Nesta entrevista, a designer açoriana Sara Schanderl fala sobre o seu percurso desde a Academia das Artes de Ponta Delgada, até à sua experiência com eco-design em Barcelona. Ao concurso nacional “Que Sardinha és Tu?” levou uma peça com as tradicionais Escamas de Peixe e, desde então, que investido na actualização e aperfeiçoamento desta técnica. Comprometida com a sustentabilidade e a criação de peças inteiramente açorianas, Sara Schanderl sublinha que “maior desafio é poder ter alguém que acredite nas nossas capacidades, pois o design nos Açores ainda está muito aquém!”
interesse pelo design? Que percurso teve de percorrer até chegar aqui?
Sara Schanderl – O meu interesse pelas artes começa desde muito cedo (aos 11 anos de idade frequentava a Academia das Artes de Ponta Delgada), mas sempre pensei na arte como um hóbi e no 10º ano fui para o curso de Desporto na Escola Secundária das Laranjeiras. No ano lectivo seguinte foi-me diagnosticado um problema no joelho, o que me fez pensar que teria de mudar para a área de que sempre gostei, as artes. Mas, não me via a fazê-lo em full-time, pois o meu maior medo era, e ainda é, perder a criatividade. Contudo, mudei-me para a Escola Antero de Quental e acabei por tirar o bacharelato em Design de Comunicação na Universidade do Algarve, uma licenciatura em Design de Equipamento e uma pós-graduação em Estudos do Design, na Faculdade de Belas Artes de Lisboa.
De que maneira integra a sustentabilidade nos seus projectos, especialmente considerando as práticas de eco-design aprendidas na NutCreatives, em Barcelona?
A sustentabilidade começou a integrar-se nos meus projectos quando ainda brincava com caixotes de papelão e transformava-os em casas de brincar. Mas só comecei a ter a percepção do quão importante era e é a palavra sustentabilidade quando comecei a frequentar a Faculdade de Belas-Artes, em Lisboa, onde aprendi e criei peças com o princípio dos 3R´s (Reduzir, Reutilizar e Reciclar). Mais tarde fui estagiar para Barcelona, na empresa Nutcreatives, que tem como princípio base o eco-design. Fui desafiada a criar um candeeiro com o ateliê Lucirmás, em que o objectivo era criar um produto elegante, útil e sustentável, concebido para ter uma longa vida e que se adaptasse facilmente a vários tipos de espaço. Assim “nasce” o candeeiro “La For” feito a partir de garrafas de vidro e latão.
Como surgiu o seu interesse em trabalhar com escamas de peixe?
O meu interesse em trabalhar com escamas de peixe surgiu na faculdade, numa disciplina chamada Design e Artesanato, em que tive que fazer uma pesquisa sobre o artesanato açoriano. Concluí que, de todas as áreas do nosso artesanato, a que estava mais desactualizada era a arte de trabalhar as escamas de peixe.
Então, lancei-me no concurso “Que Sardinha és Tu?” onde elaborei uma sardinha com a técnica das escamas de peixe, e que mais tarde fez-me despertar o interesse para aprofundar melhor esta técnica. Depois de muita tentativa e erro, consegui, por fim, criar as minhas peças em escamas de peixe.
Como os seus projectos, como o prato e o copo para o ‘10 Fest Açores 2015’, reflectem e valorizam a cultura açoriana?
Recorrendo aos diversos materiais que as ilhas oferecem, quis valorizar a arte de transformar a matéria-prima em utensílios fabricados artesanalmente. E foi a convite do Centro Regional de Apoio ao Artesanatos dos Açores e da Escola Hoteleira de Ponta Delgada que pude lançar o projecto “100 copos e 100 pratos”.
O copo, trabalhado com uma pasta de barro de Santa Maria e barro do continente, foi planeado para ser usado em cocktails, mas dada a sua capacidade, também pode ser utilizado para servir sobremesas. A estética do copo é valorizada e identificada pela impressão de uma renda típica das ilhas do Pico e do Faial. Contei com a ajuda do oleiro João Carroça, mais conhecido como o ‘João da Rita’, que foi quem torneou os copos, posteriormente vidrados na Fábrica Micaelense na cidade da Ribeira Grande. O prato, torneado em barro branco do continente, foi inicialmente inspirado nos chapéus de palha tradicionais dos Açores e, após algumas transformações com o intuito de se obter uma dupla função, caracteriza-se por ser ligeiramente côncavo de um lado e ter uma taça circular do outro, o que permite utilizá-lo tanto como prato raso ou como prato fundo. Foi o oleiro Ricardo Simas, da olaria S. Bento, na ilha Terceira, que se associou também a este projecto. As duas peças foram apresentadas e estreadas no ‘10 Fest Açores 2015’, com a participação de chefs de 7 países, dois dos quais com estrela Michelin.
Pode falar um pouco sobre a sua colaboração com ateliê Lucirmás?
O objectivo do projecto era criar uma parceria entre a Nutcreatives e o ateliê Lucirmás, onde eu, como designer, criava a peça em 3D e o ateliê criava o produto fisicamente.
A finalidade era criar um produto de beleza intemporal a partir de resíduos de vidro e de uma produção artesanal local. Queríamos obter o melhor resultado com o mínimo de recursos e processos de produção, obtendo um produto orientado para a compra online, de fácil transporte e armazenamento.
Quais os momentos que considera particularmente significativos na sua carreira?
Todos os momentos têm a sua particularidade, mas a que me mais marcou foi mesmo trabalhar em Barcelona. As mentalidades são mais “abertas” que em Portugal, temos a liberdade de criar e trabalhar quando a nossa mente permite, pois como artista temos momentos out, em que tudo o que fazemos não ‘bate certo’. Esta liberdade ajudou-me a crescer tanto a nível individual como profissional.
Quais considera ser os maiores desafios e oportunidades para o design e artesanato nos Açores actualmente?
O maior desafio é poder ter alguém que acredite nas nossas capacidades, pois o design nos Açores ainda está muito aquém! Temos toda a capacidade para criar peças 100% açorianas, mas não temos pessoas suficientemente motivadas para dar um passo tão grande. Apercebi-me disto quando criei os copos e pratos, tinha tudo idealizado e projectado em 3D, mas não tinha “mãos” motivadas para entrar neste desafio comigo.
Quais são os seus projectos futuros, e como pretende expandir o seu trabalho?
Os meus planos futuros passam por conseguir expandir o meu artesanato e design. Já consegui concretizar alguns projectos, com a ‘Cadeira Tabu’ na Recicla Madrid, em Espanha, o prato e copo para o ‘TenFest2015’ em São Miguel, a ida à Feira Internacional de Artesanato – FIA em Lisboa e ter trabalhado 3 anos a tempo inteiro como artesã. Neste momento, já tenho um outro projecto em mãos, que valoriza o design com o artesanato, usando produtos 100% açorianos, em que este pode vir a ser reconhecido por um público mais abrangente.
Que conselho daria a novos artistas e designers que estão a começar agora?
Não desistir é muito importante. Os desafios estão sempre a acontecer no nosso dia a dia e é preciso persistir para se poder concretizar aquilo que nos está idealizado. E a ilha de São Miguel está a “lutar” por isso, já temos muitas empresas que valorizam o designer. Pois sem design não há um bom marketing.
Daniela Canha