Edit Template

“Acho estranho não haver uma maior aposta no jazz” nos Açores, a firma Michael Ross

Natural dos Estados Unidos da América, Michael Ross chegou aos Açores na década de 1980, e ficou desde então. Foi professor de Música no Conservatório Regional de Ponta Delgada e é, para muitas pessoas, o “mestre do jazz em São Miguel”. Em entrevista ao nosso Jornal, Michael Ross explica como surgiu o gosto pelo jazz na sua vida, a oportunidade de viver nos Açores e a sua perspectiva sobre o jazz na região.

Correio dos Açores – O jazz é…
Michael Ross (Antigo Professor de Música no Conservatório) – Música e toda a música é uma maneira de expressar algo que não tem vocabulário no dicionário, seja ideias, emoções ou sentimentos. Não é possível escolher apenas uma palavra para dizer tudo, é uma parte, mas não é tudo, pois podia usar várias palavras. Os sentimentos e a música não cabem nas palavras.

Qual é a importância do Dia Internacional do Jazz?
Acho que tem o mesmo objectivo dos outros dias comemorativos: em princípio, dar visibilidade algo que não se fala no dia-a-dia. Dá para falar do tema internacionalmente, tal como acontece com este dia.

Como surgiu o gosto pelo jazz?
Cresci nos Estados Unidos da América e lá o jazz faz parte da cultura americana. Comecei com a música na escola e o primeiro director da banda da escola onde estava era contrabaixista e perguntou-me se queria aprender contrabaixo, sendo que era extracurricular. E o jazz era algo natural, era mais fácil tocar jazz e outras músicas populares do que músicas clássicas. Portanto, fiz contrabaixo durante muito tempo e jazz também.

Como surgiu a oportunidade de vir para os Açores?
Chegamos aos Açores em 1985. Estávamos em Portugal Continental desde 1976, na Orquestra Sinfónica da RDP em Lisboa, e a Orquestra veio em menor número para o primeiro Festival de Música dos Açores. Quem veio foi a minha esposa que tocava viola, e encontrou amigos da nossa cidade natal nos Açores, conheceu alguns cantos da ilha, e uma delas lembrou-se de passar pelo Conservatório Regional de Ponta Delgada e descobriu que seria preciso uma professora de violino. Quando voltou, falamos sobre isso e depois chegou uma chamada telefónica dos Açores, uns meses mais tarde, e decidimos vir para os Açores. Ela já tinha garantido o lugar no Conservatório como professora, enquanto eu ainda não tinha lugar, pois não sentiam a mesma necessidade para aquilo que queria fazer. No entanto, a directora achou que era preciso dar outras disciplinas e foi aí que entrei. Foi assim que começou a minha experiência nos Açores. Em Lisboa havia orquestra, enquanto aqui ainda não havia. A minha esposa veio encantada com a ilha quando regressou a Lisboa. Por isso, havia muitas razões para vir para aqui.
Em Portugal Continental, vivemos no Barreiro, e foi uma grande experiência. Houve muitas pessoas que nos ajudaram em vários aspectos, e ainda hoje mantemos contacto com essas pessoas.
Em que países já actuou?
Actuei em vários países. Nos Estados Unidos, por exemplo, percorri quase todo o país a tocar, e quando fiz serviços militares numa banda militar fomos ao Canadá, à Islândia, entre outros lugares. Além da banda militar, estive numa banda de jazz, onde fomos a Inglaterra.
Na banda militar e na Orquestra Sinfónica da RDP de Lisboa tocava todos os instrumentos, enquanto o contrabaixo era para outros géneros de música.
Quando chegamos a Portugal, como não conhecia ninguém, fiz uma carta de introdução aos directores de banda de jazz onde estudava e ao Luiz Villas-Boas, atarvés de quem conheci músicos de jazz dessa altura. Actuei em vários pontos de Portugal Continental, e ainda fomos a Espanha.
Nos Açores, já toquei em várias ilhas. E isso é o lado bom da música.

