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Divagações numéricas: do 1 ao 5

Todos nós nos cruzamos diariamente com números (números de identificação do cartão de cidadão, números de telemóvel, números de contas bancárias, dia e mês de aniversário, número do andar ou da porta, entre muitos outros exemplos). Há números que são importantes para algumas religiões. Outros são apreciados ou evitados por supersticiosos ou por apostadores. Neste texto, fazemos uma breve viagem pelo mundo dos números e apresentamos curiosidades sobre os números naturais, do 1 ao 5.
Número 1. O 1 surgiu com as primeiras manifestações numéricas do ser humano. No Paleolítico, os nossos antepassados começaram a usar símbolos unitários para registar as suas contagens. Por exemplo, na famosa gruta de Lascaux em França podemos apreciar uma pintura rupestre com mais de 17 mil anos, que apresenta um veado de uma espécie já extinta e abaixo doze pequenos círculos (Figura A). Na Grécia Antiga, o 1 era considerado a unidade indivisível a partir da qual surgiam todos os outros números. De facto, os números naturais obtêm-se por adições sucessivas do 1. Além disso, os gregos admiravam o papel desempenhado pelo 1 que alterava, por adição, a natureza par/ímpar de qualquer número: acrescentar uma unidade a um número par transforma-o em ímpar e acrescentar uma unidade a um número ímpar transforma-o em par. No Islamismo, o 1 é a unidade, símbolo da divindade: “Não há outra divindade senão Alá e Maomé é o mensageiro de Alá.” Na numerologia chinesa, tudo deriva do 1. O Livro da Via e da Virtude (Tao Te King) é uma das mais conhecidas obras da literatura chinesa. Foi escrito entre 350 e 250 a. C. e a sua autoria é atribuída a Lao Tse (significa “velho mestre”), que refere que “o Tao engendra Um, Um engendra Dois, Dois engendra Três, Três engendra todos os seres do mundo”. O número 1 também tem propriedades matemáticas interessantes, pois é o único número natural que é o seu próprio fatorial (1!=1), o seu próprio quadrado perfeito (1×1=1), o seu próprio cubo perfeito (1x1x1=1) e, assim sucessivamente, para todas as potências de expoente natural.
Número 2. Na Antiguidade, o 2 teve algum impacto filosófico por representar a dualidade e o confronto entre princípios opostos, como o bem e o mal. A espiritualidade chinesa, com origem no Taoismo, assenta na dualidade yin e yang, duas forças opostas e complementares que se encontram em todas as coisas: o yin é o princípio da noite e da Lua; o yang é o princípio do dia e do Sol (Figura B). Em particular, o 2 identifica-se com o yin e o feminino. Aliás, os números pares são considerados femininos e os números ímpares masculinos. Os pitagóricos, na Grécia Antiga, também consideraram os números pares femininos porque podiam ser partidos ao meio (divididos em duas partes inteiras iguais). Na Cabala, o 2 simboliza o equilíbrio entre forças opostas, representa a energia feminina e é o complemento do 1. Em termos de simbologia esotérica, o 2 também representa o conflito e a contradição decorrentes da dualidade que encerra, nomeadamente por mobilizar pólos opostos como a vida e a morte. Na mitologia egípcia, esta oposição é retratada pelo conflito interminável entre Hórus e Seth, para determinar quem deveria suceder a Osíris como rei. O número 2 também tem uma propriedade matemática interessante: é o único número primo par, facto que já é conhecido desde a Antiguidade.
Número 3. Na Grécia Antiga, o 3 era associado ao triângulo por ser uma figura plana com 3 lados, 3 vértices e 3 ângulos (internos). O agrupamento em tríades é muito frequente na mitologia: as três entidades divinas de Tebas (na mitologia egípcia, o pai Ámon, a mãe Mut e o filho Khonsu foram três dos mais poderosos deuses; a Figura C apresenta, da esquerda para a direita, os três deuses por essa ordem; a estrutura familiar, pai, mãe e descendente, pode ser um dos principais motivos de o número 3 ter uma grande riqueza simbólica em muitas culturas), as três Moiras (na mitologia grega, as três irmãs determinavam o destino, tanto dos deuses, quanto dos seres humanos), as três Graças (na mitologia grega, estas deusas representavam sentimentos e virtudes nobres como a concórdia, a gratidão, a prosperidade familiar e a sorte) e as três Fúrias (na mitologia romana, estas deusas eram personificações da vingança). Na Bíblia, o livro do Génesis (18:1-19) refere três anjos que assumem a forma humana e aparecem a Abraão. Na doutrina cristã, o 3 é um número importante: Pai, Filho