Miguel Rocha, Director da licenciatura em Estudos Europeus da Universidade dos Açores, destaca os marcos históricos do projecto europeu, bem como as principais conquistas e desafios. Realça, ainda, o impacto e a evolução da Região com a adesão à União Europeia.
Correio dos Açores – À luz do Dia da Europa, pode destacar alguns dos principais marcos históricos que levaram à criação da União Europeia e explicar a importância destes eventos para o projecto europeu?
Miguel Rocha (Professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade dos Açores) – Destacaria, em primeiro lugar, o que todos os especialistas referem: o projecto europeu é o projecto mais bem-sucedido da história mundial. Estamos a falar de uma iniciativa que começou com seis Estados e que hoje junta 27, que sobreviveu à saída de um Estado de grande dimensão – o Reino Unido, com o Brexit –, e que está a negociar futuras adições.
O projecto europeu tem um nível de atracção: consegue atrair e representar muito para povos que, por algum motivo, se encontram num nível de desenvolvimento atrás dos restantes.
Os principais momentos históricos são vários, cada um correspondente à conjuntura da época e que significaram um avanço para o projecto europeu. Seria injusto não referir a Declaração de Schuman, à procura de um caminho de cooperação entre os países europeus, sobretudo entre os dois Estados rivais, que não se dão bem desde meados do século XIX, designadamente a França e a Alemanha: o Tratado de Paris, que instituiu a comunidade europeia do carvão e do aço; o Tratado de Roma, que institui a comunidade económica europeia e energia atómica; as primeiras eleições para o Parlamento Europeu em 1979, por sufrágio directo e universal; o acto único europeu, assinado a 17 de Fevereiro de 1986; o Tratado de Maastricht, assinado a 7 de Fevereiro de 1992. Não podia concluir sem referir os sucessivos alargamentos da história da concessão europeia: em 1983 para a Dinamarca, Reino Unido, Irlanda e Noruega, que rejeitou depois por referendo; em 1981 para a Grécia; em 1986 para Portugal e Espanha; em 1995 para a Suécia, a Finlândia e a Áustria; o grande alargamento em 2004 que incluiu 10 Estados; o de 2007 que incluiu a Bulgária e a Roménia e, por último, o da Croácia.
Estes são alguns momentos que mostram bem a vitalidade de todo este projecto e desta “aventura” iniciada, na maior parte, na década de 50 do século passado.
Na sua opinião, qual é a maior conquista da União Europeia até à data e qual é o maior desafio que ainda enfrenta para alcançar uma maior coesão e solidariedade entre os Estados membros?
Saído dos escombros da guerra, o projecto europeu tornou-se no veículo de paz e numa nova fase da história do continente europeu, após o início do século sangrento. A ideia de modernidade, solidariedade e desenvolvimento está intrinsecamente ligada à União Europeia. Por exemplo, os alargamentos de Portugal, Grécia, Espanha, dos países da Europa Central e Oriental, o último alargamento dos Balcãs foi o que permitiu para estes países cunhar com o reencontro de uma prosperidade socioeconómica sonhada apenas, ou almejada. No meu entender, outra conquista é a ideia de democracia. Apenas pode fazer parte da União Europeia um Estado democrático e que respeite os direitos humanos.
Em relação aos desafios, o primeiro é manter este Estado livre da guerra e dos fantasmas do passado. Embora possa parecer uma ideia repetida, face à actual conjuntura torna-se ainda mais importante salientar. Para a esmagadora maioria dos cidadãos europeus, continua a simbolizar um espaço de prosperidade, solidariedade e coesão socioeconómica. Outros desafios estão relacionados com as questões ambientais, demográficas e de competitividade. Por sua vez, as questões demográficas relacionam-se com outro problema sensível na União Europeia: a emigração e a imigração. A Europa deve continuar o seu esforço para se tornar no primeiro Continente com impacto neutro no clima. Creio que o prazo está previsto para 2050. Considero importante e fundamental para o futuro que a Europa continue a liderar todos aqueles que lutam por salvar o nosso planeta para as gerações futuras. (…)
Os ideais europeus mantêm-se?
Os ideais mantêm-se e são cada vez mais necessários neste mundo como um todo.
O que podemos esperar desta Europa com o aumento do eurocepticismo e o avanço da extrema direita?