Para muitas pessoas dos Açores, foi o “mestre do jazz”. A quantas pessoas já ensinou nos últimos anos? Qual é o tempo médio para aprender a tocar?
No conservatório, depois de 10 anos de ter chegado a São Miguel, havia oportunidade para fazer uma aula conjunta de jazz, mas foi sempre à margem do resto. Através dessa aula no Conservatório, havia pessoas que tocavam viola da terra; flauta; trombone; piano; e contrabaixo, porque era uma aula conjunta que não fazia parte dos cursos, portanto era opcional. Vários alunos disseram-me que gostariam de ter feito, mas não era possível devido ao horário. E fora do Conservatório, não digo que ensinei, mas sim juntei músicos que tinham vontade e que já tinha feito algum percurso no jazz. Juntei-me com quem tinha essa vontade e estivemos todos juntos. A aprendizagem de qualquer arte é a vida toda, não está reduzida a um período e depois já sabes e não aprendes mais. Isto não é assim, continuo a aprender no dia-a-dia.
As pessoas que gostam do jazz podem e devem aprender sozinhos, porque é uma música onde cada um tem que encontrar a sua maneira e a sua voz dentro do género. O objectivo do jazz é a expressão do que está dentro da pessoa, não é o mesmo objectivo da música clássica, que é algo em que o músico toca o que foi composto por outra pessoa e o objectivo é ser tão fiel quanto possível da música que essa pessoa escreveu. O principal objectivo do jazz é tocar o que for que seja com a sua voz e visão da música.
Agora, só se desenvolve tocando com outras pessoas, porque num grupo de jazz todos os elementos têm o mesmo objectivo , que é o de tocar com a sua própria voz. É como numa conversa, quando não dissemos nada de jeito então mais vale ficar calado. Portanto, num grupo de jazz, cada um improvisa, mas só tem valor se contribuiu para o todo do grupo.
No centenário do Luíz Villas-Boas, em Lisboa, fizeram celebrações em relação a isso, no Hot Clube de Portugal, onde ele foi um dos fundadores, e li uma citação do José Niza, que era um músico não muito ligado ao jazz, que dizia o seguinte: “Quando chegou aos anos 60, um dos frutos do trabalho de Luíz Villas-Boas foi de contribuir para a música popular portuguesa”. E quem conhece o Paulo de Carvalho sabe que ele já cantou músicas de jazz e que tem um estilo muito próprio a um cantor do jazz, mas sabe que é muito mais que isso, principalmente com o 25 de Abril. E o Fernando Tordo também, tal como outros cantores que foram influenciados por isso. Isto quer dizer que para haver o desenvolvimento dos cantores de jazz deve-se sempre procurar algo mais em tudo e explorar o que a música tem. O jazz tem-se desenvolvido em Portugal graças ao Hot Clube, tanto os músicos como os compositores. A geração mais conhecida do jazz português são compositores, tocam músicas originais e estão a colocar o jazz para a frente.

Acredita que há um grande interesse dos jovens açorianos no jazz?
Depende muito. No último fim-de-semana, estive na ilha da Terceira, onde há a Associação Angra Jazz, a orquestra de lá e há vários jovens que encontraram no jazz algo que lhes atraiu e tocam. Acho que a ideia de criar o festival Angra Jazz e o facto de integrar uma orquestra da ilha foi bem-conseguido e o mais importante, porque estão a dar muito destaque. Já tivemos aqui festivais de jazz e não tivemos esse benefício, porque é preciso continuar para ter o desenvolvimento.

Acha que deveria haver uma aposta do Jazz nos Açores? Acredita que há espaços suficientes?
Antigamente, havia alguns espaços, mas, neste momento, há apenas o Lava Jazz, em Ponta Delgada, e o Hotel Terra Nostra, nas Furnas. São os únicos dois sítios que conheço que tem um grupo de jazz. E não é sempre, há outros grupos. No Lava Jazz, há uma grande variedade de grupos, mas o génesis do Lava Jazz foi o jazz. Agora, se há mais noites do Lava Jazz em que alguém toca música de outros géneros, parece que há cada vez menos músicos de jazz na ilha. Já tivemos mais, mas, neste momento, estamos com poucos músicos.
Acho que é uma situação que não implica outra. Claro que o jazz não está muito visível nos Açores, não é fácil uma pessoa que gosta de jazz poder desenvolver esse gosto e satisfazer o desejo de ouvir e, quem sabe, tocar uma parte mais activa e aprender.
Nas Furnas, neste momento, é onde se pode contar com o jazz durante um dia por semana. Há um grupo de jazz no hotel já há uns anos. Isto é uma aposta de continuidade, mas também um hotel tem outra capacidade de fazer actividades. O Lava Jazz não pode fazer outras actividades, enquanto no hotel pode-se fazer várias actividades, pois não estão dependentes do Jazz. Fico perplexo, por verificar que não há hotéis que apostem no jazz, principalmente, agora, em que há vários hotéis na ilha. Acho estranho não haver uma maior aposta no jazz e na música, pois estamos a falar de mercados internacionais.

                                         Filipe Torres
Edit Template
Notícias Recentes
José Manuel Bolieiro reafirma “compromisso com o desenvolvimento” de São Roque do Pico
A Ministra da Cultura veio aos Açores e na reunião com a Câmara Municipal anunciou que a República participará com 1 milhão de euros na preparação e realização do evento
Utentes da Amizade 2000 felizes com primeira exposição
Ana Gomes, proprietária da ‘Gotas de Chocolate’, prepara o Natal com ingredientes alusivos à época
Visita de Missão Intelectual nos Açores foi importante para o percurso da Região rumo à Autonomia
Notícia Anterior
Proxima Notícia
Copyright 2023 Correio dos Açores