artista e prestigiando a Espanha, seu pais, a propósito das manifestações dos Canarinos, escreveu um texto fantástico do qual retirei alguns trechos: “ Enquanto o povo canário, manifestando-se, em todo o arquipélago, unido a uma só voz, sem culpar ou nomear quem quer que seja, defendendo o vasto e excecional património que temos, ouvíamos a voz do genial mestre Cesar Manrique, anunciando, com o seu grito apaixonado a raciocinar o mal que temos vindo a fazer às nossas ilhas. A minha intervenção artística, cultural e de desenho humilde, necessária e refletida: onde está o problema e qual seria o resultado, uma vez passadas as manifestações. Desgostas-me o capitalismo atroz, doente de ambição juntamente com a incultura que maltrata esse tesouro que todos abraçamos e que todos vimos a sã razão de proteger aquilo que era e é a nossa Vida, a nossa Esperança de Futuro. É aqui que, em porta aberta, como sempre, a uns amigos, que me apresentaram uma bíblia. São eles, João Granados de Moya, Ângelo Zurdo de La Penisula, Jorge, meu cuidador colombiano, celebramos a minha surpresa bíblica quando ao abrir o livro surge a palavra sabedoria. Em uníssimo pensamos que não há culpados nesta ruína turística, é urgente encontrar soluções e tratar que a massificação que assola o Planeta se controle e abramos as portas da criação múltipla e que a liberdade do ser humano viaje: entre e saia neste Cosmo Ilhéu de Paz e Beleza que é comum ao ser universal que habita neste pedaço de terra … “Vaia com a ditosa Bíblia e a sua Sabedoria”. Os meus votos são que nos Açores as entidades competentes não se fascinem com os progressos descontrolados e prevaleça o bom senso para que este Paraíso se conserve como refúgio de prazer e paz, exemplo de uma vivência salutar. Que os visitantes sintam que a natureza espetacular não é só património dos açorianos, mas também lhes pertence, exigindo, por isso, de todos eles respeito; que cada um seja um acérrimo defensor de um valioso ambiente, onde ainda reina o silêncio e os pássaros celebram a alegria da vida.

João Carlos Abreu

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