e Espírito Santo são os elementos da Santíssima Trindade; jejum, oração e esmola são três dimensões fundamentais da Quaresma; contrição, confissão e expiação/satisfação são os graus de penitência por parte do pecador; fé, esperança e caridade são as virtudes teologais; foram três os reis magos que prestaram homenagem ao menino Jesus; e também foram três as vezes que Pedro negou conhecer Jesus Cristo. Na Índia, o 3 é um número místico porque simboliza a Trimurti (“três formas”) composta pelos três principais deuses do Hinduísmo: Brama, Vixnu e Xiva, que simbolizam respetivamente a criação, a conservação e a destruição. Na China, a compaixão, a moderação e a humildade são os três tesouros, ou seja, as três virtudes consideradas como valores básicos no Taoismo. Por seu turno, os Três Puros são os deuses mais elevados, que constituem a origem de todos os seres sencientes (“Três engendra todos os seres do mundo”). A conjetura fraca de Goldbach é um resultado matemático relevante, segundo o qual todo o número ímpar maior do que 5 pode ser expresso como a soma de três números primos (não necessariamente distintos). Por exemplo, 17=5+5+7.
Número 4. Na Grécia Antiga, o 4 era associado ao quadrado por ser uma figura plana com 4 lados, 4 vértices e 4 ângulos (internos). Para os pitagóricos, o 4 representava a harmonia e englobava os quatro elementos, terra, ar, água e fogo, que estavam associados a quatro sólidos platónicos, respetivamente ao cubo, octaedro, icosaedro e tetraedro. No livro do Génesis (2, 10-14), do Antigo Testamento, são referidos os quatro rios do paraíso: Pison, Gheon, Tigre e Eufrates. O Novo Testamento é composto por quatro evangelhos canónicos, que são aceites como os únicos evangelhos autênticos para a maioria dos cristãos (evangelhos de São Mateus, São Marcos, São Lucas e São João). O Budismo foi fundado por Siddhartha Gautama, mais conhecido por Buda, um príncipe de uma região no sul do atual Nepal que renunciou ao trono e se dedicou à busca da erradicação das causas do sofrimento humano e de todos os seres, tendo atingido a iluminação decorrente da compreensão das Quatro Nobres Verdades, em torno das quais todos os ensinamentos budistas se baseiam: a verdade do sofrimento; a verdade da origem do sofrimento; a verdade da cessação do sofrimento; e a verdade do caminho que leva à cessação do sofrimento. A tetrafobia é a aversão ao número 4. Trata-se de uma superstição comum em países da Ásia Oriental como a China, o Japão e a Coreia, isto porque a letra chinesa para quatro tem um som muito semelhante à palavra morte, tal como acontece com as expressões sino-japonesas e sino-coreanas para quatro em relação à palavra morte em cada língua. Em termos de resultados matemáticos, destaca-se a propriedade provada por Lagrange que estabelece que todos os números naturais são a soma de, no máximo, quatro quadrados perfeitos (não necessariamente distintos). Por exemplo, 15=9+4+1+1.
Número 5. O 5 está associado ao pentagrama, estrela regular de cinco pontas, que foi escolhida pelos pitagóricos como símbolo secreto para se reconhecerem. A estrela de cinco pontas pode ser encontrada em fragmentos de cerâmica com mais de 4 mil anos. É um dos símbolos pagãos mais utilizados, pois representa os quatro elementos (água, terra, fogo e ar) coordenados com o espírito. Aos quatro sólidos platónicos referidos anteriormente, Platão acrescentou o último sólido platónico, o dodecaedro, observando que este teria sido usado por Deus para organizar as constelações do céu. Na Cabala, o número 5 representa o ser humano perante o Universo, a liberdade e a evolução que nos leva ao crescimento. O 5 é um número importante na religião islâmica: há cinco pilares ou deveres básicos para um muçulmano (fé, oração, jejum, caridade e peregrinação) e são cinco as orações diárias. No Budismo, destacam-se as cinco famílias de Buda. Cinco são também os livros canónicos associados a Confúcio e, na mitologia chinesa, o deus Zhong Kui afugenta cinco animais venenosos: serpente, escorpião, centopeia, osga e sapo. Em termos de resultados matemáticos, 5 é o valor da hipotenusa de um triângulo retângulo com catetos 3 e 4. De acordo com o teorema de Pitágoras, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos (25=9+16). Além disso, se considerarmos apenas triângulos retângulos em que os comprimentos dos seus lados são todos números naturais, o 5 é o menor valor possível para a hipotenusa.

Ricardo Cunha Teixeira

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