De passagem por Lisboa fui almoçar à “A Licorista e o Bacalhoeiro”. Ao entrar na sala fiquei de pé a olhar para as paredes, a admirar a exposição permanente, composta por inúmeras fotos da reportagem de Allan Villiers na Campanha da Pesca do Bacalhau em 1950, a bordo do bacalhoeiro “Argus”, propriedade do armador Micaelense, Vasco Bensaude. Nesta campanha embarcaram vinte e seis pescadores e dois moços, na sua quase totalidade da Calheta Pêro de Teive.
Fiquei feliz por almoçar rodeado de gente simples, honesta, corajosa e grandes pescadores que levaram longe a sua fama de bons pescadores, o nome de S. Miguel e dos Açores. Ali estavam homenageados e recordados, numa espécie de um “Centro Interpretativo”! Maravilha!
Na sua terra natal, a sua memória está apagada ou querem apagá-la! Aquando da tomada de posse do actual Presidente da Câmara Municipal foi-me prometido que em um ano haveria na Calheta um “Centro Interpretativo da Calheta Pêro de Teive”, pouco tempo depois já havia o local, o velho Mercado do Peixe! Sugeri que era pequeno para tanta História, mas, entre nada, já era alguma coisa! Passado alguns meses fui informado que só na próxima legislatura! Lamentável!
Aproveitei a minha estadia na Capital e fui ver o filme “Revolução (Sem) Sangue” do realizador Rui Pedro Sousa. Um drama que acompanha as vidas de quatro jovens estudantes e um dissidente da PIDE nos últimos dias do regime ditatorial. Um destes estudantes era o Micaelense João Guilherme Rego Arruda, de vinte anos de idade, a cursar Filosofia, natural de Santo António – Ponta Delgada.
O João Arruda era um elemento activo na oposição ao regime, sonhava viver no seu País com Liberdade e Justiça. Sem qualquer filiação a Partidos ou Movimentos, colaborava com todas as iniciativas “para dar pancadaria no governo” como gosta de afirmar. No dia “25 de Abril” esteve no largo do Carmo a assistir à rendição do presidente do conselho Marcelo Caetano e, dali, partiu com a multidão para a sede da PIDE/DGS. Os elementos da PIDE, sentindo-se encurralados pela multidão que os ameaçava, cobardemente, entre as janelas do edifício, disparam rajadas de metralhadora sobre a multidão, ferindo muitos e matando cinco jovens entre eles, o João Arruda que foi atingido com um tiro na cabeça, tendo vindo a morrer no hospital!
Curioso, no dia 25 de Abril, fui assistir às comemorações do cinquentenário de Abril no Rossio, um mar de gente de todas as idades, diversas raças e credos, gritavam ordeiramente palavras de ordem e cantavam canções de Abril, descendo a Avenida da Liberdade. Entre muitas, recordo aquela jovem mãe, com uma enorme barriga descoberta e com a seguinte legenda escrita na pele, “estou aqui a lutar por mim”, senti necessidade de me incorporar na manifestação que, segundo dizem, foi a maior de sempre! Senti que o espírito do João Guilherme Rego Arruda, Fernando Luís Barreiros dos Reis, Francisco Carvalho Gesteiro, José James Hartely Barnetto e António Laje, assim como, de todos os que sofreram e foram mortos às mãos da PIDE, estavam presentes nesta manifestação, por um bem maior: A LIBERDADE!
Não morreram em vão!
Lamento que no caso do jovem João Arruda na sua terra natal, Ponta Delgada, na sua Região Autónoma dos Açores, nada se tenha feito em sua memória! Este jovem é merecedor de uma homenagem com “H” grande. Foi, à sua medida, um dos obreiros do 25 de Abril e da Liberdade que desfrutamos hoje!
A última carta do João Arruda, escrita poucos dias antes da sua morte à sua irmã, devia de ser publicitada e lida nas escolas nos Açores!
Um Povo que não valoriza o seu passado não tem futuro!
Não posso terminar sem felicitar o jornal “Correio dos Açores”, na pessoa do seu dinâmico Director, Américo Natalino Viveiros, pelos seus 104 anos de vida na defesa constante dos Açorianos e dos Açores!
Carlos A. C. César