Considero que temos de continuar o combate por uma Europa pacífica e aberta ao mundo. Esta é uma batalha que nos convida a todos, desde decisores políticos a académicos, a jovens e ao sector da sociedade civil. Devemos incentivar todos os esforços, no sentido de reconciliar o nosso modelo político-económico com a percentagem dos europeus que está descontente com a actual conjuntura e ter isso em atenção na implementação de algumas políticas públicas. Os movimentos populistas baseiam-se muito no descontentamento geral que existe, que tem a ver com questões nacionais, internacionais, da conjuntura, de mal-estar socioeconómico, e mesmo a nível identitário.
Mas, mesmo com todas as imperfeições e com todos os avanços e recuos, continuamos a demonstrar que esta é a melhor via para o futuro, para almejar uma maior prosperidade socioeconómica. Muitos dos descontentamentos procuram respostas fáceis que, na realidade, acabam, muitas vezes, por agravar os próprios problemas.
A guerra na Ucrânia é um desafio à resistência europeia?
É um desafio à resistência europeia, ao futuro da Europa e do sistema internacional, caso Puttin prevaleça. Estamos a lidar com uma ameaça que temos de combater. A política externa russa contesta a ordem internacional e considera a NATO e a União Europeia como ameaças à sua segurança nacional. Esta actuação do Kremlin, caso prevaleça na Ucrânia, não ficará por aí. Provavelmente, tentará alargar a sua esfera de influência por via militar a alguns dos Estados mais próximos e, por isso, o dever de todas as democracias é continuar a auxiliar a resistência ucraniana contra o imperialismo do Kremlin. Caso Puttin consiga obter os seus objectivos, a Europa não será a mesma. Aliás, o mundo não será o mesmo. (…)
Nesse âmbito, é fundamental o apoio socioeconómico e militar. (…) Face à actual conjuntura internacional, por muito impopular que seja, o dever histórico de todos os Estados-membros é aumentar as suas despesas com a defesa. As evoluções do mundo dissiparam-se na União Europeia em 2022. Além disso, não sabemos qual será o desfecho das eleições americanas. Temos de nos preparar para esta nova realidade.
Os Açores estão perante o desafio de, em dois anos, investir mais de 500 milhões de euros do PRR. Acredita que será possível?
Está tudo atrasado, a nível regional, nacional e europeu. Portugal está bastante atrasado na aplicação dos fundos, mas não é o único Estado. Urge tentar concretizar esse objectivo de aplicar todos os fundos no prazo.
Qual o impacto da União Europeia nos Açores em termos de desenvolvimento económico, social e cultural?
Os Açores de hoje nada têm a ver com o que eram antes da adesão à União Europeia, assim como Portugal não tem nada a ver com o país que era antes da adesão. É uma realidade completamente diferente. A diferença é notória a nível das obras públicas, do maior índice de prosperidade e de coesão socioeconómica em geral, da Educação e da Saúde. Nota-se, sobretudo, em algo que não é possível de medir, na evolução das mentalidades. Os Açores, assim como a Madeira e o país no seu conjunto, são totalmente diferentes.
No âmbito da autonomia das regiões autónomas, os Açores e a Madeira podiam não acompanhar. Ou seja, há outros exemplos de países, como o caso da Gronelândia que deixou o espaço europeu e estava inserida na Dinamarca. Portanto, isto mostra a precisão dos líderes regionais, que foi um consenso a nível político na Região, de acompanhar a opção de aderir à União Europeia. No fundo, a União Europeia é a mais bela aventura que temos tido no velho continente europeu. A nível do ensino universitário, quero salientar os programas Erasmus. O que é que a Europa significa? É conhecer o outro. O desconhecimento foi, muitas vezes, aliado às ambições dos Estados-membros, uma razão também para a inclusão dos conflitos. Europa significa solidariedade, prosperidade, paz, coesão socioeconómica e modernidade. Para Portugal significou aceder a um clube do qual estava longe há bastante tempo, o clube dos países mais ricos e desenvolvidos do mundo. (…)
O facto de os Açores estarem tão afastados do centro da Europa torna os açorianos menos europeus?
Existe o conceito de regiões ultraperiféricas. Os Açores e a Madeira, juntamente com as Canárias, fazem parte de um conjunto de regiões na União Europeia que têm a particularidades específicas e isso deve ser levado em conta. A União Europeia tem essa sensibilidade porque a Europa vai além dos territórios existentes no continente europeu. Geograficamente, Portugal está localizado numa ponta da Europa, pelo que esse problema também existe face ao pais. Além disso, temos um comité das regiões e é de salientar o papel de João Bosco Mota Amaral na criação do conceito de ultraperiferia.
Carlota Pimentel