A apoptose é um fenómeno biológico que se pode traduzir por morte geneticamente programada das células, uma certa forma de destruição autónoma que permite a renovação celular e o rejuvenescimento dos tecidos. Os resíduos celulares resultantes são posteriormente “engolidos” (fagocitados, é o termo próprio) por células designadas por macrófagos, impedindo-se assim a acumulação de tóxicos nos tecidos. A apoptose distingue-se da necrose, que é um processo degenerativo semelhante a um “apodrecimento” das células e tecidos orgânicos. Sabiamente, a Mãe-Natureza arquitetou os processos biológicos para conseguir autorrenovar-se, estabelecendo igualmente os parâmetros temporais dessa renovação, exigindo limites de gastos energéticos, que podem ser estimulados e/ou condicionados por fatores diversos. Entre estes, avultam os ambientais e os patológicos, para além dos genéticos, tudo com o objetivo de otimizar o equilíbrio orgânico e a eliminação de células envelhecidas ou acidentadas, por outras mais jovens e ativas.
Ao analisar o fenómeno da apoptose celular, ocorre imediatamente a qualquer observador da política internacional a comparação com o fenómeno político europeu, onde o determinismo ancestral parece favorecer o confronto e as divisões. A formação da CEE, originando a atual União Europeia, surge como um remédio antioxidante para um corpo europeu caminhava para um destino necrótico. Durante os anos de paz e progresso pós-II Guerra Mundial, em grande medida devidos ao plano Marshall, financiado pelos estados unidos e destinado à recuperação alemã, cimentou-se na Europa um falso sentimento de segurança, graças ao guarda-chuva protetor do aliado americano. Porém, quando o crescimento da CEE atingiu patamares competitivos com os norte-americanos, o cenário mudou. Recordo os anos em que, enquanto membro da Delegação Parlamento Europeu/Congresso dos EUA, participei nas “guerras” entre a Boeing e a Airbus, ou na questão da carne com hormonas, importada dos Estados Unidos; ou ainda, na problemática dos OGM-Organismos Geneticamente Modificados, que tocou os Açores quando a multinacional Monsanto propôs usar uma das nossas ilhas como campo de ensaios – e porta de acesso ao espaço europeu. Verdade seja que as divisões internas, envolvendo os Estados Membros da CEE/UE, nunca foram de molde a facilitar as relações euro-atlânticas, principalmente em anos de paz. Em anos de guerra, como infelizmente agora a Europa atravessa, o panorama tenderia a mudar, o que não é evidente nos tempos correntes, muito por culpa da incapacidade da União Europeia para assumir as suas responsabilidades no campo militar (consequentemente, geopolítico) industrial (incluindo uma indústria de armamentos comum) e energético (reativando temporariamente as mais recentes centrais nucleares).
Com o aproximar de 9 de junho, data das eleições para o Parlamento Europeu, devemos ter consciência, quer a nível nacional, quer regional, aquilo que se fez, do que se podia ter feito e, acima de tudo, das oportunidades perdidas. Nestas, foi com imensa e desagradável surpresas que vi divulgar a notícia de que Portugal desperdiçou 8.300 milhões de euros de empréstimos, ao abrigo do PRR, que se destinavam exclusivamente a resolver os problemas da água para a agricultura, cujo prazo de apresentação de projetos terá terminado em 30 de agosto passado. O assunto foi abordado no Parlamento Europeu há 7 meses pelo eurodeputado do PSD José Manuel Fernandes, ainda durante o governo PS do Dr. Costa — enum território sob ameaça de seca como o continente português, é simplesmente uma negligência criminosa. Agora Ministro da Agricultura do XXIV Governo de Portugal, só resta a José Manuel Fernandes tentar o prolongamento do prazo, o que nem sei se é possível, mas certamente merecerá solução adequada para compensar o desleixo da anterior governação. Aliás, conviria estarmos prevenidos e investir mais nas reservas de água nas nossas ilhas, considerando os sinais “apoptóticos” dados pelas alterações climáticas. Sempre vale mais prevenir, do que remediar; ea questão da água, incluindo uma ação urgente para colmatar as perdas na rede de distribuição, é matéria que bem gostaríamos de ver discutida pelos partidos na campanha europeia que se avizinha. Outra questão a discutir, por poder ter solução com recurso a fundos europeus, é a da energia, porque a informação veiculada é bastas vezes enganadora no que toca aos preços grossistas e domésticos. Senão, vejamos: um quadro comparativo do preço grossista médio por MWh, coloca Portugal praticamente a par com a Espanha(44.37 euros, contra 44,76 do espanhol), no 1º trimestre de 2024, dando ideia de estarmos bem. Idem para o kWh doméstico, custando 23 cêntimos em Portugal e Espanha. Só que o valor bruto do salário médio mensal de um espanhol, são 2,250 euros, enquanto um português ganha 1.250, pouco mais de metade do hermano ibérico. Isto, sem termos em conta a carga fiscal sobre o trabalho, que tanta controvérsia suscita no nosso país. Julgo ser chegado o momento para se discutir o rumo que pretendemos para o País e as Regiões Autónomas, aproveitando a campanha das eleições europeias de junho para colocar alguns assuntos que se vêm arrastando desde 1986, como o dos círculos próprios para o Parlamento Europeu, antes do tempo da próxima apoptose.
NdA: Boas Festas do Senhor Santo Cristo para todos!
Vasco Garcia